Palavras de Abertura da 204.ª Assembleia Plenária da CEP

Fátima, 07 de novembro de 2022

Muito boa tarde a todos, Senhor Núncio Apostólico, Senhores Cardeais, Arcebispos, Bispos, Administradores Diocesanos e convidados da CIRP e da CNISP. A todos vós, saúdo cordialmente e dou as boas-vindas a esta 204.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa. Saúdo igualmente, com apreço e estima pelo trabalho que realizam, os representantes dos órgãos de comunicação que nos acompanham e potenciam o relacionamento da Igreja com a sociedade de que ela faz parte.

Alguns eventos significativos para a Igreja em Portugal

Desde a última assembleia, no início de abril passado, apraz-me recordar alguns eventos marcantes, ligados à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) que aqui se reúne:

Celebrámos, com dor e esperança a passagem para os braços de Deus de D. António de Sousa Braga SCJ, que concluiu, a 22-08-2022, a sua peregrinação nesta terra, desde as origens na Ilha de Santa Maria nos Açores, a ação fraterna e apostólica na Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos), o ministério como bispo na Igreja dos Açores. Damos graças a Deus pela sua vida e serviço dedicado e fraterno, pedindo ao Bom Pastor que o acolha, com o seu Coração misericordioso, no Reino da Vida que não acaba.

Há três dias recebemos a triste notícia do falecimento de D. Daniel Batalha Henriques, bispo auxiliar de Lisboa, que partiu precocemente para a Casa do Pai. Ao seu curto ministério episcopal corresponde uma densa entrega ao serviço da Igreja em Portugal, particularmente como membro de comissões episcopais, onde deu particular atenção a setores pastorais ligados às migrações e ao apostolado do mar. Mas foi sobretudo no Patriarcado de Lisboa que se mostrou sempre próximo de todos os fiéis, pastores e comunidades cristãs, numa contínua peregrinação que o conduziu agora à oblação plena na comunhão com Deus. Que o Senhor o acolha no seu Reino eterno de paz e amor e que junto de Deus Pai seja nosso intercessor.

Acolhemos com alegria a nomeação de dois bispos: a 7 de outubro de 2022, D. Delfim Jorge Esteves Gomes, originário da Diocese de Bragança-Miranda, como novo bispo auxiliar de Braga e, nos dias recentes (03-11-2022), a nomeação de D. Armando Esteves Domingues, até agora bispo auxiliar do Porto, como bispo de Angra, Açores. Em nome de todos os irmãos no episcopado, tenho o gosto de apresentar, fraterna e calorosamente, a D. Delfim as boas-vindas a esta Assembleia Episcopal, desejando que sinta sempre o apoio da comunhão fraterna e colegial desta Assembleia e que nela possa partilhar, com fé e alegria, o serviço que juntos prestamos ao povo de Deus. E acompanhamos o D. Armando com amizade e fraterna sinodalidade, implorando a bênção de Deus para a nova missão que lhe é confiada ao serviço da Igreja no arquipélago dos Açores.

Recebemos também com muita satisfação a nomeação (a 26-09-2022) do Cardeal D. José Tolentino Mendonça, como Prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação da Santa Sé. Que este novo serviço a toda a Igreja, num campo que lhe é bem conhecido e ao qual tem dado um significativo contributo pessoal, possa significar uma intensificação do diálogo entre a fé e a cultura, como semente evangélica de respeito, transformação e convergência na construção de um mundo justo, fraterno e em paz.

Menciono ainda as missões pessoais confiadas pelo Papa Francisco ao Cardeal D. António Augusto dos Santos Marto como Legado Pontifício à Peregrinação Europeia dos Jovens em Santiago de Compostela (já realizada em agosto último) e ao 18.º Congresso Eucarístico Nacional no Brasil (que terá lugar neste novembro de 2022).

No outubro missionário que nos estimula a viver como discípulos missionários todos os dias do ano, vivemos a experiência de um Congresso Missionário que deixou pistas para construir uma autêntica “Fraternidade sem Fronteiras”. Contando com a presença de representantes de várias confissões religiosas, os dois dias de encontro centraram-se no diálogo inter-religioso, afirmando, por um lado, a liberdade de exprimir e de propor o modo de crer de cada tradição religiosa, sem perder a própria identidade e sem a impor a quem pensa diferente. Esta forma de diálogo, como afirma o Papa Francisco, “é um caminho sem retorno”, fundamental para o futuro da humanidade.

A aceitação da diversidade de credos não anula nem exclui a missão, como proposta legítima e honesta de sentido da vida e de esperança, mas rejeita qualquer forma de manipulação ou repressão, impedindo a exclusão do outro só por ser diferente.

