A cruz escondida

Nove cristãos raptados e igreja incendiada e reduzida a cinzas nos Camarões

“Que Deus tenha piedade…”

Foi um ataque brutal. Cinco padres, uma irmã e três leigos foram raptados na aldeia de Nchang, Diocese de Mamfé, nos Camarões. Foram raptados por homens armados a 16 de Setembro. Para que não restassem dúvidas sobre o alvo do ataque, a igreja foi também queimada. Ficou em ruínas, irreconhecível. Mal soube do ataque, o Bispo foi lá salvar o Santíssimo Sacramento. Destruíram o edifício, mas o essencial ficou intacto…

O vídeo tem menos de dois minutos. Vê-se o Bispo, D. Aloysius Fondong Abangalo, e por vezes um outro sacerdote. Não há palavras. Não são precisas palavras. Mal se percebe que aquele edifício que está em ruínas foi uma igreja. O templo sucumbiu ao calor das chamas, as madeiras calcinaram, as paredes estão escurecidas. A Igreja de Santa Maria, na aldeia de Nchang, na Diocese de Mamfé, é um escombro depois do ataque, violento, por homens armados, a 16 de Setembro. No dia seguinte, o Bispo foi lá. O vídeo, enviado para a Fundação AIS, mostra-o a caminhar com cautela, entre ruínas, até parar junto ao Sacrário. A igreja foi destruída, mas o Sacrário sobreviveu intacto. D. Aloysius pega numa chave e abre-o. Com cautela, retira o cálice que guarda as hóstias consagradas, o verdadeiro tesouro da igreja. O incêndio criminoso queimou tudo, mas não tocou no essencial. “Fui buscar o Santíssimo Sacramento, para o manter seguro e o levar para a casa do bispo”, diz. O incêndio na Igreja de Santa Maria, em Nchang, foi apenas um dos sobressaltos por que passou o Bispo. Ao mesmo tempo em que as chamas foram ateadas, homens armados – julga-se que ligados ao grupo que luta pela independência da região anglófona dos Camarões – raptaram nove pessoas da paróquia. Cinco padres, uma religiosa e três leigos. Em troca das suas vidas, exigem o pagamento de um resgate. Todos eles dedicaram as suas vidas ao serviço dos outros, sempre de forma gratuita, sempre com amor. “O que aconteceu aqui é uma abominação. Penso que não se contentaram em tentar a paciência dos homens, e agora estão a tentar a paciência de Deus. É uma coisa terrível lutar com o Senhor. Que Deus tenha piedade de nós”, disse o Bispo em declarações à Fundação AIS. “Devemos todos ajoelhar-nos e pedir perdão pelos pecados que foram cometidos”, acrescentou.

Sem fim à vista

Os Camarões são um país africano mergulhado num conflito obscuro, conhecido como “a crise anglófona”. Uma crise que nasceu da vontade separatista das regiões onde predomina a língua inglesa. Um conflito que ganhou relevo em 2016 e já causou milhares de mortos e cerca de meio milhão de deslocados. E muita destruição. Nada nem ninguém parece escapar. É o caso das crianças e dos jovens. Eles, em particular, tornaram-se vítimas desta violência e muitos estão profundamente traumatizados. Perante este cenário, a Igreja lançou um projecto que procura dar algumas respostas aos anseios da juventude local. A Diocese de Mamfé, situada na região anglófona, onde agora aconteceu o ataque, introduziu um programa de educação para a paz como parte da sua preocupação com os mais jovens. O objectivo desta iniciativa, que está a ser apoiada directamente pela Fundação AIS, é promover uma cultura de não-violência. Mas como isso está tão distante do dia-a-dia das populações locais… O ataque de 16 de Setembro à Igreja de Santa Maria trouxe para a primeira página dos jornais este conflito meio esquecido em África. Noutras ocasiões, padres e catequistas já conheceram a violência nos Camarões. Na memória de todos, apesar de terem passado já mais de quatro anos, está o assassinato do Pe. Nougi Alexander, na Paróquia de Bomaka. Aliás, esse ano de 2018 revelar-se-ia brutal para a comunidade cristã. Em Outubro, Gerard Anjiangwe, um seminarista de Bamenda, seria assassinado por militares quando estava em frente a uma igreja paroquial. Estava ajoelhado no chão quando soldados dispararam contra ele. Três vezes. Estava a rezar. Tinha apenas 19 anos de idade.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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