As ilhas durante o verão ganham uma cor e uma vivência diferente. Inundadas das suas gentes, as que ficaram e as que partiram, vivem como em nenhum outro lugar a sua fé. Do Ecce Homo à Senhora dos Milagres, a fé e a Igreja transformaram a matriz deste povo, dando-lhe uma identidade específica. E quando, nalguns lugares a Igreja quase que tem de pedir licença para se misturar com a cultura, no arquipélago açoriano, onde a “geografia vale outro tanto como a História”, a fé do povo vive-se e respira-se na vida quotidiana. Não é forjada, é antes uma alavanca que ilumina o caminho, seja na caridade, seja na misericórdia seja ainda no amor.
Este tem sido o caminho da religiosidade popular nos Açores, comprometendo a comunidade e envolvendo as estruturas da sociedade.
É isso que provam as principais romarias açorianas em tempo de verão, na expressão da mais pura açorianidade.
Festas do Senhor Bom Jesus Milagroso, São Mateus, ilha do Pico
A Igreja do Senhor Bom Jesus Milagroso do Pico assinala este ano o 60º aniversário da sua elevação a Santuário Diocesano. A festa, a maior da ilha, realiza-se entre 27 de julho e 7 de agosto, começando com um novenário e tendo como ponto alto a Missa e a Procissão solenes no dia 6. O novenário é presidido pelo reitor do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres, de Ponta Delgada, cónego Adriano Borges, e a festa é presidida pelo Núncio Apostólico da Santa Sé na Arménia e na Geórgia, D. José Avelino Bettencourt.
Milhares de pessoas são esperadas durantes estes dias na freguesia de São Mateus.
Esta festa remonta a 1862, quando Francisco Ferreira Goulart trouxe do Brasil uma imagem do Senhor Bom Jesus, que é a figuração iconográfica do Senhor no quadro da Paixão, quando foi exposto à população na varanda de Pilatos.
A construção da igreja iniciou-se em 1838, com retábulos de talha pintados a azul e ouro, e, em 1962, foi elevado à categoria de Santuário Diocesano, tendo sido recuperada depois dos sismos de 1973 e 1998.
Festas do Senhor da Pedra reúnem milhares de fiéis na antiga capital da ilha de São Miguel
De 24 a 28 de agosto, Vila Franca do Campo torna-se o lugar mais visitado da ilha de São Miguel, local para onde convergem micaelenses e sobretudo emigrantes da diáspora- Estados Unidos, Canadá e Bermuda- para participar na Festa do Senhor da Pedra. O tríduo preparatório, que começa a 24 de agosto, será presidido pelo padre Rui Silva, ouvidor eclesiástico da vizinha ilha de Santa Maria e a festa pelo próprio ouvidor de Vila Franca do Campo, padre José Alfredo Borges.
As festas em honra do Senhor Bom Jesus da Pedra são, “desde sempre”, organizadas pela Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca do Campo e realizam-se no último domingo de agosto, “pelo menos desde 1903, data da autorização do Papa Leão XIII para que estas festividades fossem reconhecidas”.
A Misericórdia da Vila é uma das mais antigas da Diocese de Angra, de 1551 ou 1552, quando se deu a fundação da Confraria da Misericórdia e foi também nessa época que, depois de ter a funcionar o hospital, construiu a sua capela, naquele que é o principal complexo arquitetónico de Vila Franca do Campo – igreja, hospital, consistório e farmácia.
Caldeira do Santo Cristo enche-se de juventude e transforma-se na metrópole das ilhas do triângulo
Na Fajã do Santo Cristo vivem apenas, todo o ano, pouco mais de que uma dezena de pessoas, mas, a partir do último fim-de-semana de agosto até ao primeiro de setembro, esta reserva natural da biosfera, na ilha de São Jorge, recebe inúmeras pessoas, especialmente jovens, que se encarregam de animar as Missas, sobretudo a Eucaristia solene da festa, que decorre a 3 e 4 de setembro.
A Missa campal na praça contígua ao Santuário será o ponto alto da festa, seguida de procissão e do sermão na praça. Os padres Manuel António dos Santos e Dinis Silveira repartem entre si as pregações.
A lenda que deu origem ao culto conta que um pastor deixou o seu gado a pastar, descendo a uma lagoa onde apanhou lapas e ameijoas. Ao parar para descansar contemplou um objeto na água a flutuar e viu que era uma imagem em madeira do Senhor Santo Cristo. Surpreendido com o achado, pegou na imagem, molhada e inchada de estar na água, e levou-a para terra seca. Ao fim do dia, quando voltou para casa fora da fajã, levou a imagem e colocou-a em local de destaque numa das melhores salas da sua casa. No outro dia de manhã a imagem tinha desaparecido. Depois de procurarem por toda a casa e de já terem dado as buscas por terminadas, ele foi de novo encontrado, dias depois, na mesma fajã e local onde tinha sido encontrado da primeira vez. Foi levado várias vezes para o povoado fora da rocha, e durante a noite a imagem voltava sempre a desaparecer, até que alguém disse: “O Santo Cristo quer estar lá em baixo na fajã à beira da caldeira, pois que assim seja”.
A Lenda da Caldeira de Santo Cristo é uma tradição da ilha de São Jorge e relaciona-se com as crenças populares numa terra onde a luta do homem com a natureza foi constante e onde, por séculos, as necessidades básicas do dia-a-dia foram prementes. Ainda este ano a crise sísmica, que se verificou por altura do Natal e do Ano Novo, obrigou a cuidados redobrados nesta zona.
A devoção à Senhora dos Milagres move milhares a pé por toda a ilha Terceira
As festas da Serreta são as mais concorridas na ilha Terceira durante o verão. Na semana da novena, milhares de peregrinos percorrem os caminhos da ilha rumo ao Santuário de Nossa Senhora dos Milagres.
Este ano a festa regressa ao seu formato habitual depois de dois anos de interregno, por causa da pandemia. Três sacerdotes assumirão a pregação da novena entre 3 e 10 de setembro- Padre Francisco Sales, padre Gregório Rocha e padre Hélder Miranda Alexandre- e no dia da festa, a 11 de setembro, a Missa solene será presidida pelo Administrador Diocesano, cónego Hélder Fonseca Mendes.
A festa de Nossa Senhora dos Milagres teve origem no século XVII e está ligada a vários momentos difíceis da história do arquipélago e de Portugal, com as comunidades a virarem a sua esperança para Maria.
De modo particular destaca-se o período em que Portugal se viu envolvido na guerra entre a França e a Espanha contra Inglaterra. Numa altura em que a Ilha Terceira não tinha qualquer tipo de fortificações e estava quase indefesa, a esperança das autoridades e das pessoas voltou-se para a intercessão de Nossa Senhora dos Milagres, cuja imagem estava colocada na igreja das Doze Ribeiras.
Ficou a promessa de que caso a ilha não sofresse qualquer investida inimiga, a comunidade iria promover uma festa anual em honra de Nossa Senhora, o que veio a acontecer.
A primeira celebração dedicada a Nossa Senhora dos Milagres aconteceu a 11 de setembro de 1764 mas esta devoção afirmou-se definitivamente a partir de 1842.
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Este artigo faz parte da Edição especial da Agência ECCLESIA “Festas da nossa Terra” publicada em agosto 2022