LUSOFONIAS – Remadores contra a corrente…

Tony Neves, na Calheta de S. Miguel

A Vida Religiosa está a viver tempos de primavera na África e na Ásia. Mas o inverno da Europa e Américas está a pôr em causa muitos dos dinamismos de solidariedade e profecia que marcaram séculos de Missão de Padres, Irmãs e Irmãos pertencentes a Institutos de Vida Consagrada. A história tem ensinado que vivemos de altos e baixos ou, para pegar num exemplo bíblico, tempos de vacas gordas e de vacas magras.

Toda esta reflexão vem a propósito da Festa de Profissão Perpétua de três jovens Irmãs da Congregação das Filhas do Sagrado Coração de Maria. O encontro com a história ilumina caminhos e ajuda a perceber muita coisa.

Quando os Espiritanos chegaram à África do Norte Atlântico, deram continuidade a uma Evangelização iniciada séculos antes mas sem grande sucesso. Com a escravatura a perder terreno legal, a aposta dos Missionários foi para a libertação, capacitação académica e profissional, bem como Evangelização dos escravos libertados. E, com os Espiritanos, trabalhavam as Irmãs de São José de Cluny. Monsenhor Aloisio Kobès foi nomeado Vigário Apostólico da Senegâmbia e logo percebeu quanto era importante a criação de um Clero e de um corpo de Religiosas e Religiosos originários do Senegal. Assim, com o apoio das Irmãs de S. José de Cluny, fundaria as Filhas do Sagrado Coração de Maria, em 1858, em Dakar. É a Congregação Religiosa Feminina mais antiga de África.

Vizinho do Senegal, Cabo Verde acolheria estas Irmãs. As vocações foram crescendo nos últimos anos e hoje temos uma Província activa e numerosa, sempre com jovens em formação. A 22 de Agosto tive a alegria de participar numa Celebração de 4h, no recinto desportivo da Paróquia da Calheta de S. Miguel, onde três Irmãs Caboverdianas fizeram a sua Profissão Perpétua: as Irmãs Jaquilina e Sílvia (ambas naturais da Calheta) e a Irmã Lucilene, nascida e criada em Santo Antão.

Nem o calor, nem a covid, nem a ameaça de chuvas impediram a realização de uma Eucaristia muito viva, cantada e dançada, cheia de momentos de profundo simbolismo. D. Arlindo Furtado, Cardeal, presidiu à Missa e viveu intensamente os tempos de confraternização que se lhe seguiram. Era um homem feliz, como todas as pessoas que se associaram à festa.

O almoço fraterno, condicionado pela pandemia, foi vivido na Casa do Noviciado das Irmãs. Foi tempo de cantar e dançar, sobretudo ao ritmo do batuque e da tradição cultural das Ilhas.

O que mais me marcaria foi o envolvimento festivo das famílias das Irmãs recem-professas. Quando uma Irmã, um Padre ou um Irmão faz a sua Profissão Perpétua, é claro que as famílias de sangue os ofereceram a Deus e à Igreja, para sempre. Em muitos casos, esta oferta não é pacífica, mas é muito importante. Foi, contudo, festa a sério a que aconteceu na casa das famílias das duas Irmãs naturais da Calheta. Uma multidão iniciou ‘peregrinação’ à casa da Irmã Jaquilina, a cantar a a dançar. Depois, continuou a festa dentro e fora de casa, acompanhada pelos pratos e bebidas tradicionais. Cumprida a primeira etapa e porque já se tornava tarde, a caravana foi até outro bairro onde a família e os vizinhos da Irmã Silvia já asseguravam a festa. As ruas estreitas não impediram o ajuntamento das pessoas que ali dançaram e cantaram até bem tarde, quando o cair da noite obrigava à dispersão…

As Filhas do Sagrado Coração de Maria, da Família Espiritana desde a raiz, estão hoje presentes no Senegal, Guiné-Bissau, Chade, África Central, Mauritânia, França e, claro, em Cabo Verde. Apostam numa opção clara pelos mais pobres, investindo na Educação, na Saúde, na Pastoral Paroquial, na Promoção Humana, bem como no acompanhamento de pessoas em situação de risco social.

As Vocações são sempre sinais da vitalidade de uma igreja local. Participar em Celebrações cheias de jovens e crianças mostra que o futuro está lá a construir-se. Cabo Verde impressiona pela vida e pela festa. Aqui, nestas Ilhas que a chuva pôs verde, transpira-se muito futuro. E também – há que confessa-lo – se transpira muito, tal o calor e a humidade que se sente nesta época do ano! Mas dá gosto transpirar em festas que nos enchem a alma.

 

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Agência ECCLESIA

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