Especialista em psicogerontologia e neuropsicologia defende a criação de comunidades «amigas da demência», mais literacia e valorização da autonomia das pessoas
Lisboa, 14 jun 2023 (Ecclesia) – Isabel Sousa, especialista em psicogerontologia e neuropsicologia, defende maior literacia sobre a demência, para prevenir o estigma sobre pacientes e cuidadores, ajudando também a valorizar o tempo “que é muito” antes da “fase final”.
“Ainda há uma representação social da demência como a pessoa completamente incapaz. Mas sendo esta condição evolutiva e degenerativa, os primeiros sinais acontecem quando a pessoa está autónoma, com a sua voz e capacidade muito mantida. A sociedade – e os meios de comunicação social têm um papel preponderante – representam as pessoas com demência já não conhecendo os seus familiares, sem memória da sua vida. Estamos a empurrar as pessoas para a fase final, que é real, mas há anos da evolução da doença antes disso”, refere à Agência ECCLESIA.
“Quase como se a pessoa deixasse de ser pessoa; e a pergunta que é faço é quando é que as pessoas deixam de ser pessoas? E nunca deixam de ser pessoas. Porque o ser pessoa não depende se eu tenho ou não memória. A pessoa está lá, continua lá, o cérebro é que já não faz a ligação”, acrescenta a especialista em psicogerontologia.
a entrevistada dá conta de um movimento denominado «Comunidades amigas da Demência» (Dementia Friendly Community) que permitem uma “normalização” da doença, cuidando da autonomia da pessoa e mantendo-a inserida numa comunidade.
“Por exemplo, num bairro saber-se quem tem demência e as pessoas podem continuar a ter uma vida mais aproximada ao seu dia-a-dia, a passear pelo bairro e, eventualmente se se perder, sabe que alguém o vai orientar para casa. Ou seja, o apoio às pessoas ser mais alargado e não apenas a sua família ou vizinhos, mas a comunidade inteira”,precisa.
Isabel Sousa defende ainda a importância da literacia para que a consciencialização aconteça e se reduzam os medos, “quer a nível pessoal” como no tratamento de outro, promovendo uma “normalização”.
É importante aceitar que a velhice tem uma dimensão de solidão mas também de possibilidade do que está para vir e isso dá esperança. Envelhecer bem convida a ter os olhos postos no futuro, desfrutar ainda do que se tem pela frente e, se não for muito tempo, que seja desfrutando o melhor possível”.
A psicóloga clínica acompanha pessoas com demência e os seus cuidadores, e indica a importância do reconhecimento sobre o quadro clínico, mas também de se “desfrutar do tempo que ainda se tem”.
Nesse sentido, alerta para a importância de valorizar a autonomia das pessoas e, reconhecendo as dificuldades, procurar que as respostas a dar nasçam das necessidades dos pacientes e não das instituições.
“Estamos a tirar autonomia a quem está a perder autonomia, quando devíamos cuidar do que as pessoas ainda conseguem fazer, quer cognitivamente como no seu dia-a-dia. A perda de capacidade muitas vezes é precoce porque não se permite à pessoa continuar a fazer o que ainda consegue fazer com autonomia. A pessoa tem de ser o mais autónoma possível, em cada momento e de acordo com as suas capacidades. O que estamos a dizer é «tu não sabes fazer». Estamos a esquecer que a pessoa consegue fazer e a achar que é melhor não o fazer”, lamenta.
Portugal é, segundo dados da OCDE, um dos países mais envelhecidos do mundo e os números, “que estão longe de ser reais”, indicam 182 mil pessoas a viver com demência.
A maioria dos pacientes não quer ser cuidado numa instituição, mas continuar na sua casa, e isso traz muitas dificuldades às famílias que não têm, na sua maioria, capacidade financeira para responder aos cuidados que a pessoa necessita, 24 horas por dia mas não tem, também, a capacidade financeira para institucionalizar a pessoa. Esta procura da resposta na comunidade torna o processo muito complicado porque as unidades residenciais, comparticipadas pela Segurança Social, têm lista de espera de anos, e as pessoas não têm anos para estar à espera e a média das reformas em Portugal não paga uma unidade semelhante no regime privado”.
Reconhecendo que Portugal tem dados passos com a elaboração da Estratégia nacional da saúde para as demências, “publicada há uns anos”, traduzindo-se assim numa maior preocupação sobre a área, Isabel Sousa afirma ainda a dificuldade em “sair do papel” e pede que as políticas locais sejam mais sensíveis a esta matéria.
“O envelhecimento ativo e saudável deve-se começar a preparar mais cedo. As pessoas não estão a pensar como vão ser os seus anos mais tardios e parece-me importante falar sobre isso, porque esses anos preparam-se na vida ativa”, indica.
A conversa com a especialista em psicogerontologia e neuropsicologia pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e escutada posteriormente no portal de informação ou no podcast «Alarga a tua tenda».
LS