«Cheia de Graça»

Homilia do Bispo de Santarém na celebração da Imaculada Conceição Celebramos em ambiente de alegria e louvor a festa da Imaculada Conceição, padroeira da nossa diocese de Santarém. Fazemos parte do coro das gerações que, ao longo dos tempos, a proclamam bem aventurada. Nela floresce a graça original com que Deus adornou a humanidade desde a criação do mundo. Contemplamos com admiração a sua formosura espiritual, paradigma da santidade dos filhos de Deus que Cristo alcançou para todos nós. Nossa Senhora realiza em plenitude a vocação cristã de que falava a Carta aos Efésios e conduz-nos a proclamar o mesmo cântico de louvor do apóstolo Paulo: “Bendito seja Deus Pai de Nosso senhor Jesus Cristo que do alto dos céus nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo. Nele nos escolheu, antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em caridade na sua presença…” Aproximamo-nos de Nossa Senhora em atitude de veneração, de admiração, de encanto. Nas pinturas tradicionais do mistério da Anunciação, que ouvimos narrar no evangelho, é com essa atitude que os grandes artistas representam o anjo mensageiro. É a atitude proposta a nós os crentes que queremos aprender com Ela o segredo da verdadeira beleza, a beleza tão antiga e sempre nova, a beleza eterna que vem de Deus e que não passa de moda nem se esbate com o tempo, a beleza interior do coração que não é efémera e enganadora como a exterior e artificial. “Cheia de Graça”, como a saúda o anjo, é o nome mais belo que Deus Lhe deu. Todo o ser de Nossa Senhora se apresenta moldado pela Graça, desde o primeiro instante da sua concepção. Como a aurora resplandecente anuncia o nascimento do sol, assim a Imaculada Conceição precedeu e preparou a vinda do Sol de Justiça, Jesus Nosso Salvador, que vem iluminar todos os que jazem nas trevas e orientá-los para a claridade da luz de Deus. A Graça, que Nossa Senhora recebeu em plenitude, desde o primeiro instante, também nos é concedida a todos nós, embora em grau inferior. Guiados pelo seu exemplo e pela sua protecção, somos chamados a crescer na Graça até ao dia em que veremos o Senhor face a face e a Sua glória resplandecer plenamente em nós. Aproximamo-nos de Nossa Senhora também em atitude de intercessão. Como padroeira é protectora que vela e intercede por nós. Neste mesmo templo, que desde a sua fundação no século XVIIl lhe foi dedicado, muitas gerações ergueram para Ela as suas preces. Integramo-nos nessa corrente de oração e pedimos-lhe também que interceda por esta porção do povo de Deus, para que o Senhor nos livre de todos os perigos, conceda remédio aos enfermos, consolação aos tristes, perdão aos pecadores e mande operários suficientes para a obra do evangelho. Contemplando Nossa Senhora, compreendemos melhor a nossa vocação e a glória a que somos chamados. Interiorizamos e assimilamos as suas atitudes. Ela realiza, de forma exemplar, o plano que Deus tem para todos nós: a de sermos santos e irrepreensíveis na Sua presença, ou seja: consagrados ao seu serviço numa entrega total (santos) e distanciados dos caminhos da vaidade e do mal, para não nos deixarmos conduzir pelos critérios mundanos (irrepreensíveis). Nossa Senhora da Conceição é a imagem perfeita da beleza. Todos apreciamos a beleza. Arranjamos os espaços com harmonia, cuidamos da aparência, preocupamo-nos com a apresentação exterior e com as modas. Muita gente se deixa seduzir pela beleza. Mas a beleza profunda e duradoira, a que mais enriquece a humanidade e mais falta faz, é a beleza do coração que transparece nos gestos e no estilo de vida da Imaculada Conceição: a beleza da bondade, a beleza da humildade, a beleza do serviço. Nossa Senhora ensina-nos atitudes profundamente evangélicas e actuais para alcançarmos a beleza da santidade dos filhos de Deus: o caminho da vida interior, da vida espiritual cultivada no silêncio, na contemplação de Deus, na escuta da Sua palavra e na oração. Nas pinturas tradicionais da Anunciação, Nossa Senhora é representada em atitude recolhida, orante, de silêncio contemplativo de quem vive na presença de Deus. Hoje corremos o risco de perder a vida interior. Somos condicionados pelo ruído constante, tentados pela dispersão, influenciados pelas banalidades e pelo vazio. Aprendamos com Nossa Senhora a preparar o Natal no recolhimento, na meditação, na escuta e na oração. Recorrendo ainda uma vez mais ao Ícone da Anunciação, tal como na tradição cristã é pintado por artistas crentes, vemos Nossa Senhora frequentemente apresentada com um livro nas mãos ou no regaço ou numa mesa de oração. É a imagem da Igreja e de cada crente que escuta a Palavra de Deus nas Sagradas Escrituras para depois a proclamar com confiança e firmeza, de modo que o mundo, ouvindo a mensagem de salvação, creia; e acreditando espere; e esperando ame (Cf DV 1). Esta imagem ilumina bem o ministério de leitor que o Rui Fernandes hoje recebe. A Palavra de Deus é, primeiramente, alimento recebido para, depois, se tornar anúncio da Boa Nova de salvação. Acho oportuno ilustrá-la com um texto de um sermão de São Bernardo que um dia destes pudemos ler no Ofício de leitura: “Guarda também tu a palavra de Deus, porque são bem aventurados os que a guardam; guarda-a de tal modo que ela entre no mais íntimo da tua alma e penetre em todos os teus sentimentos e costumes. Alimenta-te deste bem e a tua alma deleitar-se-á na abundância. Não te esqueças de comer o teu pão, não suceda que desfaleça o teu coração, pelo contrário, sacia a tua alma com este manjar delicioso. Se assim guardares a palavra de Deus, certamente ela te guardará a ti. Virá a ti o Filho em companhia do Pai, virá o grande profeta que reedificará Jerusalém e renovará todas as coisas”. Que Nossa Senhora da Conceição nos ensine a escutar a Palavra da Vida, a guardá-la no coração e a pô-la em prática. Amen Santarém, 08 de Dezembro de 2007 D. Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

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