Presidente da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social de Vila Real reforça alerta deixado pelos bispos portugueses, no comunicado final da última assembleia plenária
Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)
O alerta do Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social – mais um – significa que as IPSS enfrentam uma realidade dramática?
É verdade que a sustentabilidade das nossas IPSS a nível nacional, é preocupante, elas sofreram um forte impacto da pandemia. Todos nós procuramos refletir o menos possível nos nossos utentes essa pandemia, mas não foi sempre possível. Ao mesmo tempo, procuramos refletir nas IPSS todos os gastos e custos que tivemos com isso, deixar isso para as nossas contas.
É verdade que, se analisarmos bem aquilo que está, digamos, estruturado – nomeadamente se lermos o estudo que foi feito pela Universidade Católica Portuguesa- sabemos que a sustentabilidade das IPSS está muito dependente daquilo que o Estado nos injeta. Isto é, nos protocolos assinados e acordos assinados connosco. Cerca de 40% das nossas IPSS têm resultados negativos no exercício das contas anualmente.
Falemos então um pouco da realidade da Diocese de Vila Real. Tem notícia de Instituições que tenham tido necessidade de fechar portas nos últimos tempos?
Não temos conhecimento de nenhuma IPSS que tenha fechado, até porque numa altura em que as dificuldades são maiores, as Instituições têm de fazer tudo o que é possível para socorrer as pessoas. Por isso, seria muito mau que alguma fechasse numa altura de grande crise. E isso não aconteceu.
As IPSS – sejam elas ligadas à Igreja, sejam também algumas Misericórdias, e as outras, chamadas associações normais, que são constituídas por cidadãos que se organizam – todas elas demostraram durante esse tempo que tinham alguma resiliência. Contudo, essa resiliência agora foi-se perdendo e é necessário que o Estado venha, digamos, compensar de alguma forma esse esforço que foi feito.
Devo dizer que, neste momento, estamos a contar que a tutela faça um aumento dos acordos de cooperação e da comparticipação, no sentido de minimizar esses mesmos custos que nós tivemos, e aumentar as nossas receitas.
Mas até onde é que vai essa capacidade de resiliência? Há mesmo instituições que podem ter que fechar?
Eu acredito que nós vamos conseguir, embora o poder local comparticipe muito pouco – cerca de 1% , falando em valores a nível nacional, porque depois há concelhos com comparticipação maior ou menor. Cada vez mais a parte municipal está atenta àquilo que anda à sua volta e sempre que alguma IPSS está em dificuldades, o próprio município, o próprio senhor presidente, vem a terreiro e tenta de alguma forma ajudar. E isso tem-se refletido no dia a dia. Espero que nenhuma das nossas IPSS vá à falência.
Qual é a realidade atual das Instituições a que preside?
Eu devo dizer que a população abrangida na área, por exemplo das creches fica aquém das nossas capacidades, pois nós temos 48 equipamentos, com a capacidade instalada de 1930 e temos apenas 1530 utentes. De facto, há aqui um desfasamento de cerca de 400, porque cada vez a natalidade é menor.
Em termos de população adulta – e estamos a falar de centros de dias que são importantíssimos para a população poder conviver e ter ali alguma participação conjunto -temos 49 equipamentos, com uma capacidade instalada de 1164 e apenas temos 479 utentes. E aqui é o pormenor da pandemia desses dois anos. As pessoas deixaram de ir para o centro dia, isolaram-se, e os centros de dia, neste momento, têm de fazer uma recuperação. Esperamos fazê-la rapidamente no próximo ano.
Em termos dos chamados lares, ERPIS – estruturas residenciais para pessoas idosas- temos cerca de 87 equipamentos, temos uma capacidade instalada de 3145 no nosso distrito, mas está completamente esgotada. A nível das pessoas com deficiência, e isto também é importante, temos apenas cinco lares residenciais, e com capacidade instalada de 90. Está esgotadíssimo e espero que agora, com a candidatura que houve ao PARES (Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais) sejam aprovados, pelo menos, mais três ou quatro, e esperamos que rapidamente sejam construídos. A resposta por excelência – eu não vou deixar de falar disso – que é o serviço de apoio domiciliário, é aquele serviço que é prestado às pessoas que estão nas próprias habitações. E este serviço é importante porque, quanto mais tarde tirarmos essas pessoas para os lares, melhor. Isto é, as pessoas estão nas suas comunidades, nos seus locais que gostam, conhecem os seus hábitos todos…Por isso, o SAD- o serviço de apoio domiciliário – é o serviço para a excelência e que devia ser enriquecido. Neste momento, o Governo tem um projeto de forma a uma comparticipação diferenciada para os vários serviços. Devo-lhe dizer que nós temos cerca de 90 equipamentos, só na rede solidária. Temos a capacidade instalada de 4391 e temos neste momento 3215 utentes. Também isto é importante porque aqui é um lugar onde se deve investir.
Merece aqui um sublinhado o facto de, aparentemente, no que diz respeito ao apoio à deficiência, haver carência e, nesta altura haver abundância e receio por parte dos utentes para a frequência dos centros de dia?
