Paliativos: «Precisamos perguntar mais vezes: o que posso fazer por ti hoje?» – Beatriz Patrício

Formada em Marketing e Gestão, trouxe para Portugal a associação ‘Casa do Cuidar’ que aposta na formação e ensino multiprofissional dirigido a profissionais de saúde e cuidadores informais, num contexto em que apenas 30% da população portuguesa acede a cuidados paliativos

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 11 set 2024 (Ecclesia) – Beatriz Patrício, diretora da Casa do Cuidar, associação que desenvolve trabalho multiprofissional na prática e no ensino dos Cuidados Paliativos, diz que a sociedade necessita perguntar mais vezes «O que posso fazer hoje por ti?»

“Precisamos de passar de um estado da empatia – do «coitadinho» – para a compaixão. O que é que eu posso fazer hoje por ti? Hoje, para melhorar o teu sofrimento, ou para te alegrar, para te aliviar, para estar em silêncio contigo. Lembro-me de um senhor que aquilo que mais queria era ir ouvir música clássica para a rua, e lá fui com ele. Estava acamado, e estava a apanhar uns raios de sol na cara, e no fim, disse-me: «Beatriz, obrigada, poderia morrer agora que partia bem»”, recorda.

Com formação em Marketing, Gestão e Liderança, tendo trabalho em diversos países questões de comércio justo, desenvolvimento e parcerias aplicado a marcas, foi quando se cruzou com a publicação «A morte é um dia que vale a pena viver», que Beatriz Patrício decidiu reorientar a sua profissional para os cuidados paliativos.

A autora, Ana Cláudia Quintana Arantes, é médica paliativista no Brasil, e apresenta na publicação a vida que há no processo de morte; Beatriz Patrício recorda a “polémica” editorial gerada em torno de colocar a palavra ‘morte’ no título.

“Diziam que era uma palavra forte, que afastaria e que não iria vender. Eu disse não: tem que ficar porque faz todo o sentido na frase, e o livro fala sobre vida. Claro que aborda a morte, mas entre a vida e a morte, e dentro do próprio espaço da morte, existe muita vida”, conta.

“Morrer é triste, ninguém quer morrer: temos saudades de quem morre, é difícil acompanhar quem está a morrer, mas faz parte da vida”, sublinha.

Foi a partir do contacto com a autora brasileira que teve início o processo de trazer para Portugal a Casa do Cuidar, uma associação que desenvolve trabalho multiprofissional na prática e no ensino dos Cuidados Paliativos.

“O grande objetivo é dar a conhecer o que é que são os cuidados paliativos, explicar, dar formação em cursos básicos, mas que ajudam tanto os profissionais como os próprios cuidadores informais. É uma gotinha ainda, há muito para fazer, porque as pessoas que têm a sorte de ser indicadas para cuidados palitiavos estão, em muitos casos, em fase tardia”, lamenta.

Beatriz Patrício critica a ausência de equipas disponíveis de forma generalizada no país, indicando que apenas cerca de 30% da população tem acesso a este tipo de cuidados, e refere que entre a classe médica, esta é uma área da medicina pouco divulgada, com escassez de investimento e recursos.

“A Associação Nacional dos Cuidados Paliativos tem feito um bom trabalho, está num bom caminho, mas é necessário continuar a falar, é necessário ter mais testemunhos de quem beneficiou de cuidados paliativos”, indica.

A diretora da Casa do Cuidar alerta que o aumento da esperança média de vida e a escassez de recursos médicos e sociais pede um investimento em respostas comunitárias de cuidado.

Beatriz Patrício colaborou durante três anos na associação ‘Oficina da Compaixão’, onde foi sócia fundadora, e hoje é voluntária no projeto Espiritualidade Compassiva, integrado no ‘Cascais Compassiva’.

As cidades compassivas integram o movimento internacional das comunidades compassivas, que pretende promover o papel da comunidade no cuidado a pessoas idosas e em situação de fim de vida.

Beatriz insiste que o cuidado que promove a proximidade dá dignidade e, em algumas ocasiões, promove mais vida em situações de solidão.

“Um senhor acamado, que usava fralda, não tinha vontade de abrir as persianas ou sequer de falar, era acompanhado por uma assistente de apoio domiciliário que lhe fazia a higiene e não desistiu de fazer algo mais por ele. Foi experimentando, e da cama o senhor passou para a cadeira de rodas, e da cadeira passou para a sala, deixou a fralda e, de repente, começámos a ter o vizinho que só não perguntava como estava o senhor X mas que já ia lá à casa também dar-lhe uma palavrinha. Não estamos aqui a falar de grande ciência. Estamos a falar do que é que eu hoje posso fazer por ti”, conta.

A conversa com Beatriz Patrício pode ser acompanhada esta noite na Antena 1, pouco depois da meia-noite, ficando depois disponível no podcast ‘Alarga a tua tenda’ e no portal de informação da Agência ECCLESIA.

LS

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