Luzes e sombras de Madre Teresa

Cartas da Beata Madre Teresa de Calcutá mostram verdadeira dimensão da sua fé, apesar das dúvidas «Vem, sê a minha luz» foi o pedido que Jesus fez a Madre Teresa de Calcutá, a religiosa que, dentro do chamamento ouviu o chamamento de Deus para criar a Congregação das Missionárias da Caridade. Madre Teresa de Calcutá, assim ficou conhecida, é o sorriso da caridade, expresso no trabalho com os «pobres dos mais pobres». O pedido de Deus é também o título do livro, lançado esta tarde, que reúne os escritos da Madre Teresa e expressa as dúvidas espirituais mais profundas que a mãe dos pobres apelidou de “escuridão”. O livro que compila as cartas da fundadora das Missionárias da Caridade dá conta das batalhas interiores e das reflexões que ajudam, na opinião do autor a perceber a verdadeira dimensão da Madre Teresa de Calcutá. A publicação mostra uma Madre Teresa “mais profunda”, assume à Agência ECCLESIA o Pe. Brian Kolodiejchuck, Postulador da causa de canonização da Madre Teresa de Calcutá e Director do Centro Madre Teresa. As pessoas tinham uma perspectiva da santidade da Madre Teresa mas “sem os detalhes sobre a sua vida espiritual”, afirma. O livro agora publicado dá uma luz “muito profunda da sua fé heróica e do seu amor por Jesus”. Os momentos de dúvida por que passou surpreenderam muitos, mesmo aqueles que de perto privaram com Madre Teresa. “Ela tinha por lema viver a vida com um sorriso, apesar do que vivia interiormente”. “Quanto mais ela sofria por dentro, mais ela sorria”, explica o Postulador, que acredita que o sorriso era uma forma de esconder o sofrimento, mas também uma forma de mostrar a fé em Cristo. Um comentário usual na Madre Teresa, contido também no livro, era que quando notava que alguém se sentia triste, ela perguntava o que é que a pessoa recusava a Cristo. “O voto que a Madre Teresa fez em 1942 que a impelia a não negar nada a Cristo, mostra o sofrimento interior, mas ao mesmo tempo uma autêntica alegria, porque ela vivia numa estreita ligação com o seu sofrimento e era genuinamente feliz e alegre, porque fazia a vontade de Deus e porque também considerava ser mais santo esconder esse sofrimento em vez de se lamentar”. A escuridão representa “uma parte única da sua própria vocação”, e representa também “uma forma de viver em união e se identificar com os que eram espiritualmente pobres”, manifesta o Pe. Brian Kolodiejchuck. Madre Teresa vivia na pobreza e servia materialmente os pobres. “Ela dizia que a maior pobreza era não ser amado, não ser desejado e não ser cuidado”. O Postulador afirma que “a Madre Teresa vivia a pobreza também. Ela identificava-se com essa situação e, dentro do nosso entendimento católico, fazia-o para bem dos outros”. O testemunho na primeira pessoa que o livro mostra, “é um exemplo, mesmo para os que não acreditam”. O Pe. Brian Kolodiejchuck afirma ser um testemunho da humanidade da Madre Teresa, “que passou por uma luta, e ao mesmo tempo, foi heroicamente santa, vivendo a pura fé e no puro amor”. O seu testemunho é “uma contra cultura”, afirma o Postulador. A Madre Teresa mostrou que “apesar de os sentimentos serem importantes, o amor não é apenas sentimento”. Mesmo expressando a ausência do amor, todos os dias a Madre Teresa se levantava às 4h40 da madrugada, vivia fielmente o seu dia muitas vezes até às 23 horas ou à meia noite, “até à idade avançada e até ficar doente”, continuando a cumprir a promessa que fizera no início da sua vida religiosa. Quem lê todo o livro “não se decepciona com a Madre Teresa”, expressa o autor. “É possível ser autenticamente alegre e sorrir e ao mesmo tempo sofrer. Ela não vivia o sofrimento porque gostava de sofrer, mas sofria pelo amor. E por isso era genuína”. O Pe. Brian Kolodiejchuck considera que a Madre Teresa foi das pessoas mais felizes que conheceu, “porque desempenhava a sua vocação, dizia sim e vivia o seu voto”. Iluminar a «escuridão» O projecto de escrever o livro, surgiu ao ser confrontado com algumas citações das cartas da Madre Teresa publicadas por Jesuítas em alguns artigos. “Algumas foram mal interpretadas” e o Pe. Brian queria apresentá-las no seu contexto. Em especial sobre «a escuridão», “para que não fosse mal interpretado”, sublinha, por isso o livro contem tudo o que a Madre Teresa escreveu sobre essa questão. O autor admite que esperava alguma controvérsia acerca da «noite escura» da Madre Teresa. Por isso tentou no comentário e na organização que fez com o livro, fazer um guião de leitura, fornecendo o contexto que ela experimentou. “Não de uma forma teológica”, explica, pois isso compete aos teólogos, “mas tentando compreender o melhor possível como é que ela vivia”. O Pe. Brian Kolodiejchuck reconhece que “apesar de muito tentarmos, há sempre quem retire citações do contexto e deturpe um pouco”. Mas sublinha que o melhor acontece quando, apesar do risco e das primeiras interpretações, “as pessoas lêem com atenção e percebem com profundidade o que ela escreveu”. Publicado já em alguns países, o autor afirma que uma das primeiras reacções que teve em relação ao livro foi de uma pessoa que disse que a luta faz parte da força da vida espiritual. No caso da Madre Teresa, em especial no anos enquanto missionária da caridade, todas as cartas mostram a sua vida mística. “É verdade que nem todos terão a mesma experiência mística, mas a sua vivência é muito