Moçambique: País enfrenta «catástrofe humanitária» com deslocados e falta de alimentação

Organização não-governamental para o desenvolvimento Helpo está no terreno para auxiliar as crianças no regresso à escola e alerta para «dramas e traumas» muito grandes

Projeto Karibu EPA/JOAO RELVAS

Lisboa, 17 abr 2021 (Ecclesia) – Carlos Almeida, da organização não-governamental para o desenvolvimento Helpo, alertou hoje para a “catástrofe humanitária” a acontecer em Moçambique, com ajudas “insuficientes” para responder ao drama das pessoas que vivem em Pemba e que estão a receber famílias deslocadas.

“Conheço situações de famílias de 10 pessoas que receberam mais 20 pessoas em casa. O conceito de família alargada é muito presente em Moçambique, onde os primos são filhos e irmãos. Quando chegam, chegam muitos. E há famílias muito pressionadas, que viviam bem mas agora têm o dobro de bocas para alimentar”, conta à Agência ECCLESIA o coordenador de projetos da Helpo, em Moçambique, chegado a Portugal há dois dias.

Carlos Almeida critica a “desvalorização” da comunidade internacional, perante um problema que teve início em 2017, com os primeiros ataques por parte de grupos “insurgentes” que se reconhecem com ligação ao Estado islâmico, que assaltavam aldeias para queimar casas, matar e sequestrar.

“Foi noticiado em Portugal mas só agora a comunidade internacional acordou, talvez por ser perto da Total, (petrolífera em Palma) e envolver portugueses. Está a dar-se agora a importância que devia ter sido dada há mais tempo”, sublinha.

Para Carlos Almeida o drama dos “refugiados” está a afetar a população residente, “famílias que acolhem”, que deixa de ter condições para viver.

“Há um esforço do governo, mas as ajudas são insuficientes”, indica, perante 700 mil deslocados que não param de aumentar.

“Vou ouvindo muitas historias no contacto com famílias. 700 mil é um número, mas cada história é um drama. São pessoas que fugiram das aldeias como resposta aos ataques. A maior parte sai porque os terroristas chegam para queimar casas, matar e raptar. Saem sem nada, sem documentos… São 700 mil historias destas”, relata.

O responsável alerta para a disseminação de notícias que dão conta da destruição de locais que têm como objetivo criar insegurança e medo, mas que se comprovam falsas e sublinha sentir-se em segurança não entendo ainda uma “ameaça real” para a sua presença no país.

Carlos Almeida conta que a “luta” da ONGD persiste para “ver o lado bom das coisas” e por isso, daqui a três semanas está de regresso àquele país para dar continuidade ao trabalho de ajuda e formação educacional às crianças.

Projeto Karibu, Helpo no Bairro de Mahate, em Pemba, Cabo Delgado EPA/JOAO RELVAS

“Desde o início do ano letivo andamos atrás das crianças para regressarem à escola. Tem sido montar um puzzle gigante. Encontramos 10 crianças que estávamos a apoiar que viajaram 600 quilómetros e seis desses meninos já estavam a estudar. Providenciamos material escolar e pagámos uniforme, tal como faríamos normalmente”, regista.

Carlos Almeida sublinha que “resiliência” é a melhor palavra para descrever um moçambicano, que recomeça apesar “do que deixou para trás e da sua história pessoal”.

As escolas primárias estão lotadas, explica e, se antes cabia sempre mais um, a pandemia veio alterar esse acolhimento natural nas instituições de ensino.

O projeto da Helpo, Karibu, que significa «bem-vindo», que se encontra no bairro Mahate, para apoiar duas escolas primárias, quer também ir para além dos sorrisos e ajudar a ultrapassar os “dramas e traumas” que as crianças têm.

“É necessário um grande apoio psicossocial a esta população porque os traumas são grandes”, evidencia.

O projeto conseguiu alcançar cerca de 600 crianças deslocadas que não se encontravam a estudar, conta Carlos Almeida.

“Uma menina que conheço desde 2011, está na escola secundaria, e conseguiu continuar a estudar. E agora mais animada porque a Helpo a encontrou. São estas historias que nos enchem de força para continuar”, destaca.

Pressentes em seis locais da província de Cabo delgado, Pemba, Ancuabe, Mecufi, Metuge, Montepuez e Mocímboa da Praia, a organização quer continuar a apoiar as famílias, e as crianças para que continuem os seus estudos, e ajudar as comunidades locais para que possam ultrapassar a “catástrofe” que o responsável Carlos Almeida teme.

LS

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Agência ECCLESIA

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