Homilia do bispo de Santarém na celebração da Paixão do Senhor

Irmãos e irmãs

Aqui estamos, neste dia de Sexta feira Santa, para celebrar a Paixão e a Morte do Senhor. A densidade espiritual desta hora consiste em nos fazer participantes da entrega de Cristo que havia de explodir em vida para o mundo. Não temos a celebração da Eucaristia, temos a escuta da Palavra, a oração, a Adoração da Cruz e a Sagrada Comunhão da reserva da Missa da Ceia do Senhor que ontem celebrámos.

A Palavra de Deus ajuda a centrar-nos no mistério da Páscoa. O centro é Cristo na sua Cruz diante do qual se pede silêncio, serenidade e contemplação.

A Palavra do Profeta Isaías, que Jesus bem conhecia e que escutámos na primeira leitura, tem uma mensagem contra corrente. É difícil encontrar utilidade e significado positivo à dimensão do sofrimento. Porém, o Servo sofredor apresentado por Isaías, é comovente; é alguém que assume livremente o sofrimento com uma dimensão positiva porque o que está em causa tem um valor imenso. Trata-se de um combate para assegurar a libertação da humanidade do poder do mal que a escraviza. É alguém que está disposto ao martírio para dar vida às nações. “justificará a muitos e tomará sobre si as culpas das multidões”.

Os cristãos releram e interpretaram que o Servo sofredor, apresentado pelo Profeta Isaías, se concretizou na pessoa de Jesus. É Ele o Messias esperado, anunciado pelos profetas, e também o sofrimento foi previsto, não faltando os detalhes de que seria vítima.

Na verdade, Jesus assume que a salvação que vem trazer à humanidade, passa pela humilhação e pela cruz. Na narração da Paixão, sozinho na sua defesa, Jesus revela resistência, nobreza e fidelidade; não se desvia nem esconde a verdade que é a causa da sua condenação; Ele é o Filho de Deus.

Fiel à vontade do Pai, mesmo sem sentir a sua presença, Jesus entrega-se confiadamente: “Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito”. É a hora de Jesus. Defendem alguns investigadores, que Jesus morreu na cruz à mesma hora em que no templo de Jerusalém eram sacrificados os cordeiros. Ele é o verdadeiro Cordeiro de Deus porque assume os pecados da humanidade para a renovar e reconciliar. A Cruz é para os cristãos símbolo de martírio e de vitória: martírio porque o Senhor testemunhou até ao extremo o Amor que salva, vitória porque Jesus não foi vencido. Nem a morte o venceu.

Olhando a cruz, contemplamos a quanto chegou a vinda de Deus ao mundo na pessoa de Jesus. Contemplamos um Amor de doação total e, ao mesmo tempo, a cegueira da humanidade que não se deixa amar e rejeita a justiça e a paz.

Na contemplação e adoração da Cruz, sugiro a consideração de três dimensões da salvação operada por Cristo:

1º- Jesus entregou-se por cada um de nós. Na Cruz, do seu peito jorrou sangue e água. Perdoa-nos, purifica-nos, dos nossos pecados, partilha connosco o mesmo Espírito de Amor que n’Ele residia e alimenta-nos para que, em esperança, testemunhemos a sua luz e o seu amor.

2º- Jesus, ao ter “penetrado nos céus como refere a Carta aos Hebreus na Leitura que ouvimos, não abandonou a humanidade. Por isso, ao contemplar a sua cruz, podemos ter presente as muitas pessoas, nossos semelhantes, que carregam uma cruz mais pesada, numa doença incurável, numa deficiência profunda, numa violência de que foi vítima, num esforço de trabalho esgotante ou numa gestão complicada da vida em família. Os milhares de pessoas que em diversos países, são perseguidas, exploradas, traficadas e outras mortas por forças terroristas. Na cruz, Jesus disse “tenho sede”. Há interpretações diversas acerca desta sede de Jesus. Mas uma coisa é certa, também hoje Jesus tem sede nos milhões de pessoas que não têm água potável para beber e que, por causa disso, apanham muitas doenças.

Sabemos do Evangelho (cf. Mt 5 e 25), que Jesus quer estar identificado com os pobres e atribulados. Por isso, a Igreja tem de estar identificada com Cristo, na causa pelos pobres no mundo, embora sabendo que não é fácil. O cuidado pelos outros, foi onde Cristo gastou mais tempo, faz parte da essência e da missão da Igreja.

3º- Jesus entregou-se por todos, por toda a humanidade. Ele não veio para condenar, mas para que todos tenha vida. Assim, a oração que fazemos, especialmente nas preces de Sexta feira santa, tem uma dimensão universal, também pelos não crentes, pelos atribulados e pelas vitimas da pandemia que atinge o mundo na hora presente.

Irmãos e irmãs, os discípulos de Jesus não conseguiam digerir o aparente fracasso da condenação, sofrimento e morte na cruz. Foi necessário que o Senhor Ressuscitado lhes lembrasse a Palavra da Escritura, como aconteceu com os dois discípulos desiludidos, a caminho de Emaús: “Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para acreditar em tudo o que os profetas tinham anunciado! Não tinha o Messias de sofrer estas coisas para entrar na sua glória?” (Lc 24,25-26).

A Cruz simboliza a comunhão entre o céu e a terra, como um abraço de Deus a toda a humanidade. Sempre que fazemos sobre nós mesmos o sinal da cruz, estamos a assumir uma identidade e uma adesão a Cristo que na Cruz nos revela o Amor fiel, generoso e vitorioso.

Junto à cruz de Jesus, no calvário, estava Maria, sua Mãe, e o seu discípulo João. Isto é, estava a Igreja. Também hoje, a mesma Mãe, Nossa Senhora da Piedade, nos acompanha, preocupada connosco e com os pobres do mundo inteiro.

D. José Traquina
Bispo de Santarém

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