Domingo de Ramos: A Festa dos Contrastes

Homilia de Domingo de Ramos do Arcebispo de Braga A Liturgia de hoje sintetiza e harmoniza o contraditório. Fazendo memória, encontramos um povo aclamando e acolhendo Cristo como Messias e deparamos com as exigências de condenação à morte interpretadas, talvez, pelas mesmas pessoas. A entrada na Semana Maior coloca-nos, deste modo, perante o contraditório da vida dos discípulos de Cristo. Sei, e devo reconhecer, que todos caminhamos, quotidianamente, nestes comportamentos contrastantes. Temos momentos de esperança ilusória, talvez inconsciente, que poderíamos apelidar de tempo de utopia e sonho e, passados tempos, estamos a desencantar a comunidade, talvez escandalizando-o, que se apercebe dos nossos sonhos perdidos. Sejamos humildes e iniciemos esta Semana Maior reconhecendo as incoerências pessoais, familiares e comunitárias. Neste acto de humildade teremos de descortinar ou deveríamos ser capazes de o fazer, o dualismo existencial, nas atitudes e opções, que contradiz, dum modo quase permanente, o estilo de vida do discípulo que Cristo apontou. Os santos caíram e falharam. S. Pedro, que conheceremos melhor na Semana Santa, negou Cristo, mas recomeçou. A mentira de Judas é que não a podemos aceitar. Num tempo de relativismo, onde e os comportamentos parecem adquirir o mesmo valor, o cristianismo aceitando um pluralismo no acidental mas exigindo a unidade no essencial, tem de levar a um encontro com Cristo-Verdade no meio de tantas verdades. Daí que seja lamentável este tergiversar entre comportamentos e opções de fidelidade e atitudes de incoerência. Nunca poderemos ser do Sim e do Não. Perante as hipotéticas respostas de muitos, teremos de estar na coerência de quem não só acredita que é possível a diferença, mas aceita-a como necessária. São muitos os sectores da vida humana onde teremos de assegurar a fidelidade. Ao iniciar a Semana Santa, gostaria de concentrar-me, intencionalmente, na família. Não o faço à procura dum tema. O Programa Pastoral exige-o. Repetirei conceitos. A centralidade da Páscoa pede que continue a insistir. 1 – Existe, quer queiramos quer não, uma confusão muito grande no modelo de famílias. A Igreja pode ser exigente mas determina e aceita a comunhão de amor entre um homem e uma mulher. Muitos poderão pensar doutra maneira. O cristão só deveria ter esta mentalidade. Viver ou pensar doutro modo é disfarce duma imagem cristã, trata-se dum apelativo sem consistência. 2 – Como comunhão deve acreditar que no amor está o essencial e a experiência familiar cresce de harmonia com a capacidade de auto-doação como quem se entrega em gratuidade e, porventura, em espírito de sacrifício. Unir dois egoísmos nunca pode ser considerado família. É mais um contraste incompreensível. 3 – No amor, a família é única e indissolúvel através de algo exclusivo, sem repartição de coração, e com uma dimensão perene. O amor nunca pode viver de experiências fortuitas e marcadas pelo tempo ou condicionalismos. 4 – Na comunhão de vida a geração de filhos, numa paternidade responsável, é a norma habitual de quem acolhe a vida como dom de Deus a cuidar e guardar de todas as contrariedades que possam impedir o seu pleno desenvolvimento. Poderíamos recordar outros aspectos como exigência de algo que se escolhe para uma fidelidade coerente e não só como sintoma duma superficialidade de atitudes contraditórias. Importa, por isso, recordar que algumas coisas podem estar na moda e ser aplaudidas pelas multidões. Os cristãos não vivem por elas e para elas ainda que alguns os considerem retrógrados e fora dum ambiente de modernidade. Hoje, mais do que nunca, teremos de ser claros e chamar as coisas pelo seu nome: há certas realidades que os cristãos não podem aceitar. Devem compreender as pessoas mas têm o dever de denunciar e viver dum modo diferente. Divórcio, adultério, uniões de facto, homossexualidade, abortos, aproveitamento de embriões numa procriação medicamente assistida… São factores que reclamam muita coerência. Perante o ambiente que se respira, o ideal da vida matrimonial proposto pela Igreja exige uma preparação séria e uma espiritualidade conjugal. São dois factores que permitem que, sem entusiasmos fáceis, continuemos a aclamar e acolher o modelo apresentado pela família de Nazaré. Ninguém ignora a superficialidade e facilitismo do relacionamento entre os jovens. Muitos assumem-se como namorados, mas não querem crescer numa educação para o amor duma maneira alegre e feliz, capaz de descortinar o seu verdadeiro significado, que nunca se pode reduzir à sexualidade. É muito mais e são estes horizontes que lhe dão profundidade. Não posso deixar de referir que a coerência se situa em todas as idades. Se hoje celebramos o Dia Mundial da Juventude, não podemos ignorar a Mensagem do Papa Bento XVI que nos conduz à mesma identidade cristã a viver no: “Que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei” (Jo. 13, 34). No amor mostramos que somos cristãos sem disfarces e teremos de ser testemunhos do amor de Cristo, ousando amar como os Santos. O Santo Padre recorda aos jovens que é essencial descobrir um projecto de amor “livres do preconceito difundido de que o cristianismo, com os seus mandamentos e as suas proibições, constitua obstáculos à alegria do amor e impeça em particular de viver plenamente aquela felicidade que o homem e a mulher procuram no seu amor recíproco”. Ao iniciarmos esta Semana particular quis recordar doutrinas conhecidas com a única preocupação de acolher as exigências que elas comportam. Não podemos reduzir o cristianismo a um mero conteúdo teórico contido nos livros. Ele é vida e esta, para ser verdadeiramente humana, admitindo as contradições, deverá assumir-se como testemunho exigente. Estar no mundo sem ser do mundo, pode e deve tornar-se alegria de ser diferente. Peço ao Senhor que a Semana Santa nos faça compreender a verdade do excesso do dom manifestado na paixão de Cristo para que nos sintamos seduzidos para transparecer esse amor nas palavras e nas atitudes. “Hão-de olhar para Aquele que trespassaram” foi o fio condutor da nossa Caminhada Quaresmal. Que a Semana Santa não permita um olhar meramente curioso ou de turista. Entremos dentro da lógica deste coração. Sejamos fiéis e mostremos que vale a pena ser “diferentes”. D. Jorge Ortiga

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Agência ECCLESIA

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