Centenas de pessoas entram na Igreja Católica

Vigília Pascal marca fim do percurso de preparação para o Baptismo feito por quem descobriu a fé mais tarde na vida Desde os primeiros tempos da Igreja que o tornar-se cristão se processa através de um percurso estruturado, em fases diversas, que culminava com o Baptismo na Vigília Pascal. Centenas de pessoas repetiram esse gesto na noite deste Sábado, concluindo a caminhada que as levou a assumirem-se como católicas. Em Portugal, a maioria esmagadora dos Baptismos continua a decorrer antes do primeiro ano de vida, mas nos últimos anos são já mais de 5500 os que, todos os anos, se tornam católicos depois dos 7 anos (8,5% do total, segundo os últimos dados disponíveis), idade que a tradição da Igreja associa aos que “atingiram a idade da razão”. O número de adultos a pedir o Baptismo aumenta no nosso país, numa época de forte secularização, com as opções dos pais que relegam esta decisão para a própria vontade dos filhos, e com a chegada de imigrantes de países não cristãos, entre outros factores. Ana Clotilde Correia foi uma das pessoas que recebeu os sacramentos de iniciação cristã na Vigília Pascal. Antes porém, esteve à conversa com a Agência ECCLESIA. Esta jornalista de profissão, foi ouvindo dentro de si os apelos e as ressonâncias espirituais para uma aproximação à Igreja Católica. Aos 28 anos está convicta que este é o caminho. Foi sem pressa na formação que se predispôs a descobrir os apelos, que já vinham desde a adolescência. Sem qualquer formação católica, Ana assume que foi criada no “relativismo”. “Tenho uma irmã que, não foi educada comigo e recebeu formação católica”. Vai ser a sua madrinha. “Sempre foi muito ligada à Igreja. Por volta dos meus 14 anos tive muito contacto com ela”. Ana recorda também uma professora da escola primária. “Era a catequista dos meus colegas”. Mas esta jornalista sempre conviveu bem com a distância religiosa. “Quando era pequena tinha pena de não ir à catequese, mas mais por mimetismo”. Na adolescência, “convivi bem com o facto de não estar ligada a nenhuma religião”. Quando entrou na universidade “as coisas mudaram um pouco”. A convivência com a irmã “foi muito importante”. Ana recorda a transmissão de valores ligados à Igreja. “Não que outras pessoas não os tivessem, mas eu percebia que esses valores ela ia buscá-los à Igreja. E eu pensava que também os queria”, confessa. Confrontada com a morte do pai, Ana explica que se tornou “receptiva a algum tipo de conforto”. Por volta dos 20 anos começou a ir à missa e simplesmente assistir. Por vezes passava por uma Igreja e via que ia começar a eucaristia e entrava. Isso começou a tornar-se frequente. “Pensei que queria fazer parte. A ideia de comunidade era interpelador, dava-me conforto”. Quando ouvia o padre a falar e escutava as leituras, “algo ressoava dentro de mim”. O amor, o perdão, a reconciliação e a ressurreição são as palavras-chave que mais recorda nessa altura “e onde eu me encontrava”. Numa viagem a Santiago de Compostela feita com a sua irmã, Ana tomou a decisão. “É isto e tem de ser a sério”. Enquanto se confrontava com estas interpelações e pensava “«tenho de fazer isto à séria», mudei-me para uma casa frente a uma igreja”. Ouvir os cânticos “tornava difícil resistir a não entrar. Entrando, é difícil não querer fazer parte do que se passava”. Tomada de decisão Ana assume a tomada de decisão como o “culminar de um processo”. Vários anos se passaram até desejar ser baptizada. “Andei a atrasar um pouco o pedido, mas um dia decidi”. Ouvindo ao apelos, foi ter com o pároco da paróquia de São Julião da Barra, em Oeiras, e manifestou vontade de se baptizar. “Tive uma resposta um pouco brusca. «Porque é que se quer baptizar?», disse ele. Depois percebi que há muitos que se baptizam para serem padrinhos e madrinhas. Não era o meu caso”. Quando confrontada com a pergunta, a Ana “não sabia explicar muito bem. Era difícil de materializar”. Dar o primeiro passo foi “constrangedor. Eu que trabalho com palavras e que todos os dias escrevo, tive dificuldade em verbalizar porque é que estava ali”. Tempos depois, assume que a pergunta foi um último confronto com a opção que tomou. “A opção interior estava tomada, mas era preciso verbalizá-la. E isso ajudou-me também a preparar-me para, ao longo deste tempo, saber porque o fazia, quando interpelada sobre a minha opção”. Uma formação sem pressa Foi sem pressa que Ana Correia viveu a preparação para os sacramentos de iniciação cristã. “Não tinha pressa de me baptizar”. O pároco explicou-lhe que a formação iria demorar algum tempo, mas isso não a assustou. “Eu não tinha nenhum objectivo temporal”. Foram quase três anos “muito bons, a usufruir e saborear cada catequese”. A preparação incidiu sobre os grandes temas da Igreja e do Cristianismo. “Reflectimos muito sobre