Manual para a Inquisição Portuguesa

Para combater preconceitos e clichés sobre a Inquisição no nosso país foi ontem lançada em Lisboa a publicação “Inquisição Portuguesa – Tempo, Razão e Circunstância”, que compila as intervenções proferidas no maior congresso internacional de sempre sobre este tema em Portugal, que decorreu em Outubro de 2004. A obra lembra, através das várias perspectivas de abordagem, por vezes contraditórias, que a Inquisição é um campo aberto, onde os investigadores ainda têm muito por descobrir e aprofundar. Organizado pela Província Portuguesa da Ordem dos Dominicanos e pela Faculdade de Letras de Lisboa, o Congresso de 2004, que agora passa a livro, abordou esta instituição nas suas mais variadas vertentes, em diferentes épocas e países, com Portugal em destaque. Na apresentação das Actas, acompanhada pela Agência ECCLESIA, o historiador António Borges Coelho referiu-se ao material apresentado como “um momento fundamental para avançar na história da Inquisição Portuguesa”. Frisando que esta realidade não é “um todo homogéneo”, Borges Coelho lembrou que as próprias acusações se foram alterando, com o passar dos séculos. Em jeito de alerta, disse ainda que “não se pode levar à letra tudo o que está nos autos”. A publicação recolhe contribuições de mais de 50 especialistas e historiadores portugueses e estrangeiros, bem como centenas de outros participantes. Mais de 40 comunicações foram dedicadas à Inquisição, agrupadas em vários painéis temáticos (Inquisição e Poderes, Inquisição e Judaísmo, Inquisição e o Mundo Extra-Europeu, Inquisição e Cultura e Universos da Inquisição). Não aos «bodes expiatórios» José Augusto Mourão, membro da Comissão Científica do Congresso e presidente do Instituto S. Tomás de Aquino, fez questão de frisar que é preciso evitar a tentação de reduzir esta realidade a clichés, procurando a “designação de bodes expiatórios”. Este Dominicano assumiu que a sua Ordem “se implicou totalmente na reorganização do mundo cultural levada a cabo pela Igreja no século XVI”, mas defendeu que “é preciso partilhar responsabilidades”. Luís Filipe Barreto, professor do Departamento de História da Faculdade de Letras de Lisboa e um dos coordenadores da publicação, destacou a articulação entre o poder político e o religioso, bem como entre a Inquisição Portuguesa e a dos espaços europeus e fora da Europa. O facto é que, sobre a Inquisição, há inúmeros documentos e processos que ainda estão por analisar. A necessidade de alargar as fronteiras da problemática na análise da massa documental deixa ficar claro a urgência de se desenvolverem novos estudos e de constituírem núcleos documentais relevantes. As categorias habitualmente utilizadas para abordar esta temática também foram questionadas. Os limites das dicotomias religioso e político, espiritual e temporal ou laico e clerical estiveram em destaque ao longo dos trabalhos, questionando-se até que ponto elas são operativas e verdadeiras. Em Portugal existiu uma Inquisição de Estado. Tinha tanto o objectivo de defesa da fé como a defesa da unidade política e da estabilidade interior. O Inquisidor-mor era um súbdito do rei e os confiscos impostos aos condenados eram em proveito da coroa. O Papa Clemente VII opôs-se à instalação da Inquisição em Portugal com o argumento de que os cristãos novos portugueses eram convertidos à força e também por suspeitar que o objectivo dessa instalação era mais político e económico do que religioso. Apesar disto, eleito em 1535, o Papa Paulo III autoriza em Maio do mesmo ano a instalação da Inquisição e a Bula é publicada em Évora, onde residia a Corte, num Domingo, 22 de Outubro de 1536. Particularmente activa nos séculos XIII e XIV a Inquisição destinava-se a combater os movimentos heréticos medievais e, mais tarde, nos séculos XVI e XVII, viria a assumir maior poder, sobretudo, na Península Ibérica, com a fundação de novos tribunais. Foi também nessa época que foi constituída a Sagrada Congregação do Santo Ofício, inicialmente concebida como instrumento de luta contra a difusão do protestantismo.

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