Homilia de D. José Cordeiro na Missa Crismal 2021

«Padre com coração de pai» no Ano de São José

Admirável José: pai, esposo e servo

Não temos nenhuma indicação que nos permita saber se São José estava presente na sinagoga de Nazaré quando Jesus leu as escrituras e construiu a homilia do Hodie eterno. Podemos crer, no entanto, que São José era um homem praticante no pleno sentido da palavra.

O Grande José amou a Virgem Santa Maria e a Jesus do modo mais pleno e por eles deve ter sofrido no quotidiano. Na verdade, «quem nunca sofreu pergunte a si próprio se alguma vez amou» (J. Maritain).

Ninguém nasce pai, torna-se pai, antes de tudo, sendo filho. Os sete traços acerca da paternidade pelo amor do coração do admirável José, que o Papa Francisco apresenta na carta Patris Corde, são deveras inspiradores: Pai amado; Pai de ternura; Pai na obediência; Pai no acolhimento; Pai com coragem criativa; Pai trabalhador e Pai na sombra.

Com alegria grata do coração celebramos este ano de graça. De facto, há 150 anos, São José foi proclamado padroeiro universal da Igreja e há mais de 50 anos foi celebrado como padroeiro do II Concílio do Vaticano. São José é guardião do nosso seminário, casa pastoral aberta a todos e de muitas casas de formação, pessoas e instituições.

Sonhar à grande

É notório que o essencial mostrado nos evangelhos trouxe algum adormecimento em relação a São José. Todavia é notável que o que não conhecemos em palavras, conhecemos em sonhos e em obras. O anjo a José só aparece em sonho, «mas num sonho que é realidade e revela realidade. Mais uma vez é-nos apresentado um traço essencial da figura de São José: a sua perceção do divino e a sua capacidade de discernimento» (Bento XVI). Não tenhamos, pois, medo de ir a São José e ser como ele, recebendo Deus no coração e na inteligência e de O comunicar na alegria da fé, da esperança e da caridade.

O nome José significa Deus acrescenta, provindo do verbo iasàf – acrescentar e multiplicar. Na verdade, «A felicidade de José não se situa na lógica do sacrifício de si mesmo, mas na lógica do dom de si mesmo» (Patris Corde, 7). O Admirável São José acrescente e multiplique à Igreja as vocações para serem enviados a acrescentar o Evangelho da Esperança no mundo contemporâneo.

Nesta Missa, ao consagrarmos o azeite já misturado com o perfume para o Santo Crisma, assim rezamos: «derramai com abundância os dons do Espírito Santo sobre os nossos irmãos, assinalados com esta unção; marcai com o esplendor da santidade os lugares e objetos ungidos com os santos óleos e acima de tudo fazei crescer a vossa Igreja pelo mistério deste azeite, até que ela atinja aquela plenitude em que Vós, no esplendor da luz eterna, sereis tudo para todos».

O perfume da unção “cristifica-nos” e torna-nos reconhecidos e gratos às pessoas, que, como São José, estão exteriormente escondidos, mas são interiormente presentes. Elas harmonizam um serviço inestimável na narrativa da humanidade e fazem, responsável e solidariamente, com que a vida aconteça em cada dia nos muitos lugares e bens essenciais.

São José é protetor e, ao mesmo tempo, modelo operativo. Como São José somos chamados a ser artesãos de Esperança. Nas diferentes épocas culturais, a devoção e reflexão eclesial salientou algumas virtudes de São José: a fé; a obediência dedicada e silenciosa às manifestações da vontade de Deus; a piedade sincera; a fortaleza nas provações; o amor a Maria; a paternidade de Jesus; o trabalho escondido e a simplicidade de vida autêntica.

Alegres servidores da Esperança

A alegria é muita séria! Com razão escreveu Romano Guardini: «O desejo do homem é alcançar a alegria do coração. (…) A verdadeira alegria é irmã da seriedade; onde está uma, encontra-se também a outra». Sob a inspiração de São José, sempre que dissermos: “Senhor eu quero o que Tu quiseres”, nasce a alegria do coração que é um caminho de liberdade e de paz. A alegria do coração leva-nos igualmente ao cuidado integral na relação com Deus, com os outros, connosco, com o mundo, com a história, com a casa comum e o bem comum.

D. Tonino Bello, um dia escreveu uma carta a São José, que intitulou – a carícia de Deus – e disse-lhe entre tantas outras coisas, esta sublime verificação: «Este é talvez o sacrilégio mais grave da nossa civilização. Acreditamos que para fazer uma mesa seja suficiente a madeira. Ó Deus, conseguimos até admitir que para fazer a madeira seja necessária a árvore e que para fazer a arvore seja necessária a semente e, por fim, que para fazer a semente seja necessária a flor. Mas não temos ainda a coragem de concluir que para fazer a mesa seja necessária uma flor, e deixamo-lo só dizer aos poetas».

O grande e admirável José é o guardião dos mistérios de Cristo que celebramos na Liturgia, especialmente no Tríduo Pascal. Que ele nos ensine a partilhar o pão, a água, o vinho, como sinais da simplicidade, da generosidade e beleza da festa da fraternidade e da amizade. José de Nazaré é o «servo fiel, humilde e silencioso», homem justo, paciente e prudente, «patriarca do silêncio e do trabalho». De facto, a Liturgia, ao celebrar os mistérios da vida do Salvador, sobretudo os do nascimento e da infância, comemora frequentemente a figura e o papel de São José como silencioso peregrino da fé. O Bem não faz barulho e o barulho quase nunca faz bem.

A indulgência é um dos meios através dos quais a Igreja apoia o nosso processo de conversão profunda. Como dizia o grande teólogo Karl Rahner: «a indulgência não substitui a atividade intensa do amor (…); ela é mais a ajuda da Igreja para favorecer a obra sempre difícil do amor».

Com efeito, só o amor converte, por isso, o coração de São José é paciente, manso e humilde, como o de Jesus (cf. Mt 11, 29). Nós, seus discípulos missionários temos aqui o marcador identitário para um entusiasmo renovado e criativo e não autorreferencial. O amor de São José é sempre gratuito. O amor e a amizade autênticos não se cobram nem se negociam. Tenhamos, pois, cautela para não cultivar a amargura do coração, porque um coração amargo cai quase sempre na inveja e no prejuízo crítico sobre o próximo. A amargura não nos transforma em filhos e amigos de Deus em Jesus Cristo, mas só em submissos ou profissionais do sagrado na lógica do mérito sem acolher o Dom da Graça.

No rito da Ordenação dos Presbíteros na tradição Bizantina, durante a oração própria de ordenação pronunciada pelo Bispo, o novo presbítero mantém-se com o ouvido e a cabeça em cima do altar num dos quatro cantos do altar. Este gesto significa o dom da graça para escutar Cristo e a Igreja e ser, ao mesmo tempo, beijado por Cristo e pela Igreja.

Nesta atitude, também nós sublinhamos como escutámos na segunda leitura: «Àquele que nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus, seu Pai, a Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amen» (Ap 1, 5-6).

+ José Manuel Cordeiro

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