Homilia da Vigília Pascal de D. Francisco Senra Coelho
1 – .Como nos alerta a introdução ao Missal a celebração anual da Morte e Ressurreição do Senhor tem o seu ponto culminante na Vigília Pascal, coração da Liturgia cristã, centro do ano litúrgico, a mais antiga, a mais sagrada, a mais rica de todas as celebrações, «a mãe de todas as vigílias». (Santo Agostinho). Eis-nos, na ditosa noite, em que o Céu se une à terra, em que o homem se encontra com Deus, conforme canta o Precónio Pascal.
2 – Como reflete o Irmão Jean-Maria da Comunidade de Taizé: «Falar sobre a ressurreição leva-nos ao limite do que as palavras podem dizer. Afinal de contas, na vida tal como a conhecemos, o que é mais final, mais certo do que a morte? Se pensar sequer em tais coisas nos deixa muitas vezes perdidos, como imaginar que as palavras poderiam ocorrer-nos facilmente? Não é surpreendente que os cristãos se tenham voltado frequentemente para a arte e para a música para os ajudar a expressar quais as palavras que têm tanta dificuldade em articular. Os símbolos usados na liturgia cristã – quer seja a luz do círio pascal, a água do batismo ou o pão e o vinho da Eucaristia – também ajudaram gerações de crentes a viver a fé de que Deus está verdadeiramente connosco e que a morte não tem a última palavra. Mas nós, humanos, somos criaturas falantes e as palavras são a nossa moeda mais comum, por isso devemos falar e falamos.
O que impressiona ao ler e reler as palavras que os evangelistas usam para falar sobre a Ressurreição de Jesus é quão próximo estão os Evangelhos desse tipo de palavras de busca. Não creio que seja exagero dizer que os Evangelhos até lutam por assim dizer, para colocar a ressurreição em palavras. Trata-se de algo que é, de facto muito difícil de descrever. A certa altura São Paulo expressa-o como “o que nenhum olho viu, nem ouvido ouviu, nem o coração humano concebeu” (1Cor 2, 9)».
Irmãos acompanhados pela Palavra do Evangelho, a maravilhosa noite que viu ressuscitar Cristo, que se definiu como a Luz do mundo. Nesta admirável noite, a morte foi vencida pela ressurreição do Senhor da vida.
Guiados pelo Evangelista Marcos, acompanhemos as santas mulheres, Madalena, Maria e Salomé, que se dirigiram ao túmulo para ungir com perfumes o corpo de Jesus. Abramo-nos com elas à feliz surpresa de encontrar o túmulo vazio, com um anjo a dar a explicação certa: «Ressuscitou, não está aqui». Recebamos a missão de comunicar tão maravilhosa notícia, sobretudo com o testemunho da nossa vida convertida pela fé em Cristo, vencedor de todas as mortes.
Como sabemos, para os judeus o pôr do sol marca o fim do dia e o princípio do dia seguinte, neste caso o primeiro dia da semana, que para os cristãos é o Domingo. A Ressurreição de Jesus, introduz-nos em nova era, que está para além do tempo, para lá desta criação que culmina no sétimo dia o Sabat, que levou, por isso, os antigos a chamarem ao Domingo o oitavo dia, ou seja, Tempo Novo. As mulheres que acompanharam Jesus ao longo da sua vida apostólica e O seguiram até ao Calvário são agora também quem recebe primeiro a notícia da sua Ressurreição e são enviadas a levar essa Boa Nova aos discípulos, e antes de todos, a Pedro, que vai estar à frente da comunidade cristã.
3 – Como nos lembra o Missal, «Misteriosamente presente no meio da assembleia cristã, o Senhor Jesus renova, nesta grande acção sacramental, que é a Vigília, o Seu Ministério Pascal, inserindo-nos nele, fazendo-nos assim passar com Ele das “trevas à Sua Luz admirável” (1Pd 2, 9).
Esta “passagem” da morte do pecado à vida da graça realiza-se, em primeiro lugar, pelo Batismo. Ser batizado é, na verdade morrer com cristo para com Ele ressuscitar. “A água do batismo é o Mar Vermelho, que traga as forças do mal, e liberta o Povo de Deus; é o sepulcro do Calvário, onde é deposto o homem corruptível e donde sai vivo, o homem novo”. Por isso a Igreja, desde a mais alta antiguidade, pensou que o melhor meio de celebrar o Mistério Pascal era batizar, nesta noite, os seus catecúmenos e levar os batizados a reviver a própria ressurreição e a tomar consciência do seu nascimento como Povo de Deus». Unamo-nos aos muitos catecúmenos hoje batizados nos cinco Continentes e renovemos as promessas do nosso próprio batismo.
Sim, nesta Noite Santa, somos todos convidados a reviver as promessas batismais, a renascer na alegria Cristã. Como nos lembra o Papa Francisco: «Se Cristo ressuscitou, é possível olhar com confiança para cada acontecimento da nossa existência, mesmo para os mais difíceis, cheios de angústia e incerteza. Esta é a mensagem pascal que somos chamados a proclamar, com palavras e, sobretudo, com o testemunho de vida». E nós concretizamos este ensinamento do Bispo de Roma no desafio Discípulos Missionários da Esperança pelo acolhimento e pela procura dos sequiosos da Esperança e sentido para a vida.
De facto, perante o Mistério da Ressurreição de Cristo, «um cristão nunca pode perder a Esperança nem estar triste porque encontrou Cristo, que deu a vida por ele” (Papa Bento XVI). «A alegria do Senhor é perfeita! Se estamos com Ele, ela nunca nos faltará. Vamos estar alegres o tempo todo? Não. É impossível, diante de diversos factos da vida. Mas é possível cultivar a alegria. Busquemos na fé a sua constância. Podemos ser como o bambu: vergar com os ventos e as tempestades, mas continuar com as nossas raízes firmes. Uma receita simples para cultivar a alegria: meditar a Palavra de Deus diariamente, pois ela nos fortalece e move as nossas acções na direcção certa. Desse modo, nada sufocará a nossa alegria, ainda que nem sempre ela apareça».
Santa e Luminosa Páscoa para todos!
+ Francisco José Senra Coelho, Arcebispo de Évora