Seminários: Servir em diferentes vocações, combater o clericalismo e colocar a comunidade no centro

António Matos Ferreira alerta para «esvaziamento de um paradigma de recrutamento do clero» e para necessidade de se analisar o «pulsar novo» que surge na construção da Igreja

 

Foto Agência ECCLESIA/PR


Braga, 18 nov 2022 (Ecclesia) – O historiador António Matos Ferreira disse hoje que, para repensar a formação dos padres, a Igreja tem de seguir a indicação do Papa Francisco de evitar o clericalismo, “descentrar da figura do padre e colocar no centro a comunidade”.

“A Igreja tem de se libertar do clericalismo, da conceção de que existe uma elite que pelos estudos, origem social, tem legitimidade para uma supremacia sobre os restantes. Sabemos que se queremos defender princípios como os direitos humanos, sociedades de participação e cidadania, como exigências colocadas à consciência do cristão, devemos ter uma vivência eclesiológica que retrate isso”, refere à Agência ECCLESIA o docente da Universidade Católica Portuguesa.

António Matos Ferreira admite “várias soluções”, porque “há vários ritmos” no mundo contemporâneo, mas explica que para se procurar uma solução “do ponto de vista teológico e também prático” importa que “a Igreja, no seu conjunto e autoridade”, perceba o que “quer fazer com o que tem”: “Isto não é um problema de sondagens, mas como é que a Igreja, no seu conjunto e na sua autoridade, quer fazer com aquilo que tem para não passar o tempo todo a dizer que está em crise e dificuldade porque em crise e dificuldade está todo o mundo”.

“Devemos considerar que hoje as pessoas se realizam de diversas formas: há muitas formas de construção de identidade e em todas elas, a Igreja precisa de recolocar gente para o seu serviço”, avança.

O historiador defende que a sacralidade ou a jurisdição divina sobre os ministérios do interior da Igreja não reside em si, mas são mediações para o que é fundamental – a comunidade.

“A comunidade é que tem jurisdição divina”, sublinha.

António Matos Ferreira foi um dos conferencistas no Seminário Internacional «Erguendo os olhos e vendo», que decorre em Braga, no Espaço Vita, entre os dias 16 e 19 de novembro, promovido pelo Seminário Conciliar de São Pedro e São Paulo, no contexto do 450.º aniversário de fundação, e refletiu sobre  o tema ‘Bartolomeu dos Mártires: Trento e a ideia de presbítero’.

O docente universitário, especialista em História da Igreja, destaca que a instituição Seminário “acompanhou um processo de secularização e individualização do ser padre”, notado pela “extinção das ordens religiosas” e onde a figura do sacerdote surge junto da população.

Sobre a crise de vocações, com menos candidatos: há uma crise de vocações ou um esvaziamento de um determinado projeto e paradigma? A minha resposta é – mantendo-me no campo do historiador e o que essa reflexão me permite dizer – que não creio que haja uma crise de vocações, mas um esvaziamento de um paradigma de recrutamento do clero e da sua formação em termos das dioceses, e hoje também das congregações religiosas”.

António Matos Ferreira indica haver hoje um “pulsar” que apresenta, “não só em Portugal”, “algo a surgir de novo”: “O papel da mulher na Igreja, a diferenciação de percursos socioprofissionais distintos, o problema da subsistência do clero”.

“O que é que as dioceses precisam? Não basta dizer que são necessários mais padres para uma paróquia, mas precisamos saber para quê? Os padres sentem-se realizados na sua vocação, com os que fazem? Uns sim, outros não. Os padres estão mobilizados para o que devem fazer e não sobre o que conseguem fazer. Há hoje uma diversidade dos paradigmas do ser padre, apesar de uma ideia uniformizada”, aponta.

António Matos Ferreira defende a necessidade de “experimentar alternativas” que se distanciem do “quadro tradicional do padre, com a sua função ligada à realidade da sua masculinidade, com determinado perfil que é trabalho a tempo inteiro para a Igreja”.

“Hoje percebe-se que o trabalho a tempo inteiro para a Igreja pode não ser a única solução: há muitas maneiras de servir e estar disponível, que passa pela realização das pessoas a partir da sua realização profissional – como hoje se apresenta no diaconado permanente”, conclui.

PR/LS

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Agência ECCLESIA

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