Assassinato de duas pessoas ligadas à oposição ao governo em Moçambique provocou manifestações e violência alguns dias antes da apresentação dos resultados
Maputo, 22 out 2024 (Ecclesia) – Os bispos católicos de Moçambique denunciam “fraudes grosseiras” nas eleições do país, condenam o “bárbaro assassinato” de Elvino Dias e Paulo Guambe e pedem “coragem para o diálogo e para repor a verdade dos factos”.
“Infelizmente, mais uma vez, verificaram-se fraudes grosseiras. Repetiram-se enchimentos de urnas, editais forjados e tantas outras formas de encobrir a verdade. As irregularidades e fraudes, a grosso modo impunemente praticadas, reforçaram a falta de confiança nos órgãos eleitorais, nos dirigentes que abdicam da sua dignidade e desprezam a verdade e o sentido de serviço que deveria nortear aqueles a quem o povo confia o seu voto. Desta forma, empurram o povo não só a comprovar as suas desconfianças, mas também a se questionar sobre a legitimidade dos eleitos”, afirma o episcopado Moçambicano.
No comunicado enviado hoje à Agência ECCLESIA, apela-se à criação de “espaços de colaboração”, considerando “um possível governo de unidade nacional”, ao envolvimento de “instituições competentes e sérias do país na gestão dos processos eleitorais, presentes e futuros” e à coragem para o diálogo para “apurar de forma transparente os resultados das eleições publicando e confrontando os editais originais na posse dos vários intervenientes”.
As eleições em Moçambique, no passado dia 9 de outubro, incluíram votações para as presidenciais, legislativas e para assembleias e governadores provinciais; a Comissão Nacional de Eleições tem 15 dias para anunciar os resultados oficiais, e a expetativa é que os resultados venham a ser apresentado este dia 24.
O candidato presidencial, Venâncio Mondlane, da oposição ao governo, anunciou mais dois dias de greve, coincidentes com os dias de apresentação dos resultados oficiais, já depois dos protestos e da greve esta segunda-feira, decorrentes da morte, no dia 19, de Elvino Dias, advogado do candidato presidencial, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos.
“Condenamos o bárbaro assassinato de duas figuras políticas a relembrar com evidência, com semelhanças no método, outros assassinatos de figuras políticas ou da sociedade civil, também ligadas a partidos da oposição, ocorridos na sequência de anteriores eleições”, reiteram.
Os bispos apelam que a violência seja travada, assim como “os crimes políticos e o desrespeito pela democracia”.
“Nós, os Bispos Católicos de Moçambique, apelamos a todos os diretamente envolvidos neste processo eleitoral e no conflito gerado para que façam do exercício do reconhecimento das culpas e do perdão e a coragem da verdade, o caminho que permita o retorno à situação normal de um país que se quer vivo e ativo e não silenciado pelo medo da violência”, acrescenta o comunicado.
A Igreja assume-se “apartidária”, mas diz não renunciar ao seu compromisso “político e social” e a construção e um caminho concreto” para uma “sociedade mais democrática, inclusiva, justa e fraterna, na qual todos devem viver em paz, com dignidade e futuro”.
“Sendo voz da Igreja Católica, nós os Bispos não podemos omitir de denunciar esta grave situação que o país atravessa e a violência que gera mergulhando todos no caos”, sublinham em comunicado.
Os responsáveis indicam que “mais de metade dos moçambicanos” inscritos nas mesas de voto “não se fizeram presentes para exercer o seu direito”.
“Assistimos à mais elevada abstenção eleitoral na nossa história de eleições multipartidárias, o que parece indicar que as irregularidades e fraudes registadas em eleições anteriores demonstraram a grande parte da população que a sua vontade, expressa nas urnas, não é respeitada, tornando inútil o exercício deste importante direito cívico”, lê-se no comunicado.
Os bispos moçambicanos dizem que perante as fraudes grosseiras, “a aplicação da lei eleitoral na fase do apuramento dos votos a nível nacional por parte das autoridades competentes” não poder ser garantida e que “certificar uma mentira é fraude”.
Os responsáveis alertam para o “descrédito nas autoridades”, pedem que a juventude seja “escutada” mas alertam os jovens para “instrumentalização” e pedem que “não se deixem arrastar em ações de vandalismo e desestabilização”.
“Reafirmamos mais uma vez que a maior riqueza nacional é a nossa juventude. É uma juventude nascida em tempo de paz, tem direito à paz e quer a paz. Não podemos deixar que partidos políticos e grupos de poder continuem a promover as suas influências nefastas sobre ela, incutindo políticas de desprezo, de ódio e de vingança ou demonstrando ausência de valores de respeito pela verdade e honra”, indicam.
Os bispos finalizam o comunidade dizendo que o país “merece a verdade, a paz, a tranquilidade e a tolerância” e pedem “artíficies de justiça e testemunhas da verdade”.
LS