LUSOFONIAS – Os gritos ‘laranjas’ das favelas

Tony Neves, nas periferias de S. Paulo

2 de fevereiro é dia grande para a Família Espiritana. Além de ser o Dia dos Consagrados/as, é a data da morte do P. Francisco Libermann, segundo fundador da Congregação do Espírito Santo.

Vivi um janeiro intenso, andando de favela em favela, aqui em S. Paulo, lá onde os Espiritanos vivem e trabalham, partilhando a sorte e a má sorte de milhões de pessoas a viver em condições muito precárias, enfrentando problemas e dificuldades de difícil solução.

Sem citar lugares nem nomes (por uma questão de proteção das pessoas que lá vivem), vou tentar partilhar o que senti, escutei, vi e experimentei na minha passagem por estas áreas faveladas. Muito ficará por dizer e reconheço, com humildade, que são impressões que valem o que valem, e tudo quanto escrevo apenas a mim pode comprometer.

A primeira confissão que quero fazer é que encontrei muita gente boa. Fartei-me de dar e receber abraços, de tomar uns cafezinhos deliciosos com pão de queijo a acompanhar, tive conversas em que a fé, a coragem, a luta andaram de mãos dadas. Mas também sofri ao ouvir dramas difíceis de compreender, tragédias que marcam vidas, pobrezas que atiraram famílias inteiras para a favela, donde dificilmente irão sair…

O que enche os olhos, sempre que podemos chegar a um lugar alto, é a arquitetura: regra geral, as casas nas áreas faveladas são construídas de tijolo, morro acima, com 2, 3 ou 4 andares, impressionando a paisagem laranja que nos faz apertar o coração, pois achamos que vai tudo desmoronar-se. A verdade é que, regra geral, estão bem construídas, apenas sendo derrubadas por chuvas muito intensas ou quando são construídas nas veias de água. Tiro o meu chapéu aos construtores da maioria das habitações nestes espaços de periferia pobre.

Impressiona a capacidade das pessoas mais pobres de aproveitar todos os centímetros de terra que dispõem. Constroem na vertical e as casas ganham todos os formatos possíveis, sem haver qualquer perda de espaço. Claro que não sobra nenhuma árvore nem espaços de cultivo. Também as ruas são o mais estreito que se possa imaginar, embora muitas vezes estejam quase a pique, sendo perigosa a sua subida e descida, sobretudo nos tempos de chuva.

A pobreza extrema gera sempre violência, resultante da luta dura pela sobrevivência. Áreas de concentração de pessoas excluídas tornam-se, muitas vezes, lugares de fácil atuação de grupos que traficam pessoas, drogas, armas e criam condições favoráveis ao surgir de gangues que assaltam e semeiam o pânico à sua volta. A verdade é que, quem não tem nada a perder, entra numa lógica de desespero onde vale tudo ou quase, impondo-se a lei do mais forte e a ‘globalização da indiferença’. Daí a urgência de acabar com todas as bolsas de miséria, abrindo caminho para um natural e eficaz combate a todas as formas de tráfico e atentados às liberdades e direitos humanos, saindo sempre em defesa dos mais frágeis.

.A Igreja Católica está presente nestes ambientes desafiantes e, testemunhando o Evangelho, é fonte geradora de esperança, distribuidora de solidariedade e construtora de cidadania responsável. As muitas visitas que fiz, as conversas multiplicadas e as celebrações vivas mostraram-me o rosto de bairros com gente cheia de vontade de construir vidas felizes e famílias a rasgar futuros de dignidade, tentando obter as condições mínimas para viverem seguras e respeitadas nos seus direitos mais elementares.

São milhões as pessoas que vivem nestas periferias pobres de S. Paulo. E o número aumenta cada dia que passa, bastando olhar para as áreas de cultivo e de mata que continuam a ser destruídas para a construção de mais habitações, após ocupação ou invasão. O êxodo do interior do país continua. A atração da grande metrópole paulista aumenta de dia para dia, com promessas e mais promessas de trabalho e prosperidade que, regra geral, as pessoas não encontram aqui à chegada, nem após alguns anos de vida dura.

D. Odilo Scherer, Cardeal de S. Paulo, elogiou a presença missionária nestes bairros de periferia. E explicou o porquê da sua admiração: ‘muitos líderes religiosos vão à favela, fazem o culto e regressam ao conforto das suas casas. Os missionários católicos vivem lá!’.

Tony Neves, nas periferias de S. Paulo

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Agência ECCLESIA

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