Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Num ápice, com um e-mail, a vida de muitos jovens alterou-se ao saber se entraram, ou não, na Universidade que queriam e qual o curso em que foram colocados. Depois da pandemia do último ano, tudo leva a crer que nos aproximamos de uma “normalidade” mais presencial e novos horizontes de experiência se abrem. Mas, como diz o Papa Francisco na sua mensagem aos jovens da XXXVI Jornada Mundial da Juventude em novembro, creio que se inicia, também, uma peregrinação espiritual, e não estou a pensar no espírito académico.
A palavra mais comum que se aproxima da experiência de uma peregrinação é “caminhada”. Numa caminhada, passo após passo, por caminhos conhecidos, ou trilhos por explorar, não só vamos de um ponto inicial para um ponto final, como durante o processo, a nossa mente põe-se a pensar na vida. A decisão de seguir para a esquerda ou direita pressupõe uma escolha. O cuidado com os pés e o equilíbrio entre o esforço e o repouso pode ser uma arte a aprender. O cuidado com a hidratação e os níveis de energia pode ser a diferença entre uma experiência jubilante é uma a esquecer. Muito depende do grau de preparação e postura ao realizar o caminho. Mas há uma inversão importante e que poucos jovens se dão conta.
Há quem reconheça a meio do percurso universitário que o problema, afinal, não era entrar, mas sair. Enquanto que até ao 12° ano os professores eram os responsáveis pelo percurso feito pelos alunos, na Universidade, isto inverte-se e os responsáveis passam a ser os estudantes. E nenhum está habituado a assumir essa responsabilidade. São também muitos os trilhos que os levarão a ter de escolher entre esta ou aquela disciplina de opção, entre esta ou aquela actividade extra-curricular, entre estudar ou não estudar na experiência de tempo que lhes é dada. Depois, o cuidado do cérebro é para uma caminhada académica tão fundamental quanto o cuidar dos pés numa longa caminhada. A profissão de um estudante universitário não é estudar (por mais contra-intuitivo que pareça), mas ser um pensador profissional. Daí que uma alimentação saudável, exercício e, sobretudo, um sono regular de 7h seja, segundo diversos estudos, pontos fundamentais para um desempenho cognitivo elevado. E quanto à dimensão espiritual da vida académica? Aparentemente, não existe ou é diminuta.
Uma sondagem em França cuja síntese dos resultados foi noticiada, também, no 7Margens;, mostra como a percentagem daqueles que acreditam em Deus evolui dos 60% dos jovens que terminam o ensino secundário, para 46% de entre os jovens que terminam o ensino universitário. Serão muitas e diversificadas as razões, mas creio que demonstram a importância de reconsiderar o que significa uma peregrinação espiritual no tempo que muitos jovens passa na Universidade.
Ao longo dos anos tenho conhecido muitos dos problemas que os jovens universitários vivem, sendo um dos mais frequentes a ansiedade. Essa provém de diversos factores, mas sobretudo do desejo de suceder e ter dificuldade em organizar as tarefas para poder atingir os patamares de excelência que aspiram. Por outro lado, o aumento significativo do trabalho e a exigência de autonomia, leva a que — das duas uma: 1) ou entram em stress profundo; 2) ou não ligam nenhuma e ao fim de 10 anos (ou mais) ainda estão a fazer o curso. Sentem a necessidade de um espaço para respirar e a dimensão espiritual da vida humana é o que nos desperta para a consciência da necessidade de não abdicar desse espaço em nós.
A peregrinação espiritual universitária faz-se interiormente e relacionalmente. Interiormente existe o aspecto físico como o cuidar do cérebro, o aspecto mental associado a uma prática deliberada, e o aspecto espiritual que tem a ver com a criatividade. No caso da prática deliberada, não se trata de fazer muitas vezes a mesma coisa, mas procurar ir um pouco acima daquilo que somos capazes de fazer sempre que repetimos algo. Só assim exercitamos o músculo mental muitas vezes associado à motivação intrínseca. No caso da criatividade, Julia Cameron, autora de “O Caminho do Artista” diz que — «a essência da criatividade é uma experiência de união mística; a essência da união mística é uma experiência de criatividade. Quem fala rotineiramente em termos espirituais refere-se a Deus como o criador, mas raramente vê a palavra criador como o termo literal para artista.» Não por acaso que João César das Neves escreveu sobre “A Arte de Estudar” e um pensador profissional possui todas as qualidades de uma artista do estudo.
Relacionalmente, a peregrinação espiritual reconhece que os caminhos académicos são suportados pelas amizades que construímos ao longo dos anos de estudo, as noites longas a terminar um trabalho, as conversas mais ou menos profundas, e o quanto procurámos melhorar uns com os outros, co-responsabilizando pelo progresso de cada um. Nos relacionamentos podemos aprofundar as questões que estão para lá das matérias e no quanto queremos bem o outro. Muitas vezes, Deus manifesta-se em silêncio fazendo-nos experimentar uma unidade que oferece uma luz na escuridão dos insucessos.
Os que são menos sensíveis à dimensão espiritual humana poderão focar a sua acção somente no sucesso, nas amizades e na realização pessoal. Consideram esses aspectos essencialmente humanos sem necessidade de qualquer reflexão sobre o que poderia ser uma peregrinação espiritual. Talvez aceitem essa designação desde que o espírito seja o crítico ou o humano, sem qualquer recorrência ao plano divino da existência. Mas um peixe dentro de água reconhece a diferença entre um rio e um riacho?
Os que procuram uma vida espiritual em Deus reconhecem estar mergulhados no rio divino da criatividade repleto de momentos surpreendentes e imaginativos. O quão pouco conhecemos desse meio induz naquele que se abre a esta dimensão de mistério um horizonte amplo a explorar interiormente e relacionalmente. Por isso, quem vive uma peregrinação espiritual académica com Deus, não se aborrece. Antes, consolida a experiência de uma curiosidade imensa sobre aquilo que está um pouco mais além daquilo que sabe. Neste caminho que se inicia para muitos jovens depois dos resultados da primeira colocação, desejo que desejem coisas grandes, mas sempre na consciência de que a resiliência para acabar aquilo que começarão passa pelos passos pequenos que conseguirem dar com mais espírito do que stress.
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