inspiradora para nós”, expressa o autor do livro. “Podemos viver uma luta em termos diferentes, mas a fidelidade que ela mostrou é algo muito importante e inspirador”. Essa inspiração chegou e tocou muitos. “Madre Teresa não era santa para admirar mas alguém para imitar”. “O que ela fez e até o que sugeria às pessoas eram coisas muito normais”, explica o Pe. Brian. O trabalho das Missionárias da Caridade é de facto muito simples. Dar um prato, visitar alguém, dar abrigo “são coisas que estão acessíveis a qualquer pessoa”, mesmo o “sorriso que é tão simples mas tão importante”. “Para a Madre Teresa, sorrir é já um gesto de caridade”, afirma o Pe. Brian Kolodiejchuck, relembrando uma expressão que a Madre Teresa usava – «fazer coisas normais com um amor extraordinário». “Penso que as suas cartas mostram o quão extraordinária era a sua fé e o seu amor, fazendo as coisas pequenas, baseada na fidelidade diária. Não porque houvesse uma grande consolação, mas sempre com o objectivo de amar Jesus, de o agradar.” O foco da Madre Teresa era “o exterior, não no seu interior, e era daí que vinha a sua felicidade”. Talvez por isso, o Pe. Brian Kolodiejchuck opte por descrever a Madre Teresa como uma mulher apaixonada por Jesus. “Para ela, Jesus era tudo e de uma forma muito real. Tudo se relaciona com Ele. O que Ele queria, o que seria bom para Ele, fazê-Lo feliz”, enfatiza o autor. A Madre Teresa de Calcutá tinha três desejos: viajar até à União Soviética, à Albânia e à China. “Chegou a ter viagem marcada para a China onde existe uma Congregação das Missionárias em Hong Kong, mas dias antes a viagem foi cancelada”. Dando cumprimento a este seu desejo, o livro agora lançado, será traduzido e publicado na China. À espera de um milagre A questão da «escuridão» foi incluída no estudo oficial apresentado no Vaticano. Um dos estudiosos que fez a avaliação sugeriu que as cartas deveriam ser publicadas. Esta publicação mostra a “real dimensão da sua santidade”, explica o Pe. Brian Kolodiejchuck, que explica, “queria escrever o livro antes da canonização”. “O livro mostra, de uma forma única, o tipo de santidade que a Madre Teresa experimentou. Se entendíamos o seu trabalho, agora temos uma ideia mais profunda de onde vinha o fundamento do trabalho”. Em 2007 foram analisados alguns possíveis milagres que poderiam conduzir à canonização. Mas até agora “não há nada de sólido que possamos apresentar à Congregação para a Causa dos Santos. Continuamos à espera”, traduz o Postulador da Causa. Apenas mãe… O autor do livro manteve com a Madre Teresa uma relação de cerca de 20 anos. Foram muitas ocasiões que o Pe. Brian esteve com Madre Teresa. “Quem a conhecia apenas a tratava por mãe”. “Recordo o seu olhar”, afirma. “Quando estava com alguém, a Madre Teresa estava mesmo com essa pessoa, totalmente focada nela”, conta, relatando que muitos sentiam o mesmo. “Ela dizia que quando estava com alguém, sentia que estava com Jesus”. O seu olhar reflectia uma “atenção pessoal”, relembra. O Pe. Brian Kolodiejchuck conta que uma das primeiras perguntas que Madre Teresa fazia quando estava com alguém era «Como estás tu?» ou «Como tens passado?», mesmo antes de pedir qualquer coisa. “Percebíamos que em primeiro lugar vinha a pessoa que estava à sua frente”, conta, exemplificando a preocupação pessoal que tinha com quem contactava. O Postulador do processo de canonização recorda que uma vez lhe perguntou «quando é que dizes alguma coisa em tua defesa?» Ela respondeu: «Se for para dizeres algo apenas sobre ti, então, na maioria das vezes é melhor manter silêncio e confiar que a verdade virá ao de cima. Mas se isso diz respeito a outras pessoas, então é melhor dizê-lo, porque é o bem das pessoas que está em causa». “Esta é uma lição pessoal que recordo e que espero usar muitas vezes”. Missionárias em Portugal Em pleno Bairro de Chelas, na Zona J, está a Congregação das Missionárias da Caridade onde vivem quatro religiosas. Em Setúbal, existe outra comunidade com seis irmãs e em Faro vivem outras seis Missionárias da Caridade. Em Portugal, actualmente a Superiora regional é a única de nacionalidade portuguesa. “Há seis Missionárias da Caridade portuguesas, mas encontram-se fora”, explica à Agência ECCLESIA Irmã Maria do Carmo, Superiora Regional das Irmãs da Caridade em Portugal. O trabalho das Missionárias com os «pobres dos mais pobres» traduz-se no cuidados com os idosos, homens e mulheres e na assistência às famílias da Zona. Em Setúbal tomam também conta de crianças, quatro delas deficientes. Dez anos depois da morte da Madre Teresa, a Superiora Regional afirma conhecerem melhor a vida interior da fundadora da Congregação. Na comunidade manifestam uma “grande procura em viver os seus mandamentos e pô-los em prática”. A Superiora Regional explica que existem para servir os mais pobres. “Não estamos aqui para interferir nos problemas da sociedade, mas para partilhar com eles o amor de Jesus”. A entrega de vida a Jesus é a razão principal para as Missionárias da Caridade. “Foi essa a mensagem que chegou a Portugal”, conta a Irmã Maria do Carmo. Num contexto diferente daquele encontrado por Madre Teresa na Índia, mas o seu carisma e trabalho “chegou a Portugal, tal como chegou a outros países do Ocidente”.

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Agência ECCLESIA

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