LUSOFONIAS – Partiram, mas ficaram!

Tony Neves, em Roma

Outubro, mês missionário, com a aproximação a Todos-os-Santos e aos Fiéis Defuntos, obriga-me a evocar a memória de tantos homens e mulheres que marcaram (e marcam!) a minha vida com o seu testemunho de entrega a Deus e aos mais pobres. Devo confessar que, neste ano de 2024, Deus já chamou cinco missionários que têm lugar cativo no meu coração. Foram meus confrades Espiritanos, com eles partilhei alguns dos momentos da minha vida e estou-lhes grato porque inspiraram a minha missão.

O Irmão Salvador Tomás foi grande missionário em Angola, em duas etapas da sua vida, tendo-se sacrificado muito no Noviciado que ainda hoje está sediado na Missão do Munhino, nas periferias da grande cidade do Lubango. Foi um agricultor incansável em tempos difíceis de guerra e pós-guerra, ajudando a encher a mesa da comunidade e apoiando muitas pessoas pobres que batiam à porta da Missão. Foram desasseis intensos anos. Em Portugal, trabalhou muito em Braga (Fraião) e Barcelos (Silva), vivi com ele largos anos em Lisboa e acabaria por falecer em Coimbra. Um homem cuja imagem de marca era a disponibilidade. No mesmo dia (4 de janeiro), faleceu em Godim – Régua, o P. Francisco Fernandes Correia que dirigiu a Escola de Formação de Professores no Cuima (Huambo) e, após a independência de Angola, rumou ao Brasil onde foi missionário nas periferias do Rio de Janeiro, tendo exercido vários anos o mandato de Superior do Grupo dos Espiritanos portugueses. De regresso a Portugal, esteve vários anos no Fundão e, por questões de saúde e idade, seria nomeado para Godim, onde viria a falecer.

O P. Joaquim Ramos Seixas deixou-nos em agosto, com mais de cem anos. A sua primeira missão foi também em Angola, durante doze anos, tendo exercido a desafiante responsabilidade de pároco da Catedral de Nova Lisboa. Numa das suas vindas a Portugal passar férias, foi-lhe pedido que fosse até Espanha substituir por um mês um confrade. Tal aconteceu em 1963… e nunca mais deixaria Espanha! Ali trabalhou mais de seis décadas! Foi o primeiro Superior Provincial dos Espiritanos em Espanha, mandato que repetiu várias vezes. Dedicou-se de alma e coração ao estudo dos escritos dos Fundadores e da História da Congregação, tendo escrito milhares de páginas e publicado sete gordos volumes, o que de melhor há em língua castelhana. Sempre que nos encontrávamos, em Espanha ou em Portugal, era uma alegria. Ele tinha um humor muito fino e um olhar muito positivo sobre o mundo e a missão da Congregação. Encontrei-o a última vez, já ele era centenário, e foi emocionante o abraço que trocamos, pois eu pensei que ele já não me ia reconhecer, mas chamou-me pelo nome e soltou uma enorme gargalhada!

O último a partir foi o P. Marcelino Lopes. Como os outros Espiritanos já referidos, também iniciou a sua vida missionária em Angola. Trabalhou sobretudo na Missão do Libolo (hoje Diocese do Sumbe) onde construiu e relançou algumas estruturas da Missão, mormente a Igreja, a Escola e a Residência dos Missionários. Era um homem bom e com muita capacidade de gestão. Regressado a Portugal, geriu o Seminário da Torre d’Aguilha e a Casa Provincial, sendo depois Ecónomo Provincial dos Espiritanos. A administração da Silva e do Fraião seriam as suas últimas missões, até que as forças foram partindo e integrou o Lar Anima Una onde viria a falecer. Recebeu-me em Lisboa em 1994 no meu regresso de Angola. Abracei-o em Fraião dias antes da sua morte.

O P. António Moreira Loureiro  – outro dos chamados por Deus este ano – foi, de todos, o que mais me marcou. Grande missionário, um homem cultíssimo, viveu e trabalhou em Angola quase meio século, antes e depois da independência. Ajudou a formar várias gerações de padres e leigos, no Huambo e no Kuito-Bié, as duas Dioceses onde viveu e trabalhou. Acolheu-me no Paço Episcopal do Kuito-Bié, em 1989, quando cheguei a Angola. Nesse tempo, a pequena cidade ex-Silva Porto era ‘um oásis de paz no meio de um deserto de guerra’ – como ele repetia vezes sem número e eu pude constatar! Nesses tempos em que a fome era muita e a cidade estava cercada por militares da oposição e por minas, ele trabalhava dia e noite para apoiar pastoralmente as áreas missionárias a ele confiadas (Comunidades de Fátima, Katemo e Missão do Bié). Mas também era o Vigário-Geral e Ecónomo da Diocese, missões quase impossíveis naquele contexto. Aguentou a terrível batalha que destruiu a cidade do Kuito em 1993 e ali permaneceu mais alguns anos. Nunca o vi agressivo ou desanimado, mas  sempre otimista e feliz, um verdadeiro missionário com uma fé de transportar montanhas! Fui muito feliz na primeira missão que tive em Angola e muito o devo ao P. António e ao Bispo de então, D. Pedro Luís António, ambos já abraçados pelo Pai. Regressou a Portugal para fazer hemodiálise, trabalhou em Godim e faleceria no Lar Anima Una, em Braga.

Em resumo: o melhor do mundo são as pessoas e a força da Missão depende muito do impacto causado pela vida e compromisso dos missionários. Estes cinco foram de elite. Obrigado!

Tony Neves, em Roma

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