Homilia do Bispo de Leiria no Dia da Cidade de Leiria 2009

«A amizade pela cidade e na cidade»

É com muita alegria que me associo ao Dia da Cidade, que coincide com o do aniversário da fundação da Diocese.  Com esta alegria saúdo, afectuosamente, todos os presentes. Saúdo, com cordial deferência, a Ex.ma Sra Presidente da Câmara, o conselho municipal e os demais autarcas. 

Nesta ocasião permitam-me oferecer-lhes uma meditação intitulada: “A amizade pela cidade e na cidade”, deixando-nos inspirar pela Palavra de Deus que foi proclamada.

1. Um novo olhar sobre a cidade
 
As leituras que ouvimos são uma verdadeira Cantata ao Amor, à beleza do Amor que Jesus Cristo introduz no coração dos homens e do mundo.
Na ceia da despedida, Jesus deixa-nos o testemunho e o testamento definitivos do seu amor: “É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos”! São palavras de fogo! Sem este amor, o coração humano e a cidade dos homens tornam-se um deserto espiritual. Além disso, abre-se diante de nós um programa de vida e de empenho praticamente ilimitado, total e universal.

Por sua vez, S. Paulo enumera uma série de atitudes concretas em que se traduz este amor para viver em comunidade: a caridade, o acolhimento e a hospitalidade, a estima recíproca, a solidariedade com os que riem e com os que choram, a diligência no trabalho, o serviço humilde, a esperança alegre…
 A atitude do amor de benevolência, de querer bem ao outro como tal, tem profundas implicações cívicas e sociais: é uma atitude necessária para construir uma cidade e uma sociedade convivial, de que é expressão bela “o banquete” eucarístico em cada domingo. Jesus introduz um novo ambiente convivial entre as pessoas. Convida-nos, pois, a um novo olhar sobre a cidade, a redescobri-la como espaço e expressão de amizade, de fraternidade, de reconciliação, que deita por terra os muros da divisão e introduz a paz nas relações entre as pessoas que habitam e formam a cidade. Temos aqui então o tema da amizade.

2. A amizade como o “cimento da cidade”
A amizade é-nos apresentada já no mundo clássico, pelos pensadores antigos, Platão e Aristóteles, depois retomados por S. Tomás de Aquino,  como o “cimento da cidade”. Para o bem estar de uma cidade, diziam, requer-se, sem dúvida, a boa vontade dos cidadãos e um bom governo. Mas há algo mais substancial, que dá suporte de fundo à vida dos homens na cidade, que é a amizade. A amizade que leva à concórdia, que permite fazer comunidade, estabelecer relações comunitárias, a amizade que faz prosperar a cidade.
A amizade exprime-se antes de mais para com a cidade se consideramos a cidade quase como uma pessoa viva, uma pessoa com vida.
Um grande presidente da câmara, filósofo, teórico e poeta da cidade, G. La Pira, presidente da câmara da cidade de Florença em Itália, em 1954 escrevia este texto lindo sobre a cidade: “As cidades têm um rosto próprio têm por assim dizer uma alma e um destino próprios. Não são meros armazéns de pedra; são misteriosas habitações dos homens e mais ainda, de certo modo, misteriosas habitações de Deus”. Sim, também Deus habita nas cidades dos homens!
La Pira, capta com lucidez a relação entre a pessoa e a cidade, de modo a poder afirmar que a crise do nosso tempo pode ser definida como um desenraizamento do contexto orgânico da cidade, daquilo que dá uma harmonia orgânica à cidade. Leio-vos um pequeno texto muito interessante, que ele escreveu: “Não é verdade que a pessoa humana se realiza na cidade, se enraíza na cidade como a árvore se enraíza no solo? Que a pessoa humana se enraíza nos elementos que constituem a vida da cidade?” E exemplifica: “No templo, para a sua união com Deus e a sua vida espiritual; na casa para a sua vida de família; na oficina para a sua vida de trabalho; na escola para a sua vida intelectual; no hospital para a sua vida física saudável; nas praças para a sua vida de lazer e de convívio”.
São os lugares simbólicos que exprimem a vida espiritual, a vida familiar, a vida económica, a vida cultural, a vida convivial, social e lúdica da cidade. É isto que dá alma à cidade. Portanto, convida-nos a olhar para a cidade, não apenas como lugar onde dispomos de serviços, de estruturas que tornam cómoda e oferecem bem estar à nossa vida, mas sobretudo como lugar e espaço onde se realiza a vida dos homens nas suas várias dimensões e vertentes. Daí então esta exigência da amizade pela cidade e na cidade.