Sim é verdade. Os centros de dia foi a maior – vou utilizar aqui um terno forte – foi a maior machadada que as IPSS levaram. Ninguém queria ir para o centro de dia. E a verdade é que ir para um centro de dia, e estar de máscara e não se poder aproximar uns dos outros, como é que isso poderia resultar?
Estes centros de dia foram, digamos, esvaziados. Agora está-se a ganhar confiança. Estamos neste momento a voltar a trazer, embora com muita calma, com muita ponderação, tentamos influenciar as pessoas, porque os nossos idosos, pensam: Então vou para lá, e vão-me pegar a doença! Está-se a fazer um trabalho e esperamos que rapidamente, no próximo ano nós consigamos trazer para o interior das nossas instalações, para o centro de dia, os nossos idosos porque têm de conviver.
Com a subida do preço dos combustíveis, sobretudo nas localidades que são mais do interior, a dificuldade acentua-se pela necessidade de chegar mais longe?
Temos essas dificuldades com os aumentos da energia, nomeadamente dos combustíveis, mas também a parte da energia elétrica. Estamos a falar em termos de deslocação das viaturas, também na questão do aquecimento. Eu dou-lhe só a título de exemplo o caso de Montalegre: é um concelho com mais de 800 quilómetros quadrados, tem cerca de 10 500 habitantes e cerca de 4200 famílias. Tem 135 aldeias, este número é importante e têm oito IPSS.
E é preciso chegar a todos…
E a dificuldade está aqui. Isto é, nós temos IPSS que se deslocam 35 quilómetros, algumas ainda mais, para ir levar uma única refeição a um casal, ou a um utente. A IPSS não o pode deixar abandonado. Não pode dizer: ‘não, isso custa-nos mais e nós não podemos cá vir’. Pelo contrário, estamos cá para servir. Isto é importante. E é importante também, por exemplo, lembrar que em Montalegre, o aquecimento das instalações das IPSS tem de ser feito cerca de oito meses durante o ano. Se formos ver ao litoral ou ao sul, isso não acontece. No caso de Trás-os-Montes, nomeadamente em Montalegre, e todos os concelhos do interior de Bragança e Vila Real também, existe este problema. O aquecimento das nossas IPSS fica-nos demasiado caro e o custo neste momento do gás e também no que respeita ao combustível para as viaturas é um acréscimo substancial à sustentabilidade das IPSS.
Deveria haver um subsídio para compensar as instituições?
Aquilo que eu devo dizer é que deveria haver alguma diferenciação positiva. No nosso distrito temos 106 IPSS ativas, num total 157. De qualquer forma, destas 106, como vê, todas elas têm uma capilaridade junto das populações. Procuramos aproximar e cumprir esse objetivo, mas nem sempre isto é fácil, porque o que acontece é que nós estamos numa área em que existe desertificação da população. As nossas aldeias têm só idosos e poucos, e isso obriga-nos a fazer sempre um deslocamento sempre muito grande, com custos enormes.
A inflação e a anunciada subida dos juros do crédito habitação, por exemplo, potenciam novas dificuldades às famílias. Aliás, ainda recentemente, a Cáritas Diocesana de Vila Real revelava que muitos dos seus apoios eram canalizados para ajudar famílias a pagar rendas. Este é mais um fator de incerteza para as IPSS da Diocese de Vila Real?
Garantidamente, temos aqui um problema e este problema tem a ver com isto: como sabemos, a comparticipação familiar dos utentes que estão nas respostas sociais é de cerca de 33%; depois, Estado compensa com cerca de 38%, ficando o remanescente em cerca de 29%. As nossas autarquias dão aqui cerca de 1,5% que também para o bolo necessário a cada resposta. Existe aqui cerca de 26, 27% – depende da localidade do país – e cada IPSS tem de buscar esse valor a algum lado, mas cada vez mais as nossas famílias, que deveriam comparticipar, têm elas próprias dificuldades. Nós sabemos que o cabaz de alimentos está a aumentar substancialmente; sabemos que os combustíveis também são importantes – lembro, por exemplo, o gás para confecionar os alimentos, que também tem aumentado. Isso faz com que os familiares, que poderiam ajudar mais, ajudem menos, automaticamente. Isso reflete-se a todos os níveis.
As nossas IPSS não estão vocacionadas para apoiar famílias isoladas, a não ser com alimentos, com os cabazes – e nós estamos constantemente a receber pedidos de Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais e outras entidades ligadas à Educação, para que as IPSS se cheguem à frente e atribuam cabazes sempre que possível, para reforçar o apoio alimentar. Porque, neste momento, não está nada fácil.
Nós temos falado de vários problemas. Já abordámos um deles, que já referiu a questão do inverno demográfico, do envelhecimento da população, do isolamento. Não se tem conseguido criar as condições para evitar este despovoamento consecutivo. Que soluções é que defende para combater efetivamente este problema?