a Palavra e para a reflexão em torno da minha vida. Reflectimos sobre os tempos litúrgicos. Fazíamos a preparação das leituras da eucaristia. Ultimamente o enfoque foi nos sacramentos”. Durante a formação “falámos das posições da Igreja em relação a várias questões. Mas as posições não foram obstáculo, encaixaram na minha vida, resolvi-as”. Durante o processo de formação Ana explica que nunca colocou em causa o que queria fazer. “Foi questionador enquanto enriquecimento, porque reflecti sobre muitas coisas que não tinha pensado antes. Nunca duvidei que me queria baptizar”. Sobre o porquê de escolher a Igreja católica, Ana assume não conseguir “abdicar de Cristo. Para mim é central. A Igreja católica está mais próxima da minha cultura”, acaba por acrescentar. Com horários “complicados”, a catequese era um encontro pessoal entre Ana e o catequista. Ana lamenta que tenha passado pelo processo sozinha. “Foi mais pobre porque não tinha com quem partilhar, mas ao mesmo tempo foi mais pessoal e intenso”, adianta. Ana Correia assume que tomar esta opção com 28 anos “tem uma responsabilidade acrescida”. Mas a jornalista assume esta opção “como a certa e no tempo certo. É uma opção muito rica”. Testemunho entre amigos Entre o seu grupo de amigos, a opção de receber os sacramentos de iniciação cristã “está a ser bastante interpeladora”. “No princípio gozavam um bocado, mas como passei muito tempo a pensar nesta opção, para mim não fazia diferença. Mesmo os que não participam na Igreja têm orgulho em mim”. Com o aproximar dos dias, Ana assume-se ansiosa. “Quando antes assistia à eucaristia, o credo, por exemplo, era uma ladaínha. O que mais me chamava à atenção eram as leituras e a homilia. Agora tudo faz sentido. Tenho procurado combater a ansiedade que acaba por ser um pouco tonta. Tenho estado feliz”, resume. Nas participações eucarísticas Ana sentia que queria fazer parte da comunidade. “Queria um dia comungar e estar plenamente. Olhava para os outros e sentia que tinha um pé dentro e outro fora. Mas estava bem. Pensava muitas vezes que um dia estaria de forma mais plena e isso dava-me vontade de poder continuar”. Conscientemente Ana afirma que receber os sacramentos não “será um momento de magia que vai fazer virar uma página imediata. É uma porta que se abre. E eu vou continuar a tentar merecê-los”. Depois dos sacramentos, Ana está consciente que o processo vai depender de si mesma. “Durante três anos tive um acompanhamento semanal e vou deixar de o ter. Terei de encontrar algum lugar na comunidade, para que possa pertencer a ela”, porque como afirma, “se eu não procurar um lugar este processo fica incompleto, seria algo só meu e não é suposto”. Porquê? “Precisamente por causa do compromisso”. Algarve 26 adultos os adultos que na diocese do Algarve estiveram a fazer a preparação para receber os ritos de iniciação cristã (Baptismo, Eucaristia e Confirmação) na Vigília Pascal. São pessoas, entre os 18 e os 53 anos, que “manifestaram vontade de aderir à fé católica e pediram a instrução”, explica o diácono Luís Galante, da diocese do Algarve, à Agência ECCLESIA. No final de um processo de cerca de três anos, os novos cristãos pedem o Baptismo, “sinal que aderiram às razões da fé católica que lhe foram apresentadas”. Há alguns anos que a diocese do Algarve segue o processo estruturado para o catecumenato. O pedido dos sacramentos de iniciação cristã é um fenómeno “que se começa a arrastar ao todo o território nacional”, explica o Diácono Luís Galante, enfatizando que nas dioceses a Sul este é um pedido que vai acontecendo cada vez mais. A diocese do Algarve regista uma menor ligação das pessoas à Igreja. “O afastamento começou mais cedo, de tal forma que as crianças recém-nascidas deixaram de receber o baptismo”. O Diácono assume uma mudança de comportamento. As razões da tradição e da fé “deixaram de se manifestar nos pais”. Esta realidade aconteceu há cerca de “30 ou 40 anos, de forma mais acentuada do que no restante país”, explica, exemplificando com o aumento dos casamentos civis e uniões de facto, “que provocavam um decréscimo nos sacramentos”. Chegando à idade adulta, sem catequese e sem sacramentos, os adultos, “por razões próprias, começam a aproximar-se da Igreja e pedem os sacramentos de iniciação cristã”, um sinal valorizado pelo diácono como indicador de compromisso. “Há rituais que não são meras formalidades ou ritos. Exige-se a resposta das pessoas, o consentimento e a profissão da fé. Quando se tem esta postura, faz-se sem reservas, de livre vontade, mostrando uma adesão plena”. No grupo do Algarve há “duas ou três que são imigrantes e pediram os sacramentos”. No ano passado foram também 27 adultos que receberam os sacramentos na Vigília Pascal. Estas pessoas “estão integradas nas suas paróquias”. O Diácono Luís Galante reconhece que “haverá sempre um ou outro afastamento, mas as pessoas estão integradas e comprometidas”. Santarém A diocese de Santarém ministrou os sacramentos de iniciação cristã a nove pessoas. O Pe. Ricardo Conceição, responsável na diocese pela formação dos catecumenos, explica ser um grupo misto entre jovens e adultos. “Alguns jovens quiseram entrar nos escuteiros. Sendo um movimento católico forma desafiados a baptizarem-se. Outros chegaram via acção pessoal” Há ainda adultos que apresentaram razões variadas. “Alguns pediram o sacramento do matrimónio e um dos noivos não era baptizado. Outra pessoa vai ser padrinho de baptismo mas não é baptizado”, exemplifica o sacerdote. As convicções são variadas. “O que faço é dar uma volta às convicções, ou seja, tendo mostrar-lhes que a fé está para além de uma herança e património, e deve ser uma convicção de vida que transforma a própria vida”, explica o sacerdote. Um trabalho formativo que pretende alargar horizontes e mostrar a visão que a fé pode trazer. “Os frutos são variados”, assume. “Há pessoas que ficam, outras que ficam mais ou menos e outras ainda que apenas querem o sacramento e não mostram qualquer compromisso com a Igreja”. O Pe. Ricardo Conceição afirma sentir entre as pessoas com quem contacta “que sentem qualquer coisa. Mas não a sabem explicar, fica ao nível do sentimento e da protecção, equivalente a uma forma divina que governa o mundo”. Ao longo do caminho, “muito para além da doutrina e da catequese, pretendo que as pessoas tenham um entendimento correcto da Igreja”. O seu trabalho estende-se a orações, encontros livres e de diálogo aberto com questões colocadas por eles, num processo onde pretende que “os formandos experimentem a vida cristã vivida em comunidade”. O Pe. Ricardo Conceição afirma não notar um decréscimo do número de baptismos de crianças. No entanto, reconhece, “alguns pedidos na fase adulto relaciona-se com a demissão da parte dos pais da missão educativa, a nível de fé. “Os pedidos entre jovens e adultos relaciona-se com esta disposição”. O sacerdote dá conta de um retorno à fé cristã. “Procuram o sentido da vida, ter uma visão da vida e do mundo e vão à procura. A Igreja deve saber acolher, trabalhar com estas pessoas e apresentar-lhes a pessoa de Cristo”, sublinha. Lisboa Em Lisboa, 115 adultos, com mais de 16 anos, receberam os ritos de iniciação cristã. A este número ainda se somam mais alguns “que fizeram o rito de apresentação à comunidade nas sua paróquias”, explica o Pe. Paulo Malícia, Director do Departamento da Catequese do Patriarcado de Lisboa. O sacerdote aponta este número como “muito significativo”, tendo em conta que “estamos a falar de pessoas com mais de 16 anos”. “São pessoas que manifestam uma vontade própria, claramente definida, e que decidiram dar este passo, sinal do compromisso que querem estabelecer com a Igreja”. No grupo de Lisboa estão cristãos provenientes de outra tradição, nomeadamente dos países de Leste, no ramo ortodoxo. “Muitos são africanos, legalizados a viver em Portugal”. Após o rito de iniciação cristã, os novos cristãos são “convidados a fazer a sua caminhada nas paróquias”. Cada comunidade tem “dinâmicas próprias, e as pessoas integram grupos seja de catequese, de carácter social”, aponta o Pe. Paulo Malícia. Há também “quem se afasta após os ritos”. O sacerdote reconhece ser importante fazer o convite para entrarem na Igreja, mas depois “ajudá-las a orientar-se”. “Incidimos no anúncio, acompanhamos na preparação e na iniciação, mas falta criatividade no pós sacramentos”. Catequese “não haverá durante toda a vida. As pessoas têm de se sentir parte de uma comunidade que querem ajudar a edificar”. O sacerdote de Lisboa lamenta que “nem sempre saibamos cuidar do pós que é a integração na comunidade”. No entanto, é peremptório a afirma que as comunidades são acolhedoras, “caso contrário não havia tantas pessoas a bater à porta e a mostrarem-se felizes pelo processo”. Contudo, falta pensar no processo pós iniciação. Em Lisboa, o responsável pela catequese aponta uma ligação entre o aumento de pedidos dos ritos de iniciação cristã e o decréscimo do número de baptismo. “É um dado que nos últimos sete anos tenho constatado”. Cada vez há menos crianças a serem baptizadas em pequenas. Há por isso mais “jovens e adultos a pedir o baptismo”. A aproximação à Igreja “é fruto de acção pessoal. Não há conversão que não tenha intermédio de outro cristão”. O sacerdote, sublinha por isso, que os cristãos e as comunidades “continuam a ser proféticas”. “Ao contrário do que se fala de que a Igreja está a perder muita gente, não tenho essa noção. Cada vez mais pessoas chegam ao Patriarcado interessadas em aderir à Igreja católica”.

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Agência ECCLESIA

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