Jornada Mundial do Migrante e Refugiado

Uma análise à atitude de Portugal perante as migrações a propósito da Jornada que a Igreja assinala este Domingo DESVIO INVOLUNTÁRIO DE ROTA? Escrevo sobre a migração em vésperas da celebração, por parte da Igreja, da 94ª Jornada Mundial do Migrante e Refugiado. O Santo Padre dedica este ano a Mensagem aos jovens migrantes. Vivo numa terra europeia onde quase diariamente há resgates e desembarques de desesperados e infelizmente também corpos transfigurados a boiar e a dar à costa em praias. Mas, apesar de longe, procurei acompanhar com a atenção e avaliação possíveis a leitura oficial difundida em Portugal sobre o inédito acontecimento do naufrágio dos 23 estrangeiros de África, na ilha de Culatra, na costa algarvia, num país preocupado com a sua projecção internacional em finais de Presidência Europeia e a aplicar uma nova lei de imigração. Quando em 20 de Setembro, pela primeira vez, várias religiões se encontraram na praia da Costa da Caparica, acompanhados por D. Vincent Label, bispo de Rabat (Marrocos) para orar e meditar sobre os imigrantes e refugiados que “morrem de esperança” no mar, para assim tamém nos prepararmos para novos gestos de solidariedade, não imaginávamos que tão cedo a costa portuguesa fosse violada pelo drama dos desesperados subsaarianos, como muitas vezes os apelidou o Papa João Paulo II. Um dos factos mais significativos para mim, militante cristão da causa migratória, foi o facto de todas estas pessoas jovens, com a menina adolescente de 15 anos, terem chegado, após quatro dias à rola no mar – sem comer, nem beber, sem saber – sãos, vivos e salvos a terra firme. Esta satisfação transpareceu pouco nas várias declarações que li. Só a consegui colher nas palavras sensatas do comandante do porto de Faro….Vidas salvas! Vidas resgatadas ao mar no mês mais mortífero de 2007 com 243 mortes contadas pela ONG “Fortress Europe”! Só em 2007 morreram 1.861 na margem sul da Europa. Desde 1988, jà se contam em 11.750 as vitímas, das quais 1/3 dos corpos continuam dispersos no Mediterrâneo e no Atlântico para desgosto das suas famílias. Para uns foi um acontecimento “obra do acaso devido a mudança involuntária de rota”, para outros um “caso pontual”, e ainda “episódio fortuito”. Assim, se procurou desdramatizar e apaziguar os medos nacionais vendendo a ilusão de um País imune a este tipo de desgraças, que afligem hoje outros parceiros europeus. Teceram-se grandes elogios às forças de segurança e de fronteiras pois demonstraram eficiência, capacidade e humanismo e, a meu ver, muito bem pois são conhecidas as qualidades humanas de quem está à frente do SEF. Contudo, desde as notícias veiculadas pela Comunicação Social às declarações de alguns políticos, todos priveligiaram as questões da segurança e repatriamento, quase que estas pessoas “clandestinas” – como todos insistiam em etiquetá-las, desconhecendo as causas daquela arriscada travessia – fossem deliquentes (os traficantes são-no, e é preciso desmantelar redes e puni-los com firmeza!), e não tivessem também elas dignidade, direitos e razões fortes para tal acto. Houve até quem afirmasse, quem sabe se obcecado pela imagem virtual de um Portugal moderno e eficiente, que o caso se apresenta como um bom teste para o regime de expulsão português. Registei com agrado a tomada de posicão do director da Obra Católica Portuguesa de Migrações, estrutura da Igreja sempre atenta. Também me alegro com a presença de cristãos (JRS) no acompanhamento possível dos cidadãos marroquinos “reclusos” no CIT do Porto, e da menina menor entregue a uma religiosa. Numa altura em que algumas vozes, embriagadas por um laicidade degenerada em laicismo agressivo e anti-católico, se interrogam sobre a oportunidade da presença da Igreja em certos contextos sociais (escola, prisões, forças armadas, hospitais…) é bem que se saiba que continua ser a Igreja, sob solicitação de várias organizações públicas e privadas, a conseguir dar as respostas mais rápidas, informais, humanizadas, desinteressadas e adequadas – dentro das posibilidades, claro – aos vulneráveis da mobilidade humana, como neste caso, a imigrantes irregulares: os novos empobrecidos. Muita dessa resposta é fruto do voluntariado e generosidade das próprias comunidades cristãs. Na verdade, mesmo se sentimos o aumento da pressão migratória e o preocupante reorganizar-se silencioso de flexíveis e fatais redes de traficantes de pessoas, só o futuro poderá confirmar se este é um “caso fortuito” ou, pelo contrário, é “um aviso à navegação”. Convém não ignorar que somos vizinhos de um Continente em profundas alterações sociais e, sobretudo, climáticas para o qual já alguém previu para os próximos 40 anos, um aumento significativo de “refugiados ambientais” forçados a abandonar a própria terra porque imprópria para viver. Outra causa a provocar a globalização da migração e complexidade da mobilidade humana que a Igreja se compromete a reflectir e a servir! Que no próximo Domingo das Migrações as comunidades cristãs renovem o seu compromisso social, ecuménico e pedagógico em prol do acolhimento e participação das comunidades imigrantes e emigrantes no processo de diálogo intercultural em acto no país. Eu penso que este “naufrágio na ilha deserta” – adaptando uma expressão cara a Pio XII que assim apelidava a emigração – foi o sinal eloquente e urgente de que a Cimeira Europa-Africa não pode ficar no papel porque aumentam as “histórias de vidas à deriva” num Continente que nós, portugueses, aprendemos a amar. O desembarque na ilha deserta da Culatra é facto que faltava à nossa história da imigração. Recorda-nos oportunamente que estamos no mesmo barco matriculado de “Europa”. É também sinal da necessidade de chegar à rápida implementação de canais legais de imigração, poucos claros na regulamentação da recente lei, e apelo a continuar o combate firme e articulado com outros países às redes de angariadores e tráfico de pessoas. Que do nosso mar só colhamos peixe e o prazer de o navegar e mergulhar!

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top