Meio século depois da aprovação do Tratado de Roma, João César das Neves olha para o percurso europeu. Meio século depois da aprovação do Tratado de Roma, vivem-se momento de balanço e avaliação nos corredores europeus. Também por cá se pretende ajuizar se a nossa adesão foi boa ou má, se o Pacto de Estabilidade nos estrangula ou nos protege. A União Europeia começou como Comunidade Económica Europeia ou, até antes, com o carvão e o aço. Não faltam os que criticam este pecado económico original, achando que se deveria ter lançado em temas mais elevados. De facto, tratou-se de uma intuição genial dos “pais da Europa”. Eles entenderam que a única forma de conseguir uma aproximação entre povos tradicionalmente inimigos, e que se tinha acabado de destruir mutuamente na pior guerra da história, era começar pelos mercados. Todas as outras dimensões, políticas, diplomáticas, culturais, religiosas, artísticas, climáticas, sociais, os dividiam. A única coisa que os podia aproximar era a possibilidade de cooperarem na abertura e desenvolvimento dos seus mercados. Temos de dizer que essa opção foi um grande sucesso. Passados cinquenta anos, não só os países europeus estão reconstruídos e prósperos, mas todos seus vizinhos querem aderir à comunidade e todas as zonas do mundo pretendem copiar este modelo. É verdade que nenhuma outra até hoje o conseguiu, e a União Europeia constitui o único caso da história mundial em que países independentes partilham voluntariamente soberania para benefício mútuo. Mas hoje, precisamente por causa desse sucesso, novos projectos e dimensões começam a ser incluídos na integração. E daí nascem todos os problemas que temos. Como tinham intuído há 50 anos os pioneiros, todas as vezes que se abandonam os assuntos comerciais, as divisões são mais poderosas que as aproximações. Isso passa-se até em certos casos económicos, quando se tornam mais institucionais. A moeda única foi uma grande realização, cujos benefícios ainda estão longe de estar esgotados. Mas ela implicaria um novo tipo de atitude por parte das autoridades, o que custa a ser aceite pelos governos. O caso de Portugal e do Pacto de Estabilidade é um bom exemplo. Quando tínhamos o escudo, cada vez que o Governo perdia o contrôle do orçamento, a crise externa era tão grave que exigia medidas imediatas. Foi o que se passou connosco em 1977 e 1983, em que nos vimos forçados a chamar o Fundo Monetário Internacional para pôr a casa em ordem, devido à derrocada monetária. Uma vez entrados no euro, perdemos o sinal de alarme que vinha do mercado cambial. Hoje vivemos um “buraco” orçamental parecido com os anteriores, mas nada de grave se verifica nas nossas relações externas. O Pacto de Estabilidade foi concebido precisamente para substituir esse mecanismo e funcionar como aviso perante as crises. Só que a experiência mostra bem a diferença entre sistemas económicos e regras jurídicas. Portugal foi o primeiro país da Europa a violar o Pacto, logo em 2001, mas ainda hoje andamos a adiar a correcção que essa regra nos impunha. Por outro lado, o Governo mascara as indispensáveis regras de boa gestão financeira que deveria seguir como imposições europeias e atira para a Europa as culpas daquilo que, se vivesse fora da União, teria há muito de ter realizado. A União Europeia constitui um espaço económico de grande sucesso. Infelizmente, duas tendências recentes podem pôr em risco essas realizações. A primeira é a tentação totalitária que põe as directivas comunitárias a interferir em todos os campos da vida dos cidadãos. A segunda é a recusa de jogar o jogo económico com as regras adequadas, o que compromete o próprio êxito central da União. João César das Neves