Igreja/Juventude: «Somos uma geração disposta a sair da zona de conforto» – Manuel Azevedo Mendes

Chefe nacional da «Missão País» fala dos preparativos para a edição de 2022, que vai ter menos vagas e será ajustada à evolução da pandemia

Foto: RR/Miguel Rato

Entrevista conduzida por Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

 

Estamos em plena preparação da Missão País 2022. Na última semana foi divulgado símbolo, a cor e o lema, que é ‘Coragem! Levanta-te que Ele chama!’. A vossa expetativa é a de que esta próxima edição já possa decorrer de forma presencial, o mais próximo possível da normalidade?

Sim, é isso que queremos acima de tudo, que possamos voltar para as localidades, a fazer aquilo a que somos chamados a fazer todos os anos, e que com muita pena nossa em 2021 tivemos de deixar em suspenso.

 

E estão preparados para os vários cenários possíveis? Porque não sabe como é que a pandemia vai evoluir, pode ter que haver ajustes de novo na Missão?

Claro. Aquilo que passámos sempre aos chefes, desde o início, é que acima de tudo estamos muito atentos à evolução da pandemia no nosso país. Estamos em constante comunicação com a DGS, com algumas pessoas dentro da equipa que estão mais ligadas a este tema do Covid, para podermos, dentro do possível, ir prevendo cenários e ver como é que teremos de adaptar as Missões a essa nova realidade.

Quando é que abrem as inscrições?

As inscrições abrem agora no dia 9 de dezembro, sendo que a partir de 2 de dezembro já é possível a toda a gente interessada fazer o registo, criar o perfil no site, para depois no dia 9 estar tudo pronto para as candidaturas.

É sempre um dia especial? Porque até têm os ’10 mandamentos do Missionário’, e logo o primeiro diz “serás persistente e paciente no ato das inscrições”. Isto revela que há sempre muita procura?

Sim, o dia das inscrições é sempre um dia de grande alegria, mas também de muito nervosismo! Grande alegria porque é o dia em que parece que tudo começa a tornar-se mais real, começamos a ver o interesse de tantos jovens, Portugal fora, para poder entrar numa semana de missões. Mas também sabemos que, infelizmente, as vagas são limitadas, e este ano ainda vamos ter de limitar mais. Anteriormente o número de missionários era de cerca de 60 por Missão, este ano, ao todo, vão ser 45, já a contar com os chefes, ou seja, serão cerca de 36 missionários por Missão, o que inevitavelmente vai fazer com que algumas pessoas fiquem de fora.

Temos trabalhado nisso, para que todos os anos o número de Missões continue a crescer e consigamos albergar o maior número possível de missionários. Porque, de facto, esta é uma experiência muito boa, não só para as comunidades que nos recebem, mas para os próprios missionários.

Este é um projeto de universitários para universitários. É obrigatório que os participantes sejam católicos, ou é aberto a todos os que queiram participar?

A Missão País é assumidamente um projeto católico, mas não é um projeto fechado aos jovens católicos, e isto é muito importante. É um projeto que está aberto a toda a gente, desde que também tenham a abertura de coração necessária para integrar este projeto, porque temos uma vertente espiritual muito forte durante a semana. Mas, de facto, o que interessa é o tempo que dedicamos ao outro naquela semana, é a parte do voluntariado. E todos nós, jovens católicos ou não, somos chamados a fazer voluntariado, a dedicar o nosso tempo aos outros, àqueles que mais precisam e estão mais sozinhos, por isso, temos muito gosto e acolhemos sempre muito bem todos aqueles que queiram fazer Missão, independentemente da sua fé, desde que venham com o coração aberto.

Estamos a dois anos de Lisboa acolher a Jornada Mundial da Juventude. A preparação da Missão País também tem isso em conta?

Sim. Começámos agora os primeiros contactos com as equipas da JMJ para perceber como é que faz mais sentido haver aqui uma ligação entre a Missão País e a Jornada Mundial da Juventude.

De facto, a Missão País é um projeto que tem uma dimensão muito grande no mundo universitário em Portugal, que é também um dos grandes focos da JMJ, por isso queremos perceber como é que, através daquilo que somos chamados a fazer, podemos contribuir para a preparação desse grande ano que todos esperamos.

Estamos a apontar já para 2023, mas o Dia Mundial da Juventude é uma celebração anual, que este ano é assinalado neste domingo, 21 de novembro. Na mensagem para este dia, o Papa lança o convite aos jovens para começarem uma “peregrinação espiritual” até Lisboa, e também chama a atenção para o impacto da pandemia nas suas vidas – problemas familiares que sentiram, desemprego, depressão, violência, perda de entes queridos. A resposta a estas situações também é uma preocupação para quem está no terreno, em missão?

