LUSOFONIAS – Um Santo que soube sorrir…

Tony Neves, em Roma

Voltei à Praça de S. Pedro, uma semana depois da beatificação do papa João Paulo I. A sua fotografia continua a dançar suspensa na fachada principal da Basílica. O seu rosto transmite alegria e serenidade. Muitas pessoas, antes de entrarem na Basílica, ficam algum tempo a olhar e admirar este rosto que traduz uma vida simples e dedicada ao anúncio do Evangelho.

Muito se escreveu e disse sobre este Papa que sucedeu a S. Pedro durante apenas 34 dias. Realçaram-se muitos dos valores que marcaram a sua missão, insistindo no sorriso que se tornou imagem de marca e carimbo de identidade. Mas o que mais me marcou foi a homilia que o papa Francisco, assumindo tanta fragilidade física, pronunciou na Missa da beatificação. Para não estragar a beleza e profundidade do texto, vou fazer apenas alguns recortes:

‘É importante compreender o estilo de Deus, compreender como age Deus. Deus age segundo um estilo, e o estilo de Deus é diverso do estilo de certas pessoas, porque Ele não instrumentaliza as nossas necessidades, nunca Se aproveita das nossas fraquezas para se engrandecer a Si mesmo. A Ele, que não nos quer seduzir com o engano nem quer distribuir alegrias fáceis, não interessam as multidões oceânicas. Não tem a paixão dos números, não busca consensos, nem é um idólatra do sucesso pessoal. Pelo contrário, parece preocupar-Se quando as pessoas O seguem com euforia e fáceis entusiasmos. Assim, em vez de Se deixar atrair pelo fascínio da popularidade – porque a popularidade fascina –, pede a cada um para discernir cuidadosamente os motivos por que O segue e as consequências que isso acarreta’.

Disse mais à frente o Papa Francisco: ‘O Senhor pede um comportamento diferente: segui-Lo não significa entrar na corte, nem participar num cortejo triunfal, nem mesmo garantir-se um seguro de vida. Pelo contrário, significa «tomar a própria cruz» (Lc 14, 27): como Ele, carregar os pesos próprios e os pesos alheios, fazer da vida um dom, não uma posse, gastá-la imitando o amor magnânimo e misericordioso que Ele tem por nós. Trata-se de opções que comprometem a totalidade da existência; por isso, Jesus deseja que o discípulo nada anteponha a este amor, nem sequer os afetos mais queridos ou os bens maiores.

Para o conseguir, porém, é preciso olhar mais para Ele do que para nós próprios, aprender o amor que brota do Crucificado. N’Ele vemos um amor que se dá até ao fim, sem medida nem fronteiras. A medida do amor é amar sem medida. Nós mesmos – dizia o Papa Luciani – «somos objeto, da parte de Deus, dum amor que não se apaga» (Angelus, 10/IX/1978). Não se apaga: nunca se eclipsa da nossa vida, resplandece sobre nós e ilumina até as noites mais escuras. Ora, olhando para o Crucificado, somos chamados às alturas daquele amor: somos chamados a purificar-nos das nossas ideias erradas sobre Deus e dos nossos fechamentos, a amá-Lo a Ele e aos outros, na Igreja e na sociedade, incluindo aqueles que não pensam como nós e até os próprios inimigos. Amar, ainda que custe a cruz do sacrifício, do silêncio, da incompreensão, da solidão, da contrariedade e da perseguição.(…). Também nós muitas vezes temos a tentação de viver a meias, sem nunca dar o passo decisivo (isto é viver a meias), sem levantar voo, sem arriscar pelo bem, sem nos empenharmos verdadeiramente pelos outros. Jesus pede-nos isto: vive o Evangelho e viverás a vida, não a meias, mas até ao fundo. Vive o Evangelho, vive a vida, sem cedências’.

Finalmente, o Papa falou de João Paulo I: ‘Irmãos, irmãs, o novo Beato viveu assim: na alegria do Evangelho, sem cedências, amando até ao extremo. Encarnou a pobreza do discípulo, que não é apenas desapegar-se dos bens materiais, mas sobretudo vencer a tentação de me colocar a mi mesmo no centro e procurar a glória própria. Ao contrário, seguindo o exemplo de Jesus, foi pastor manso e humilde. Considerava-se a si mesmo como o pó sobre o qual Deus Se dignara escrever. Nesta linha, exclamava: «O Senhor tanto recomendou: sede humildes! Mesmo que tenhais feito grandes coisas, dizei: “somos servos inúteis”» (Audiência Geral, 6/IX/1978).

Com o sorriso, o Papa Luciani conseguiu transmitir a bondade do Senhor. É bela uma Igreja com o rosto alegre, o rosto sereno, o rosto sorridente, uma Igreja que nunca fecha as portas, que não exacerba os corações, que não se lamenta nem guarda ressentimentos, que não é bravia nem impaciente, não se apresenta com modos rudes, nem padece de saudades do passado, caindo no retrogradismo. Rezemos a este nosso pai e irmão e peçamos-lhe que nos obtenha «o sorriso da alma», um sorriso transparente, que não engana: o sorriso da alma. Servindo-nos das suas palavras, peçamos o que ele próprio costumava pedir: ‘Senhor, aceitai-me como sou, com os meus defeitos, com as minhas faltas, mas fazei que me torne como Vós desejais’.’.

Aceitemos ser inspirados por este Papa bom, aberto, missionário e feliz, o primeiro a ser eleito depois do Concílio Vaticano II.

 

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Agência ECCLESIA

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