A cruz escondida

Bispo conta como é estar numa cidade ucraniana sitiada pelas bombas

“Sobrevivemos a mais uma noite…”

“Sobrevivemos a mais uma noite. Estamos vivos e de boa saúde.” A frase é do Bispo de Kharkiv e diz muito, quase tudo, sobre a guerra na Ucrânia. O Bispo é uma das pessoas que conhece melhor o drama das populações forçadas a viver escondidas das bombas em caves profundas, nas estações subterrâneas ou em improvisados ‘bunkers’. É um dia de cada vez. Desde que a guerra começou que tem sido assim…

Com os prédios desfeitos, com os bairros em ruínas, com as ruas cheias de destroços, sobreviver em Kharkiv parece quase um luxo. Dos céus silvam bombas que espalham a morte. É tudo tão rápido, tão brutal que as pessoas já se começaram a acostumar à violência e à destruição. A morte banalizou-se desde a madrugada de 24 de Fevereiro, quando os primeiros soldados, os primeiros tanques atravessaram as fronteiras, quando o mundo, ainda incrédulo, percebeu que havia uma guerra no centro da Europa. O mapa da Ucrânia é hoje o retrato de um moribundo. Algumas cidades têm sido particularmente flageladas pela violência. Kharkiv é uma delas. Uma das pessoas que conhece melhor o drama destas populações forçadas a viver escondidas das bombas é D. Pavlo Honcharuk. O Bispo da Diocese Católica de Kharkiv-Zaporizhzhia sabe bem o que significa a guerra. Logo na primeira semana após a invasão, um míssil atingiu a sua casa. Por sorte, não matou ninguém. “Sobrevivemos a mais uma noite. Estamos vivos e de boa saúde.” As palavras do Bispo, ao telefone, a Magda Kaczmarek, a responsável de projectos da Fundação AIS para a Ucrânia, mostram a incerteza de quem vive sob constantes ataques. Cada dia pode ser o último e a vida é celebrada apesar da desolação que se vê em volta. “Há tiros constantes, mas isso agora é normal. Está tudo a tremer, e está muito barulho. As janelas estremecem como se a vidraça estivesse prestes a cair. Habituámo-nos a que fosse tão barulhento. Até parece suspeito quando é calmo…  É quando não sabemos o que está por vir”, diz o Bispo, acrescentando: “Estamos a viver uma realidade muito nova e triste…” As sirenes tocam com frequência. São avisos de que as bombas podem estar a cair. As pessoas refugiam-se em abrigos. O Bispo estende até esses lugares a sua presença. A presença do Bispo, dos padres e das irmãs é um sinal desta Igreja que se transformou num autêntico hospital de campanha.

Pastoral do amor

Com a cidade bombardeada, transformada quase num destroço, os hospitais passaram a ser lugares preciosos. É aí também que o Bispo passa agora o seu tempo. “Essa é agora a nossa missão”, diz. É a solidariedade a funcionar em todas as suas valências. “Visitamos os doentes regularmente. Ontem, conseguimos entregar absorventes sanitários ao hospital psiquiátrico, onde as pessoas tiveram de passar sem artigos de higiene durante vários dias. O director agradeceu-nos com lágrimas nos olhos.” A guerra está também a dividir as famílias. Os homens, com menos de 60 anos estão a ser incorporados nas forças armadas. D. Pavlo Honcharuk já assistiu a muitas despedidas. Já se comoveu muitas vezes. “Visitei a estação onde assisti a cenas muito comoventes, que me tocaram profundamente. Como nenhum homem entre os 18 e os 60 anos pode deixar o país, os pais despedem-se das suas esposas e filhos, sem saber quando ou se voltarão a ver-se.” Não é fácil lidar com uma avalanche tão grande de sentimentos. Não é fácil lidar com tantas pessoas aflitas no meio de uma guerra que não se imaginava possível. “Vejo muitos traumas nas pessoas, nos seus olhos, nos seus rostos”, diz o Bispo de Kharkiv. “As crianças, sobretudo, sofrerão mais tarde as consequências. Haverá certamente doenças psiquiátricas depois da guerra. Vamos ter aí uma tarefa difícil…” Uma tarefa difícil que exige de todos o máximo de solidariedade e de amor. “Neste momento, é importante rezar e sobreviver de modo a ajudar as pessoas que estão sozinhas e não têm mais ninguém. Há tanta necessidade – não só de coisas materiais, mas também de bondade, de calor humano, de uma palavra amável, de um abraço, um telefonema…”, explica o Bispo, para acrescentar logo de seguida: “É assim que testemunhamos a presença de Deus, o facto de Ele estar connosco. É uma maneira de transmitir o Evangelho. É a nossa pastoral hoje em dia. Há tantos testemunhos de amor…”

Paulo Aido

 

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Agência ECCLESIA

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