É, sem dúvida, uma preocupação muito grande. É engraçado que essa foi uma questão muito discutida quando escolhemos o Evangelho e o lema que nos acompanha este ano. O lema é ‘Coragem, levanta-te que Ele chama”, e mostra exatamente isto: depois de um ano em que tivemos mais parados, em que tanta gente se afastou da Igreja, em que nos foi pedido que ficássemos em casa, queremos agora começar a ganhar força para nos levantarmos, sairmos novamente ao encontro daquilo que são as necessidades dos outros, podermos voltar a tocar as vidas e os corações dessas pessoas que foram tão afetadas pela pandemia, mas que ao mesmo tempo têm tantas outras dificuldades, e que já vêm de trás, antes do Covid aparecer.

 

Foto: RR/Miguel Rato

Na mensagem o Papa também destaca um ponto positivo: a disposição das novas gerações para a solidariedade na resposta à Covid 19, e convida os jovens a escreverem uma página nova na história da Humanidade. É um desafio importante?

Sim. E a Missão País também mostra isso. É um projeto que começou há quase 20 anos e que aquilo que quer é poder levar Cristo para as faculdades.

Os dois principais objetivos que fizeram surgir a Missão País em Portugal foram exatamente a necessidade que três jovens amigos sentiram de dedicar o seu tempo aos outros e de levar Cristo para as universidades. Num mundo em que se fala muito dos efeitos das tecnologias nos jovens, do sedentarismo, queremos mostrar que somos uma geração que está disposta a sair da sua zona de conforto, a largar o sofá de sua casa – como diz o Papa Francisco – e ir ao encontro dos outros.

A Missão País nasceu em 2003, com três amigos ligados ao movimento de Schoenstatt. Quantas Missões já foram feitas, e envolvendo quantos universitários?

A Missão País tem crescido muito. No primeiro ano de missões, a iniciativa partiu de três jovens que juntaram um grupo de amigos, de cerca de 20 estudantes da Universidade Nova de Lisboa, e que decidiram ir missionar para uma localidade de Portugal. Mas, desde aí já cresceu muito. Olhando para 2020 – porque em 2021 não houve Missão País, por causa da pandemia -, houve 56 missões, com cerca de 60 missionários cada, o que dá um total de mais de 3000 missionários, espalhados de norte a sul do país, de diferentes faculdades e movimentos. É muito bom ver que há tanta gente disposta a acolher esta mensagem da Igreja e a partir ao encontro das necessidades dos outros.

Estamos a falar em semanas de apostolado e de ação social. Para quem não conhece o projeto: como é que se desenvolve? O que é que fazem e que iniciativas abrange uma Missão?

A Missão País é uma semana de voluntariado, de apostolado e ação social, que ocorre entre o 1º e o 2º semestre letivo.


Entre finais de janeiro e início de março?

Exatamente. E esse é outro facto interessante, é que muitos dos jovens que integram estas semanas de Missão, fazem-no na única semana de férias que tinham entre o 1º e o 2º semestre, e isso também mostra a disponibilidade e a entrega que é preciso para ir ao encontro dos outros.

São semanas em que cada Faculdade organiza as suas missões e vai para determinada localidade. Durante essa semana, os jovens colocam-se totalmente ao serviço, disponíveis para as necessidades da comunidade que encontram: vão às escolas, aos lares, há também quem fica responsável por preparar um teatro, que é apresentado à comunidade no final da semana. Depois há uma série de atividades que vamos propondo: acompanhamos as catequeses, temos uma Missa diária, organizamos vigílias, conferências. Isso varia de missão para missão, mas a ideia é que exista uma base de voluntariado e de ação social, durante o dia, e depois ao fim do dia e à noite haja uma série de iniciativas, oferecidas à comunidade, para que possam fazer parte desta semana de missão.

 

E como é que se escolhem os locais onde decorre a missão?

Os locais são escolhidos autonomamente por cada missão, por cada equipa de chefes da Faculdade. Há várias maneiras: muitas localidades pedem-nos para que possamos atribuir-lhes uma missão, mas temos também outros locais que são escolhidos por conhecimento das terras, que são pequenas e que se adaptam, e podem ter um público muito bom para nos receber.

 

Um dos principais objetivos da Missão País é criar um espírito católico na faculdade, onde a missão nasce. Isso acontece, ou o ambiente universitário é um bocadinho hostil, a estas questões da fé?

Gostamos muito de dizer que a Missão País não se traduz apenas naquela semana de missão. Queremos, acima de tudo, levar Cristo para as Faculdades, por isso é que a Missão País acontece por Faculdades, para que se crie entre os missionários uma dinâmica interna, um grupo forte que seja capaz de, durante o ano, manter vivo o espírito da Missão País. Para isso temos também o contributo muito grande dos NEC (Núcleos de Estudantes Católicos).

 

Que também têm vindo a crescer…

Não tanto, se calhar, como a Missão País, mas têm feito também um trabalho espetacular e que propõe uma série de atividades – Missas, conferências, peregrinações – que vão permitindo que os missionários mantenham vivo esse tal espírito de missão, durante o resto do ano, levando para a Faculdade um pouco de Cristo, que é o que nós queremos.

 

Como estudante da Faculdade de Direito, na Universidade de Lisboa, como é que foi essa experiência?

