Carlos Borges, Agência ECCLESIA
Todos temos pessoas com quem gostaríamos de conversar, primeiro pelo simples prazer de conhecer a sua história, e, depois, se possível, até partilhá-la. Pessoas que gostaríamos de entrevistar, seja por causa do seu percurso em sociedade, pela sua atividade profissional, pela sua intervenção social, simplesmente pela sua forma de ser e de estar.
Pessoas reconhecidas por todos, com lugares de destaque, ou os anónimos deste mundo com quem partilhamos as escadas do prédio, as ruas dos nossos lugares e freguesias, os caminhos apressados para os transportes públicos em cada manhã ou quando fazemos o caminho inverso.
O Alfredo é uma dessas pessoas com quem gostaria de ter conversado. Um anónimo para o mundo mas conhecido na Zona F e no Bairro Fundo Fomento, no Vale da Amoreira. Não sei nada sobre a vida do Alfredo, mesmo ouvindo falar dele desde a adolescência, apenas preocupava-me que ele estivesse bem, com o pouco que tinha, como muitas outras pessoas: “O Alfredo tinha muitos amigos”, como ouvi esta segunda-feira. O Alfredo faz parte da vida cá de casa desde os anos 90 quando os meus pais, Ministros Extraordinários da Comunhão, iam visitar a sua mãe, que vivia com dois filhos. O Alfredo ficou a viver sozinho nos primeiros anos do novo milénio, e a amizade manteve-se.
Alfredo Melo Lages nasceu a 3 de março de 1957, tinha 65 anos e sabia que queria viver mais, muito mais, para lá dos 100. Não sei qual o problema de saúde que limitou a sua vida pessoal e profissional, mas não o sorriso e o gosto por conversar, por investigar, ultimamente sobre alimentação, para chegar aos cem anos.
O Alfredo é um desses ilustres desconhecidos do mundo mas conhecido no seu mundo com quem queria ter conversado mais demoradamente há vários anos, entre cigarros e cafés, que ele dizia estar a diminuir cada vez que nos encontrávamos. No passado dia 19, “acordei” a pensar no Alfredo e que esta entrevista tinha de ser este ano, sem saber que no dia anterior tinha feito a sua “visita semanal” cá a casa pela janela da sala. Enquanto andava “às voltas” pela casa, a preparar-me para mais um dia, fui pensado em temas, assuntos, onde poderia ser e, até, num fotógrafo amigo para vir tirar umas chapas. Lembrei-me que depois podia publicar nas redes sociais, e que este “31” seria também um bom lugar de partilha.
No final desse mesmo dia, quando perguntei pelo Alfredo, recebi a notícia. No dia anterior, depois de ter ido embora com uns trocados para o café e chocolate branco no bolso, chegou ao bairro, foi tomar um café, e depois, caiu, na estrada. O funeral do Alfredo foi este domingo, mais de 10 dias depois. A nossa “conversa” fica adiada para um dia.
“Só ouvindo e falando com o coração puro é que podemos ver para além das aparências, superando o rumor confuso que, mesmo no campo da informação, não nos ajuda a fazer o discernimento na complexidade do mundo em que vivemos. O apelo para se falar com o coração interpela radicalmente este nosso tempo, tão propenso à indiferença e à indignação, baseada por vezes até na desinformação que falsifica e instrumentaliza a verdade.”
«Falar com o coração», mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais 2023
*«Vai ser um 31» é o tema geral do artigo mensal que só aparece no dia 31 de cada mês. E não vão ser assim tão poucos, muitos até. São sete meses em 12. Agora, só regressa na próxima estação, na Primavera, em março. Até lá têm muitos artigos, que já foram publicados, e que ainda vão ser com temas realmente interessantes, e que recomeçam já amanhã com as dioceses “triplo A”.