Tony Neves, em Roma
‘Reza e Trabalha’ (‘Ora et Labora’) é a imagem de marca de S. Bento e a síntese da sua Regra de Vida Monástica. Este grande homem do séc. V (nasceu em Núrcia, Itália em 480) é considerado o pai da vida monástica no Ocidente. Viveu 66 intensos anos de vida, com experiências fortes e intuições que marcaram a história mudando o rumo à Europa e, depois, ao mundo inteiro.
A história é sempre uma lição de vida. A de S. Bento fala alto e cala fundo. Estava ele em Roma, mas já não lhe agradava nada a forma como os cristãos viviam, se relacionavam e rezavam. Por isso, decidiu andar 70 kms e refugiar-se numa gruta de montanha, em Subiaco. O sonho monacal de S. Bento nasceu ali. Peregrinei a este lugar que é fonte de inspiração. Na actual cidade, a alguns kms da gruta, estava um painel gigante que dizia: ‘Cidade da Imprensa e do Monaquismo Beneditino’. Depois, dirigi-me para as montanhas onde, no local dessa gruta sagrada, foi construído o actual Mosteiro Beneditino, nos séc.s XI e XII. Antes de lá chegar, passa-se pela Abadia de Santa Escolástica que é o mais antigo dos Mosteiros Beneditinos, pois os outros 12 que Bento fundou ou foram destruídos ou abandonados. Um aluimento de terra obrigou a fazer a pé parte deste sinuoso percurso, desde a Abadia de S. Escolástica até ao Mosteiro de S. Bento. Ainda bem, pois, embora as pernas se queixem, a beleza natural é de encher os olhos. Este Mosteiro cravado nas rochas da montanha, encaixado num vale luxuriante, é mesmo ‘o limiar do céu’, como lhe chamou Petrarca! Foi – diz a tradição- construído sobre a gruta onde S. Bento passou três anos a jejuar e a rezar para pedir a Deus inspiração e luzes para o futuro. A visita guiada, feita por um Monge Beneditino, fez-me recuar 15 séculos e tentar imaginar este sonho de S. Bento, tão bem ilustrado nas pinturas belas e simbólicas que marcam paredes e tectos. E foi bom saber que ali se imprimiram os primeiros livros em terras de Itália.
Três anos depois, o Espírito mandou Bento deixar Subiaco e partir. Era o ano de 529. Chegaria a Montecassino, a 170 kms a sul de Roma. Ali, num pico que domina quilómetros de paisagem de cortar a respiração (520 m de altitude), Bento constrói, sobre as ruínas de uma velha acrópole pagã, um mosteiro dedicado a S. Martinho. Aqui se funda, verdadeiramente, a Ordem Beneditina. S. Bento escreve a Regra que assenta nos pilares da Oração e do Trabalho, dando início à aventura da Vida Monástica no Ocidente. É muito simbólica a sua ligação a S. Escolástica, sua Irmã gémea que faz nascer o ramo feminino da Ordem Beneditina. Ambos estão sepultados na Igreja da Abadia, juntos na morte como na vida. Morreu em 547 e a Ordem já tinha os fundamentos bem alicerçados.
Visitei Montecassino e fui surpreendido pela beleza da montanha, pela grandeza da Abadia e pela conturbada história que a visita guiada me ajudou a conhecer. Bento e os seu Monges revolucionaram a vida dos povos que evangelizaram. Ensinaram a equilibrar o trabalho competente com a Oração ritmada pelas horas do dia, investindo ainda muito na hospitalidade, na assistência aos pobres e na promoção da cultura. A Europa que foi nascendo ao longo da Idade Média tem a imagem de marca de S. Bento e da sua Regra. Valorizou a agricultura, a pecuária, a silvicultura, as artes e os ofícios. No séc. XI, Montecassino tinha 300 monges que irradiavam fé e cultura à sua volta. O impacto na vida da Igreja foi tão forte que já houve 16 Papas Beneditinos.
Duma Reforma da Ordem surgiria a Ordem de Cluny (França, séc. X). Esta abriu as portas à fundação da Ordem de Cister (sec.XI), sendo S. Bernardo de Claraval (1090-1153) a figura de referência. O seu grande objectivo era o regresso à Regra de S. Bento e à Vida Contemplativa.
Montecassino, porque lugar importante e estratégico, teve quatro momentos críticos, sendo destruído e reconstruído posteriormente: foi tomado pelos Lombardos em 577, pelos Sarracenos em 887, destruído pelo terramoto de 1349 e bombardeado e arrasado pela força aérea americana em 1944, quase no fim da 2ª Grande Guerra Mundial. Nesta última tragédia, foram mortas mais de 400 pessoas na Igreja da Abadia e os edifícios foram quase totalmente destruídos. Os americanos achavam que as tropas alemãs estavam lá escondidas (falsa informação) e despejaram 1400 toneladas de explosivos. D. Luigi Maglione, o Secretário de Estado do Vaticano, considerou o ataque ‘um erro colossal’ e ‘uma estupidez grosseira’. Felizmente que um general alemão, sabendo que os Aliados iam destruir a Abadia, criou condições para dali se retirarem os tesouros históricos e artísticos. Foram salvos muitos séculos de história, arte e cultura, incluindo pinturas de Ticiano, El Greco e Goya que chegaram a Roma intactas. Com pedido de desculpas, os Americanos pagariam – com o governo italiano – a reconstrução da Abadia, tal como a visitei. Após esta reconstrução, o Papa Paulo VI – durante o Concílio Vaticano II – visitou a Abadia a 24 de outubro de 1964, para consagrar a actual Basílica e declarar S. Bento Padroeiro da Europa, continente que ele tanto e tão bem ajudou a construir de raiz.
Todos, em todos os tempos e lugares, precisamos de referências. S. Bento, com esta proposta de equilíbrio entre a oração e o trabalho, entre a ação e a contemplação, é um ponto de referência obrigatório para a Igreja e para o mundo. A sua festa celebra-se a 11 de julho.