Eu fiz quatro missões e foi, de facto, muito gratificante. Eram missões que já existiam alguns anos antes de eu entrar, por isso já havia uma base sólida criada, foi mais fácil sentir esse acompanhamento durante o ano, da minha parte. É muito bom, porque criam-se amizades muito fortes, criam-se vínculos muito fortes entre os missionários, o que se reflete no dia a dia…

 

No dia a dia da Universidade, esse testemunho público de fé tem algum impacto no relacionamento humano?

Eu acho que tem mais entre nós, missionários, do que para o mundo universitário no geral. Sentimo-nos acompanhados, sentimos que criamos um grupo bom, que nos ajudamos a crescer, uns aos outros. Mas é difícil, no dia a dia, partir ao encontro dos outros e alargar muito essa base…

 

Foto: RR/Miguel Rato

Este é um projeto marcadamente católico, com cunho mariano – utilizam a imagem da Mãe Peregrina, de Schoenstatt. É importante para quem participa esta dimensão espiritual e da fé, para além da vertente da solidariedade?

Sim, é muito importante. A Missão País tem três dimensões muito importantes: a missão externa, a missão interna e a missão pessoal.

A missão externa é a mais fácil de perceber, é ir ao encontro das comunidades, das localidades, das necessidades dos outros – sejam mais idosos, sejam mais jovens -, colocando-nos ao dispor para o que eles precisam. Depois temos a missão interna e a missão pessoal, e é aí que entra a parte da espiritualidade, do importante que é para nós – que somos jovens, que vamos para lá para tocar corações, mas também para que os outros toquem o nosso coração.

A abertura à mensagem de Jesus e ao que levamos, durante aquela semana, é uma coisa que nos faz crescer, porque também nós temos os nossos problemas, as nossas correrias do dia a dia, e é bom poder parar e deixar-nos tocar por esta mensagem de amor que é proposta, de simplesmente nos pormos ao serviço dos outros, largarmos a correria do dia a dia e estarmos atentos aos outros, ouvir, aprender. Também nós crescemos muito e é muito importante para nós esta dimensão interior e o trabalho que fazemos, quer dentro do grupo missionário, quer individualmente, dentro de nós próprios.

 

Essa dimensão é assumida, explicitamente, no sentido em que a Missão País se apresenta sempre como mais do que um “simples” projeto de voluntariado?

Sim, sim. É assumida, porque queremos muito fazer este trabalho com os jovens que são missionários. A Missão País toca os corações das pessoas missionadas, mas toca também o coração dos missionários. Isso é muito bom, é muito visível, gratificante. É isso que fez a Missão País crescer tanto nos últimos anos, porque quem vai não fica indiferente àquela semana. É um trabalho que vai fazer para os outros, mas que acaba por fazer, também, dentro de si próprio.

 

O Manuel tem 23 anos, é licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa e frequenta o Mestrado na Universidade Católica. Agora é chefe nacional, mas em quantas Missões já participou?

Até agora participei em quatro missões, todas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tendo sido chefe de uma delas, no meu segundo ano, e tendo já integrado a equipa nacional.

 

Ser agora chefe nacional é um grande desafio?

É um desafio novo e enorme, mas é um desafio muito bom. Também tenho uma equipa fantástica por trás, estamos distribuídos por várias pastas, e esse trabalho é muito facilitado. Sou responsável nacional com a Tita Oom, somos os dois a cara da Missão País.

 

Porque a chefia é sempre partilhada…

Sim, somos sempre dois, um rapaz e uma rapariga. A dois é um trabalho que se faz bem, é desafiante, que nos faz sair das áreas a que estamos mais habituados e enfrentar novos problemas, mas acima de tudo é muito gratificante. Sinto que quanto mais nos entregamos a um projeto, mais vontade temos de o ver crescer.

 

O que é que esta experiência mudou na sua vida? Conseguiria imaginá-la neste momento sem a Missão País?

Este ano, principalmente, a Missão País é uma parte muito importante da minha vida, por isso é difícil imaginá-la de outra forma.

A Missão deu-me grandes amigos, fez-me crescer muito na fé, fortalecer muito a base de oração que tinha. E acima de tudo, ver o quão fácil é quando nos pomos ao dispor dos outros e, simplesmente, parar para ouvir, tocar os seus corações. E isso é ótimo para todos, poder parar e ouvir. Muda vidas e, com tão pouco, poder mudar vidas, é muito bom.

 

Que mensagem deixa aos jovens que nunca fizeram Missão País e talvez queiram experimentar?

Acima de tudo, que arrisquem. É muito desafiante, porque muitas vezes é a única semana de férias que temos entre o primeiro e o segundo semestre, mas é muito bom ver que o que criamos ali são amizades tão fortes, que levamos para a vida inteira, que toda a gente no ano a seguir quer voltar. Se não valesse mesmo a pena abdicar de uma semana no conforto de casa, de descanso, para dar o nosso tempo aos outros, a Missão País não teria crescido como tem crescido de ano para ano. No início éramos 20, hoje somos mais de 3500, por isso, lanço o desafio de pesquisarem mais sobre este projeto e motivarem-se a fazer parte dele, porque muda vidas, dos missionários e dos missionados.

 

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Agência ECCLESIA

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