Eu sou muito radical, mas claro que ninguém vai entender o que vou dizer: nós só temos que fazer regressar os nossos. Trás-os-Montes tem milhares de emigrantes estão na Suíça, que estão na França, que estão na Bélgica e outros países. Ora, nós não temos que fazer regressar os todos. Temos de fazer regressar alguns e para isso temos de fazer uma coisa muito simples: que os nossos familiares que estão do outro lado regressem às nossas terras. Seria uma coisa muito simples, teria de haver uma discriminação positiva, isto é, que os nossos emigrantes pudessem regressar e tivessem, neste caso, um salário melhor, menores descontos ao Estado, uma benesse por estar cá e eles agradeceriam.
Nós estamos a “importar” estrangeiros e precisamos cá deles. É o caso de ucranianos, temos IPSS com funcionários que vieram da Ucrânia, que estão cá. É verdade que nós gostaríamos de ter cá os nossos, mas para isso temos de os fazer regressar.
Foi falando da necessidade de o Estado ter uma maior atenção as instituições. Faltam apoios, ajustados às reais necessidades?
Sim. Também é verdade que, nos últimos dois anos, o Estado – fruto da pandemia e da necessidade de ajudar as IPPS – , teve um aumento substancial de algumas respostas, que de alguma forma ultrapassou os 10%. É interessante isso, foi bom, mas é pouco. É pouco, porque o custo das respostas estão ainda muito elevados.
O compromisso de Cooperação e Solidariedade foi no sentido de que nos próximos tempos – nós esperamos que seja nesta Legislatura, nestes próximos quatro anos -, se consiga que o Estado chegue aos 50% de custos das respostas, é importante que assim seja. Nós, os outros 50%, iremos buscar aos utentes, aos familiares e outras receitas que possamos ter.
Mas o Estado tem de seguramente subir a sua comparticipação, como está prometido, nós esperamos que rapidamente isso aconteça.
Já disse que que não espera que as instituições fechem, porque elas efetivamente têm uma resiliência histórica que as faz permanecer junto das populações. O que resta a estas pessoas, se as instituições saírem do terreno, de junto, delas, ficam ao abandono?
A pergunta é pertinente. As nossas IPSS estão nas freguesias, em todo o território: elas, em si, são importantes na fixação das pessoas. Há de reparar que é uma IPSS que nasce numa freguesia – umas mais que outras terão dez, terão 20 ou 30 trabalhadores, algumas só terão cinco ou seis – isso é uma forma de fixar alguém. Se as IPSS não existissem, qualquer dia não teríamos lá ninguém e é preciso fazer alguma coisa para que essas IPSS, também elas, não desapareçam. Eu espero que as nossas IPSS, embora sejam pequenas, e se mantenham, porque elas são uma parte importante das pessoas que habitam, que estão nesses lugares e que nós temos de fixar lá.
E o conhecimento do terreno que estas instituições têm. Não deveria ser mais potenciado ou mais bem aproveitado?
Poderiam certamente fazer outras coisas. É verdade que algumas empresas de transportes estão a fazer acordos, no sentido de nós fazermos alguma distribuição daqueles pacotes que vêm agora nas compras online, mas acho que é muito pouco. Nós poderíamos fazer muito mais. É verdade que as Juntas de Freguesia, hoje, já prestam um conjunto de serviços que, de alguma forma, vem colmatar as necessidades. Mas as IPSS seriam um foco onde o Estado poderia investir e nós poderíamos fazer algumas coisas. Isso era importantíssimo. Agora terá de ser estudado e ver aqueles serviços que as próprias IPSS poderão fazer. Porque numa IPSS que tenha dez utentes não ganhamos para ter um telefonista ou para ter um atendedor, temos de ser polivalentes, sempre a fazer um pouco tudo. Se alguns serviços viessem para junto das IPSS, a nível de correios e de pagamentos – que já fazemos, mas a expensas próprias, recolhemos aquilo que é necessário pagar: os telefones, pagar os impostos das finanças, fazer um conjunto de coisas, vão os nossos colaboradores fazer isso, à vila ou à cidade -, seria uma forma de rentabilizar. Mas isto tem de ser tratado com a tutela, estamos abertos para isso, certamente.
Falávamos ainda há pouco dos recentes dois anos de pandemia, que deixaram certamente uma marca muito significativa na população, nos utentes das Instituições. Especificamente no caso da população mais idosa, e do seu ponto de vista, quais devem ser as prioridades no acompanhamento, depois desta experiência pandémica?
Eu penso que tem de ser um acompanhamento de proximidade, cada vez mais, perante o isolamento que sofreram essas pessoas que estavam nas aldeias – estamos a falar em isolamento da própria família que estava ali à volta, daquilo que nós chamamos de rede de proximidade solidária que os vizinhos que vinham falar. Isso desapareceu. Está a tentar voltar agora, mas não é uma coisa muito fácil, muito pelo contrário. Muito pelo contrário. Acontece que as pessoas ainda têm alguma dificuldade em se aproximar.
Nós temos aldeias no Concelho de Vila Pouca de Aguiar que têm dois habitantes e estão completamente isolados. Só vão à feira, sei lá, de mês a mês. Isto não pode ser.
Temos de fazer um acompanhamento de proximidade. Temos de falar com as pessoas, porque se elas não falarem, ainda se isolam muito mais.