Coordenador nacional pronuncia-se sobre as implicações da nova legislação e destaca diálogo ecuménico e inter-religioso
O coordenador nacional das Capelanias Hospitalares, Pe. José Nuno, considerou que o novo enquadramento legal da assistência religiosa e espiritual nos estabelecimentos de saúde coloca a Igreja numa situação a que não está habituada.
“Com este decreto-lei, valeremos pelo que propusermos, pela qualidade do que oferecemos”, explicou o sacerdote. “Se formos competentes naquilo que o mundo da saúde, da doença e da morte nos pede neste momento, teremos um espaço muito mais amplo do que aquele que a legislação anterior consentia”, esclareceu.
“Ao mesmo tempo, este decreto cria uma situação de tensão permanente, porque a dinâmica de aperfeiçoamento abala sempre as estruturas instaladas. E se calhar, em alguns momentos e situações, não resistimos à tentação de nos instalarmos. Essa realidade acabou”, garantiu ao programa ECCLESIA.
“Sei que há quem considere esta transição como um mal; eu considero-a um bem, porque nos abala, interroga e questiona”, declarou.
Estudo vai investigar percepção da importância da assistência espiritual
O Pe. José Nuno considerou que “os profissionais de saúde não são apenas os médicos e os enfermeiros”, pelo que a prestação de cuidados aos doentes envolve a colaboração de peritos de várias especialidades.
Neste sentido, os responsáveis das Capelanias Hospitalares querem destacar a importância da assistência espiritual aos doentes que é dispensada pela Igreja. Para o efeito, decidiram encomendar um estudo que avaliará a percepção do valor terapêutico da espiritualidade.
O coordenador da Pastoral da Saúde da diocese do Porto defende que os profissionais envolvidos no apoio aos doentes precisam de ter presente que a “assistência espiritual e religiosa faz parte integrante da prestação de cuidados de saúde”.
Além dos dados que a “experiência quotidiana” confere, é necessário um “estudo sério, que obedeça a regras claras” e “ofereça resultados insuspeitos”, referiu o Pe. José Nuno. O trabalho, que terá abrangência nacional, será conduzido por uma universidade pública.
O capelão do Hospital de São João, no Porto, espera que os resultados da pesquisa dêem “muita novidade ao discurso e à acção das unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde” e, “principalmente, dos organismos da Igreja que laboram nesta área”.
A segunda fase da investigação consiste em estender o inquérito aos doentes que já solicitaram assistência religiosa nos hospitais.
Relação com Estado é globalmente positiva
Para o Pe. José Nuno, o diálogo entre as Capelanias Hospitalares e o Estado tem sido “positivo”, salvo alguns “parênteses menos conseguidos”.
O Plano Nacional de Saúde 2004-2010 contempla um capítulo dedicado à dimensão espiritual e religiosa, o que é “sinal de uma relação entre a Igreja e o Ministério que já ocorre há muito tempo”.
A curto prazo, o coordenador nacional deseja que o processo de regulamentação do novo decreto-lei seja feita “com incentivos positivos por parte do Ministério, no sentido de evitar que problemas tão comezinhos mas tão graves, como as restrições financeiras, impeçam a contratação dos agentes deste acompanhamento espiritual e religioso”.
Os cargos ligados ao funcionalismo público serão extintos à medida que os seus detentores saiam dos quadros do Estado.
O novo modelo prevê um vínculo contratual que será “em tudo semelhante” ao dos médicos e enfermeiros. O decreto-lei também regulamenta a situação dos capelães e assistentes espirituais que não se dediquem em exclusividade ao trabalho nas unidades de saúde.
O Pe. José Nuno recusou-se a comparar este enquadramento legal com o anterior: “É diferente; é aquele que as circunstâncias actuais tornam perfeitamente compreensível”.
Dialogo ecuménico e inter-religioso
Uma das novidades mais importantes da nova legislação é o alargamento da assistência espiritual a outras confissões religiosas. O coordenador nacional das Capelanias Hospitalares considerou que esta alteração é “positiva”: “Tenho alegria em recordar que ao longo destes anos, lutámos sempre pela regulamentação da Lei de Liberdade Religiosa”.
Ao reconhecer a importância da assistência espiritual para os doentes católicos, a Igreja deve ser a primeira “a pedir o mesmo para os outros”, observou.
O Pe. José Nuno pronunciou-se também sobre a participação de outros credos na Associação Portuguesa de Capelães e Assistentes Espirituais Hospitalares, que será constituída a curto prazo. “Sentimos que sobre nós pesa a responsabilidade, e não o privilégio, de sermos a Igreja maioritária em Portugal”, esclarece. “Por isso, com mãos, mente e coração absolutamente abertos, tomámos a iniciativa de convidar as confissões mais representativas em Portugal para um encontro, a ocorrer no fim deste mês ou no início do próximo”, para debater esse e outros assuntos.
Algumas das respostas já recebidas são “muito agradáveis”, assegurou o sacerdote. Há responsáveis que afirmam que “ao longo destes anos, o que lhes valeu foi haver serviços religiosos católicos, porque se assim não fosse, teriam embatido nas complicações institucionais dos hospitais”, elucidou.
O coordenador nacional das Capelania Hospitalares está convencido de que além das reuniões, da resolução das questões teológicas e dos encontros de oração, o caminho ecuménico e inter-religioso concreto faz-se “no serviço às pessoas em sofrimento”.
“Acredito firmemente que o espaço da assistência religiosa e espiritual hospitalar poderá ser um bom lugar para as pessoas perceberem que é muito mais o que nos une do que aquilo que nos separa; é que diante da morte e do sofrimento, só o essencial sobrevive”.