Liberdade: um anseio a conquistar

A exclusão e a pobreza têm impedido crescimento global dos cidadãos

Trinta e cinco anos depois do 25 de Abril de 1974, o Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura reuniu-se em Fátima para o «Elogio à Liberdade», tema da 5.ª Jornada daquele Organismo que ocorreu em Fátima a 5 de Junho.

Durante a primeira parte do encontro, em que participaram cerca de cem pessoas, José Manuel Fernandes, director do «Público», enquadrou o estado da liberdade em diversas áreas da sociedade portuguesa.

Para o segundo momento da Jornada, a maestrina Joana Carneiro propôs uma nova abordagem ao conceito de liberdade: uma partitura, duas interpretações, ou a criatividade de Herbert von Karajan e de Leonard Bernstein diante da mesma obra de Beethoven.

«Que havemos de fazer com a liberdade?» foi a pergunta a que D. Manuel Clemente e Marcelo Rebelo de Sousa procuraram responder durante a tarde.

Uma das dificuldades no entendimento do conceito de liberdade consiste em a considerar apenas como um fenómeno externo, que é concedido em maior ou menor grau ao ser humano. Mas para D. Manuel Clemente, ela é um processo sempre inacabado, pelo qual o Espírito actua para atenuar e remover tudo o que obsta ao desenvolvimento pleno da personalidade.

Por isso cada pessoa deverá interrogar-se não tanto sobre o que é que pode fazer com a liberdade, mas o que é que deixa que a liberdade faça da sua vida. Se este exercício for reduzido a uma pedagogia, corre-se o risco de amplificar o relativismo pós-moderno.

Para o Presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, a vida de Jesus é o melhor exemplo do cumprimento da vontade do Pai, num ambiente marcado por condicionalismos externos como a violência, o isolamento e a incompreensão. Viver na tensão entre a realização dos desejos individuais e na concretização da vontade de Deus, visível por exemplo nas necessidades das pessoas, é, nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, "um equilíbrio difícil, em que todos tropeçamos".

Olhando para o Portugal contemporâneo, o professor universitário considera que há diversos obstáculos ao exercício da liberdade. Desde logo porque muitas pessoas vivem em condições de exclusão, pobreza, dependência, ignorância e ausência de um percurso educativo adequado. Para esta parte da população, a liberdade garantida pela Constituição não pode ser aplicada.

Ser livre é, para D. Manuel Clemente, muito mais do que agir sem prejudicar ninguém; é sobretudo uma capacidade de acolher e estar disponível. Não estamos sós no mundo, pelo que esta pedagogia da exigência, que deve começar com as crianças, é essencial para conjugar a liberdade individual com a das pessoas que vivem em sociedade.

Pensa-se por vezes que a liberdade justifica todos os comportamentos; segundo Marcelo Rebelo de Sousa, este ponto de vista reflecte-se na disseminação da violência familiar e laboral, na dificuldade em viver no espaço público e na intolerância face às opiniões discordantes.

No que diz respeito à manifestação pública da opção crente, o comentador defende que se está a assistir ao "ressurgir de posições iluministas, não apenas anti-clericais", que revelam dificuldades em entender o que é a liberdade religiosa.

D. Manuel Clemente defende a necessidade da Igreja, especialmente através do protagonismo laical, se envolver nos debates seculares em que a liberdade se analisa e perspectiva. Para Marcelo Rebelo de Sousa, os leigos precisam de converter em acção a sua convicção.

A Jornada foi também marcada pela entrega do «Prémio de Cultura Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes» ao Professor Adriano Moreira, que evocou as qualidades do presbítero jesuíta enquanto pastor e cidadão, numa época atravessada por mudanças aceleradas: "É com muita humildade que se deve receber uma distinção que é referida ao exemplo que ele deu". Quando D. Manuel Clemente "me deu essa notícia [da atribuição do Prémio] eu disse uma coisa muito simples: ‘obrigado pela bênção'".

A sessão solene decorreu já com a sala meio vazia, dado que muitos participantes optaram por sair durante o intervalo que se seguiu à mesa redonda com D. Manuel Clemente e Marcelo Rebelo de Sousa. Depois da leitura da Acta do Júri, o Presidente da Comissão Episcopal fez uma breve alocução, a que se seguiu a entrega da escultura e do cheque, no valor de € 2.500, oferecido pela Rádio Renascença. A cerimónia, que contou com a actuação do agrupamento «Sol Ensemble», concluiu-se com a intervenção de Adriano Moreira.

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