LUSOFONIAS – Fraternidade e Amizade Social

Tony Neves, em Roma.

A Igreja no Brasil há 60 anos que dá cartas ao mundo em tempo de Quaresma. Ano após ano, reforçam a proposta de caminhada rumo à Páscoa com a Campanha da Fraternidade (CF). Dada a dimensão do país, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB – com 326 Bispos no ativo e 157 Eméritos!)) monta uma enorme máquina que trabalha o ano inteiro e produz materiais de enorme qualidade, a nível de textos de reflexão, propostas de oração, hinos, cartazes… O objetivo é envolver tudo e todos, olhando para as idades e para as diferentes áreas de intervenção pastoral e social. E, claro, sensibilizam sempre para um tema eclesial e social de maior importância para a Igreja e para o povo, apelando para a solidariedade e a partilha em favor de projetos que vão apoiar os mais excluídos da sociedade.

Esta Quaresma, a CF bebe da fonte da Encíclica ‘Fratelli Tutti’, publicada em 2020 pelo Papa Francisco, precisamente sobre a fraternidade e a amizade social. A inspiração bíblica desta Campanha é tirada do Evangelho de S. Mateus: ‘Vós sois todos irmãos e irmãs’ (Mt 23,8).

O texto-base da CF começa por fazer uma espécie de diagnóstico das enfermidades que afetam a sociedade brasileira, mas serve para todas as outras. O excesso de individualismo e o medo dos outros são males que vitimam as pessoas e sociedades hoje, necessitando com urgência do remédio proposto pelo Papa Francisco na Fratelli Tutti: a Fraternidade e a Amizade Social, tema desta Campanha.

O facto de sermos todos irmãos e irmãos garante-nos a comum dignidade dos filhos de Deus e traz-nos exigências de cuidado mútuo. Há sintomas sociais preocupantes, evidentes no aumento do fosso entre ricos e pobres, na intolerância crescente, nas fake news dos media, nas mensagens discriminatórias que circulam nas redes sociais, aumento dos índices de violência, ódio e guerras, incapacidade de diálogo, famílias divididas e destruídas, comunidades em conflito, violência doméstica, racismo e xenofobia em aumento, corrupção a nível político, tráficos de toda a espécie, falta de investimento na educação, saúde e desenvolvimento, desrespeito da natureza com atentados ecológicos graves… Enfim, tudo podia ser resumido na expressão tão usada pelo Papa: ‘globalização da indiferença’.

Estes sintomas – muitos deles gravados nas páginas da Fratelli Tutti – mostram ‘doenças’, mas apontam para caminhos de ‘tratamento’ e ‘cura’, até porque há também sinais de esperança num futuro melhor. Há pessoas, comunidades e organizações a trabalhar muito pela fraternidade e pelo bem comum. Os media também abrem portas à partilha da verdade e dos valores. O povo tem dado provas de grande sensibilidade humana quando acontecem tragédias. A maioria das comunidades cristãs dá o seu melhor pela libertação integral das pessoas. E – na Igreja universal – temos os sinais positivos que vêm do Sínodo, da Economia de Francisco e Clara e do Pacto Educativo Global.

O povo diz que ‘para grandes males, grandes remédios’ e, nesta situação em que vivemos, a solução passará pela vivência da Fraternidade e da Amizade Social, sendo exigida a leitura e reflexão da Fratelli Tutti, onde estas práticas estão bem estudadas, havendo propostas concretas de aplicação no dia a dia.

Viver a Quaresma ajudados pela Campanha da Fraternidade é assumir a nossa condição de família que quer converter-se e crescer na vivência dos valores gravados nas páginas dos Evangelhos. Queremos assumir a nossa condição de pecadores e, ao mesmo tempo, aceitar o convite de Deus à conversão constante. Queremos sentar-nos à mesma mesa, partilhando o pão que é dom de Deus para todos. Essa é a razão de ser da partilha de vida e de bens.

Saiamos do Brasil e percorramos o restante espaço lusófono. Repito a pergunta que ando a fazer há muitos anos: a experiência da Campanha da Fraternidade não poderia ser replicada, com ajustes, pelas outras conferências episcopais? Continuamos a assistir, ano após ano, ao individualismo de cada Igreja Diocesana cujo Bispo escreve uma Mensagem e lança a sua Campanha de Fundos para uma causa particular… Se acreditamos na força da união, então chegou a hora de nos sentarmos à mesma mesa e programarmos uma Quaresma mais universal, com materiais de excelente qualidade e projetos de desenvolvimento e solidariedade mais ambiciosos. Tal só poderá acontecer se aceitarmos ser família mais alargada.

Ousemos arriscar. Não atrasemos porque a Páscoa vem já aí.

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Agência ECCLESIA

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