3. Expressões da amizade pela cidade e na cidade
1. A primeira expressão fundamental desta amizade pela cidade é não fugir da cidade: não no sentido físico, de quem ao fim de semana vai a campo ou à montanha, o que é saudável; mas no sentido de não se alhear, não se desinteressar pela vida da cidade, pelos seus problemas, mas considerar a cidade como a nossa casa, uma casa comum, pela qual e na qual todos nós somos responsáveis. Por isso, somos chamados a aprender a viver na cidade como numa casa comum: que cada um aprenda a viver nela com gosto, com corresponsabilidade, com empenho, de modo a torná-la mais habitável, mais à medida da pessoa humana, desde as pequeninas coisas até aos grandes problemas que se vivem na cidade, por exemplo desde a responsabilidade de cada um e de cada família em manter a cidade limpa e bela, à participação na sua vida social e cultural até ao contributo que cada um de nós pode dar para ajudar a resolver os problemas da cidade, concretamente os problemas sociais.
2. Uma outra expressão da amizade pela cidade e na cidade, é o empenho em iniciativas para cultivar as relações entre pessoas e grupos para além das suas afinidades naturais, ou das afinidades próprias de cada um e de cada grupo. Por vezes, a cidade pode aparecer como um aglomerado de grupos ou de vários corpos separados, de vários extractos da população que não comunicam entre si: categorias sociais, profissões, interesses de trabalho, interesses políticos, imigrados que vêm trabalhar para junto de nós, etnias, como por exemplo os ciganos, etc. Tem-se a impressão, por vezes, de que a cidade já é um corpo demasiado grande para que haja um laço de fundo que possa pôr em comunicação e em relação todos estes grupos que formam a cidade, que haja um laço de fundo que possa dar unidade e tornar a cidade unida. É, pois, importante atravessar estes grupos com amizades que ponham em relação, que ponham em rede, em comunicação, costumes, interesses, linguagens e culturas diversas. É um enriquecimento para a cidade.
 3. Neste contexto, coloca-se, de modo particular, a missão da nossa Igreja, das nossas comunidades cristãs, de cada comunidade cristã da cidade, de criar laços de amizade, de comunhão e solidariedade para além das afinidades naturais, para constituir aquele tecido de referência que dá suporte de fundo ao sentido cívico e moral de uma cidade.
Daqui deriva também um compromisso, um empenho para todos, de criar canais de comunicação, por exemplo entre os lugares do trabalho e os do tempo livre, entre os lugares do sofrimento e os da solidariedade e do voluntariado, entre as prisões e a chamada “sociedade de bem”, entre as instituições culturais e a gente comum, entre os marginalizados e os em abrigo e aqueles que são ricos de relações e de abrigo.
Construir a cidade não quer dizer só construir o quadro exterior, isto é, os serviços, as infra-estruturas ao serviço do nosso viver quotidiano, que é muito importante, naturalmente. A cidade faz corpo com as pessoas que a habitam e a pessoa humana vive de relações e de amizades. Neste sentido, o homem é a sua cidade. Cada um deve sentir a cidade como sua. O homem é a sua cidade e a cidade é chamada a ser lugar de boas relações e de boas amizades, que requer de todo o cidadão um coração universal, de abertura universal a todos. Para esta tarefa quer contribuir também a Igreja de Jesus Cristo. Na expressão concreta das comunidades cristãs que vivem no meio da cidade, a Igreja quer mostrar-se amiga da cidade, trazendo para dentro dela apenas o evangelho de Cristo.
Caros irmãos e irmãs, a amizade pela cidade e na cidade é uma expressão concreta do nosso amor a Deus, que nos confia a cidade e do amor ao próximo, porque Deus nos confia uns aos outros.
O meu acto de amor concreto por esta nossa cidade – por esta minha cidade, de que sou habitante ainda há pouco tempo, mas já a considero minha – exprime-se, neste momento, com uma sincera invocação da bênção do Senhor para toda a cidade, para os seus cidadãos e, de um modo particular, para os seus governantes, para os seus autarcas e  familiares: “O Senhor te abençoe e te proteja, ó querida cidade de Leiria. O Senhor dirija para ti o seu olhar e te conceda a paz”. Ámen!
Leiria, 22 de Maio de 2009
 

+ António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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