Em setembro, o Simpósio do Clero, realizado em Fátima, despertou interessantes reflexões e debate entre as centenas de padres reunidos sobre “A identidade relacional e ministério sinodal do presbítero”. Está também em elaboração o novo documento de orientação para a formação sacerdotal, a realizar com base na “Ratio Fundamentalis Istitutionis Sacerdotalis”, da então designada Congregação para o Clero, de 2016. Como sublinhou o Presidente da Comissão Episcopal das Vocações e Ministérios, o documento apontará para uma maior valorização da formação na fase posterior à ordenação, pois “o futuro vai exigir sacerdotes com estilo novo”, que não sejam apenas `funcionários do sagrado´, como tem referido o Papa Francisco, mas sejam ricos em humanidade, com sentido de serviço, generosidade e competência, sobretudo homens que vivam uma verdadeira intimidade com Cristo vivo”.

Em tempo de guerra e das suas consequências

Nos últimos meses, como consequência ainda da pandemia e sobretudo da guerra, que grassa na Europa desde fevereiro, o mundo enfrenta uma grave crise socioeconómica. Entre os mais prejudicados estão, como sempre, os mais vulneráveis: as famílias pobres e de baixos rendimentos; os jovens à busca de emprego; os idosos e agora as famílias de classe média, com grandes taxas de esforço para honrar os compromissos com a habitação e a educação dos filhos; os pequenos e médios empresários, que dão emprego a muita gente através dos seus empreendimentos, que veem deteriorar-se a sua vida e o seu contributo para a sociedade, pelo agravamento das taxas de juro e o aumento galopante da inflação.

A acrescer à profunda dor causada pela morte de tantos, há agora milhões de pessoas que vivem os efeitos colaterais de uma guerra sem sentido, como são todas as guerras, “que humilham e matam”, e “uma pobreza que é filha da injustiça, da exploração, da violência e da iníqua distribuição dos recursos”, como refere o Papa Francisco na sua mensagem para o VI Dia Mundial dos Pobres que se assinala no próximo dia 13 de novembro.

As políticas até agora definidas na Europa e em Portugal, podem diminuir algumas consequências, mas ao arrastar-se no tempo, elas não vão resolver os maiores problemas. As medidas paliativas de emergência tomadas pelo Governo português são importantes para responder ao apoio de emergência, mas é imprescindível realizar convergências de regime com base nos partidos e com consistência parlamentar, a fim de concretizar políticas estruturais, de médio e longo prazo, que permitam mitigar os efeitos da inflação e incentivar o crescimento, tendo como preocupação o combate à pobreza, a diminuição das desigualdades sociais e o bem-estar dos cidadãos, com uma mais justa repartição da riqueza. Como refere o Papa na citada mensagem, “não estamos no mundo para sobreviver, mas para que, a todos, seja consentida uma vida digna e feliz”.

Também nas instituições de solidariedade social, muitas das quais ligadas à Igreja Católica, a crise acentua-se, colocando em risco a sustentabilidade destas. A justa e imperiosa necessidade de aumentar os ordenados dos trabalhadores destas instituições para fazer face à inflação e aos baixos salários que já recebem, confronta-se com a situação financeira aflitiva em que estas instituições já se encontravam, particularmente devido à pandemia. Impõe-se uma atenção especial, por parte do Estado, que sustenta apenas uma parte limitada do esforço financeiro destas instituições, de modo que a sua falência não venha agravar a situação das centenas de milhares de pessoas que delas dependem.

Comissão Independente

A Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica em Portugal, criada por decisão desta Assembleia, está a finalizar o seu trabalho e, em janeiro do próximo ano, apresentará um relatório conclusivo que nos permitirá conhecer a verdade de um passado doloroso, antes de mais para as vítimas de tais abusos, que a todos nos fere e envergonha.

Quero reafirmar a minha profunda gratidão a todas as vítimas que têm dado, corajosamente, o seu testemunho ao longo dos últimos meses, pela luz que trazem a esta sombria realidade que contradiz a identidade e a missão evangelizadora da Igreja. Quero dizer também às vítimas que preferem manter selada no íntimo do coração a sua história que estamos cada vez mais conscientes da dureza da vossa dor, e gostaríamos de poder colaborar convosco na superação destes injustos e, a todos os títulos, inadmissíveis atentados. A todos quero garantir que a “tolerância zero”, nesta matéria, é um firme propósito que queremos ver concretizado, para erradicar este mal na Igreja.

O relatório da Comissão Independente, que aguardamos, será um instrumento fundamental que nos ajudará nesse caminho de definição e implementação de estratégias para mitigar a reincidência dos abusos, em complementaridade com os passos já dados pelas Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis e pela Equipa de Coordenação Nacional destas comissões, cujo trabalho dedicado e empenhado agradeço.

Este tem sido um tempo penoso para todos os fiéis – leigos e particularmente sacerdotes – pelo duro embate com uma realidade, cuja dimensão e contornos decidimos que fosse estudada por pessoas competentes. Mas tem-se revelado também um tempo de purificação, na busca da justiça, através da concreta identificação dessas situações dolorosas, de modo que não se façam generalizações indevidas, nem acusações indiscriminadas e que os responsáveis de tão condenáveis crimes possam ter também um tratamento justo, nas sedes apropriadas. A dor deste processo não deve desanimar-nos. Pelo contrário, como tive ocasião de dizer na abertura do Simpósio do Clero no passado mês de agosto, é “um caminho necessário de identificação de males que existiram e continuam presentes, para que possamos assumi-los na sua realidade dolorosa, como processo de conversão e de libertação para todos”.

