Bento XVI faz anos

Bispo de Vila Real fala de um «homem atento e corajoso» O Papa faz este dia 16 de Abril 82 anos de vida e de baptismo, pois foi baptizado no dia do seu nascimento que, em 1927, era o Sábado Santo. Podemos dizer que foi sempre homem pascal. No dia 19 fará quatro anos da eleição para a cátedra de Pedro e, no dia 24 seguinte, quatro anos do início solene do seu governo da Igreja. Quando foi eleito para suceder a João Paulo II, num dos conclaves mais breves da história, houve alguma expectativa a seu respeito, devido às tarefas delicadas que desempenhara até então na Congregação para a Doutrina da Fé (promotora da Fé e defensora da ortodoxia doutrinária), e também por causa da idade e debilidade de saúde (é um cardíaco). Estes quatro anos revelaram um homem atento e corajoso, delicado e firme. Fez várias visitas pastorais, sem pressa, às paróquias de Roma, a sua diocese como bispo diocesano, e à Itália, e como Supremo Pastor da Igreja fez visitas demoradas a outros países distantes e estruturas científicas e de poder político. Temos ainda presente a viagem à Austrália no encontro da Juventude. Em todas elas revelou a sua qualidade de mestre da fé e do humanismo cristão, tal como tem acontecido em documentos oficias, sejam as duas encíclicas sobre a «Caridade» e a «Esperança», sejam as catequeses das quartas feiras e as múltiplas homilias, sejam os documentos publicados pelas várias Congregações e outros dicastérios romanos, que incluem sempre a sua anuência. Ao lado desse magistério oficial, publicou como teólogo uma reflexão sobre «Jesus de Nazaré» com várias edições em todo o mundo, aguardando-se um segundo volume; e as editoras reeditam continuamente textos do seu magistério anterior, por conhecerem a audiência que o seu nome desperta em todo o mundo. É essa, de facto, a característica fundamental deste Papa – o homem da segurança e clareza da doutrina, teólogo e pastor ao mesmo tempo. Foi isso que ele, no encontro anterior ao conclave, anunciou aos cardeais como tarefa prioritária do novo Papa – a luta contra o relativismo difundido na cultura actual e que destruiria toda a mensagem cristã. Após a eleição, ele próprio tem sido fiel a essa tarefa, não em processos e decretos canónicos e judiciais, mas em reflexões profundas e pastorais. O seu estilo é o que poderemos chamar uma linguagem substantiva, onde as palavras são somente as necessárias, escolhidas, com rigor e afecto. Afasta do seu discurso os adornos românticos e retóricos, mas não exclui os sentimentos protocolares e a memória do coração. Neste aspecto tem surpreendido pela positiva, ultrapassando o estilo da reflexão teológica académica e de análise disciplinar de muitos anos. Essa fidelidade à fé, à doutrina da Igreja e ao Concilio e a denúncia dos desvios da cultura e até do sentido do ecumenismo, têm-lhe trazido as já esperadas dores de cabeça. Só se mostrou surpreendido uma vez – a crítica interna da própria Igreja ao levantamento da pena canónica da excomunhão dos lefrevianos e a leitura abusiva desse gesto tomado como aprovação das declarações de um dos bispos incluídos acerca do holocausto nazi e das relações com os judeus. É um exemplo típico da confusão que o mundo gosta de criar. Ficaram também conhecidas as afirmações feitas em Ratisbona sobre a estrutura cultural interior ao islamismo e, mais recentemente, durante o voo da viagem aos Camarões e a Angola,o seu comentário sobre a oficialização do preservativo como terapia da sida, e a inevitável nuvem de poeira criada pelos «media». É evidente que, tanto num como noutro caso, Bento XVI tem toda a razão no que disse e a confusão manifestada até ente cristãos nasce da dificuldade de muita gente em ultrapassar a cultura estabelecida e ir ao fundo das questões. O princípio do duplo efeito não vale para tudo. O Papa é o homem do anúncio da verdade e da denúncia do desvio da razão, o que não significa que identifique «erro» com« pecado». Quem leu o discurso feito em Ratisbona pôde admirar o alcance do apelo à razão dentro dos conteúdos religiosos. Fora dos grupos extremistas, os muçulmanos crentes aceitaram o pedido do Papa e nasceram já grupos de reflexão interna O mesmo se diga da polémica criada pelas palavras no voo para África. Acerca do tema, alguns cientistas e organismos científicos sem interesse económico nas técnicas industrializadas já manifestaram o seu acordo com o Papa. Causou surpresa que o parlamento nacional de um país europeu se atrevesse a criticar a doutrinação do Papa. É do mesmo teor um artigo infeliz que um conhecido político português publicou, num diário do Porto sobre Bento XVI e o seu magistério. Esse texto pode valer como sinal de franqueza pessoal, mas revela a ignorância da teologia e até da filosofia cristã. Vistas bem as coisas, como é que um homem que faz profissão de «laico, republicano e agnóstico», defensor doentio do relativismo e da tolerância por carência de verdade (que não é a mesma coisa que a tolerância cristã nascida da abundância de verdade e de amor), como é que um tal homem se julga capaz de entender o Concílio e o magistério de Bento XVI? Diz que já no tempo de João Paulo II não compreendera alguns dos seus documentos. Ainda bem que o confessa, pois o sorriso e a bondade do Papa Woityla não são sinónimos de anomia intelectual ou de uma bondade vazia. Algo semelhante se poderá dizer de um conhecido professor público que não viu a diferença entre o levantamento disciplinar de uma excomunhão de alguém, sem aprovação da sua doutrina, e a manutenção de afastamento de um professor teologicamente errado. Nos dois casos há erros de doutrina e esses são tratados como iguais, ou seja, as pessoas mantêm-se afastados da fé católica, mas sem penas canónicas suplementares. Pela segurança que oferece a um mundo culturalmente naufragado, Bento XVI é bem o «vigário da pedra». O Senhor o conserve por muitos anos ao leme da sua Igreja. Joaquim Gonçalves, Bispo de Vila Real

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