Caminho Sinodal

Continua a decorrer o processo sinodal, convocado pelo Papa para todos juntos ouvirmos “o que o Espírito diz hoje às Igrejas”. Após a publicação, em agosto, do Relatório de Portugal, a Secretaria-Geral do Sínodo publicou no final de outubro, em continuidade essencial de intuições e perceções, o Documento de trabalho para a Etapa Continental que sintetiza, principalmente, os relatórios de 112 conferências episcopais.

Este documento, já entregue às dioceses, iniciará novo processo de discernimento diocesano a fim de sobre ele se orar e refletir à luz de três grandes interrogações propostas: a vida em Igreja, os desafios que ela comporta e as prioridades de ação que devem ser implementadas, tendo em vista a preparação das duas Assembleias Sinodais que terão lugar em Roma nos meses de outubro de 2023 e 2024. Não se trata de elaborar um novo documento, mas de discernir, ao nível de cada comunidade e diocese, os passos concretos que devem ser dados no sentido da conversão e transformação de atitudes e estruturas, para responder às três interrogações propostas.

Este documento continental não é Magistério da Igreja nem inquérito sociológico. O Sínodo não é um parlamento nem sondagem de opiniões. É um acontecimento eclesial que precisa de todos. Por isso, é necessário que todos se interessem e se envolvam – também aqueles que não tenham facilidade em rever-se no método ou nos documentos de trabalho já produzidos – pois é juntos que somos chamados a escutar o Espírito do Senhor, discernir caminhos para a Igreja e empenhar-nos na sua missão no mundo.

JMJ 2023

Um tema sempre presente na Igreja em Portugal, nestes tempos, é o da próxima Jornada Mundial da Juventude, que envolve de um modo particular os jovens portugueses, as suas famílias, os seus padres e bispos. Seremos nós a acolher todos os que chegarem dos quatro cantos do mundo, serão as nossas casas, as nossas igrejas, as nossas vilas e cidades a testemunharem aquele que se conhece como o maior encontro de jovens a nível mundial.

Na verdade, a JMJ Lisboa 2023 já está a acontecer, seja na sede em Lisboa, onde centenas de voluntários já trabalham, seja por todo o país, numa ativação das mais diversas iniciativas, ligadas a paróquias, dioceses, congregações e movimentos, a maioria delas partilhada nas redes sociais, bem ao jeito dos mais novos. É evidente que nós, os bispos de Portugal, nos sentimos particularmente convocados para este grande acontecimento da Igreja e do país, desde o seu anúncio. Faltam 266 dias para esse grande momento e cada vez mais sentimos que só com o contributo de todos – invocando e acolhendo o Espírito de Deus – vai ser possível acolher, no mesmo Espírito, os jovens de todo o mundo e fazer acontecer o milagre do encontro com Cristo Vivo!

De todas as iniciativas de preparação em curso, destaca-se a Peregrinação dos Símbolos, que já percorreu uma parte do Sul do nosso país e as Ilhas, já esteve no Norte e se encontra agora em Setúbal. Tem sido extraordinário o acolhimento destes dois símbolos da nossa Fé: a Cruz e o ícone de Maria.  Atravessam-se rios, visitam-se hospitais, prisões, escolas, lares e outras instituições sociais. E os jovens carregam a Cruz num sinal claro da sua adesão a Jesus. Não podemos defraudar esta esperança, não podemos ignorar esta determinação que nos desafia a estarmos com os jovens, a escutarmos o que nos querem dizer, a responder aos seus anseios.

Esta movimentação não se dirige apenas aos cristãos, mas pretende envolver e contar com a colaboração ativa de quantos se sentem motivados a juntar-se, na variedade das opções religiosas e sociais, para sonhar e lutar por um mundo mais humano para todos, onde as diferenças sejam respeitadas e não constituam motivo de segregação, de conflitos e de guerras. Desejamos, antes, que possa afirmar-se no compromisso de cuidar desta terra, dom de Deus e casa comum da humanidade e dos que nela habitam, para que a ninguém falte a liberdade e os meios essenciais para uma vida digna, na justiça e na paz.

Com todos os processos que acabo de mencionar, o ano pastoral que estamos a iniciar será, pois, muito especial e desafiador. Pedimos que Deus multiplique os frutos de conversão, pessoal e comunitária, e torne possível uma nova forma de viver mais centrada no projeto do Evangelho e, por isso, necessariamente mais orientada para servir juntos os que mais precisam de atenção e cuidado.

+ José Ornelas Carvalho
Bispo de Leiria-Fátima e Presidente da CEP

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