LUSOFONIAS – O Natal mais especial…

Tony Neves, em Roma

Nunca tal assim tinha acontecido, que eu me lembre. Mas a vida é mesmo feita de surpresas e de novidade e temos que estar preparados para tudo.

Até agora foi sempre mais ou menos assim: com o andar do Advento, fazíamos o Presépio. Depois, íamos juntando as prendas a dar à família e aos amigos chegados. Nas vésperas, redobrava a azáfama das limpezas e preparativos das consoadas. No meu Norte de Portugal, era preciso descascar muitas batatas e preparar couves, pôr o bacalhau a demolhar, fazer rabanadas e picar castanhas…Enfim, também havia tempo para pensar na Missa do Galo e na caridade para com pobres e instituições que os apoiam, ao longe e ao perto. Depois, era só esperar pela noite do dia 24, reunir a família, comer os pratos típicos, trocar as prendas…e viva a festa!

Ora, a covid virou as tradições do avesso, obrigando-nos a viver esta festa segundo outros modelos. Muitas famílias perderam entes queridos, outras viram os seus empregos fugir ou abanar. Sobretudo, todos percebemos que o mundo tremeu e nada será como dantes. Esta ideia de regressar ao passado, do ‘tudo ficará bem’, de querer voltar ao ‘velho normal’…não tem pernas para andar, nem faz qualquer sentido. Esta pandemia abriu as portas ao futuro, questionou e abalou as nossas falsas seguranças em que assentávamos a vida. Parece-me que o problema é mesmo nosso: não conseguimos fazer nada de novo, queremos – como o Papa denunciou na ‘Alegria do Evangelho’ – continuar a apostar no ‘sempre se fez assim’. Não, o amanhã não será assim, será diferente e poderá ser melhor. O Papa Francisco lembrou, mais recentemente, que de uma pandemia ninguém sai igual: ou sai melhor ou sai pior. Há que escolher e assumir as consequências da opção feita!

A gravidade da situação que o mundo vive não mata o humor que, apesar da tragédia, continua a dar espaço à esperança em dias melhores. Circulam muitas imagens e textos humorísticos de que recordo o mais divulgado e conhecido. Há um protocolo pandémico para o presépio 2020:  ‘o número máximo de pastores será de 5, que deverão obrigatoriamente usar a máscara e manter a distância de segurança (2 metros); não será permitida a presença do Anjo Gabriel, devido ao seu bater de asas que provoca um efeito aerossol; por fazerem parte do agregado familiar, São José, Maria e o Menino podem estar juntos no presépio, mas devem colocar um cordão de segurança a 2 metros da manjedoura; O presépio deve ser frequentemente higienizado e arejado; os Reis Magos devem vir uns dias antes para cumprirem a quarentena e fazerem o teste à covid e deixarão os camelos na última povoação confinada por onde passaram; todo o pessoal não essencial (lavadeiras, banda de música, os Romanos de Herodes, etc) está proibido de participar nesta edição’. Bom, viva o bom humor que não nos impede de olhar com dor para os dramas que afectam milhões de pessoas por esse mundo além.

O meu Natal será passado em Roma onde as tradições da minha aldeia não existem. Viverei esta festa grande com os meus confrades que são cidadãos de muitos países e continentes, desde a Tanzânia aos Estados Unidos, da Irlanda aos Camarões, do Congo Brazzaville a Portugal, da Nigéria ao Brasil, da Suíça a Moçambique, da França ao Senegal, da Escócia à Polónia. Muitos mundos dentro de uma só casa a tentar viver como uma só família, ganhando todos com a riqueza de tanta diversidade.

Na Missa da Meia Noite (aqui não se chama nunca ‘Missa do Galo’!), evocaremos os quase três mil Missionários Espiritanos espalhados pelo mundo, bem como os milhares e milhares de Leigos que partilham a nossa Espiritualidade e Missão. E rezaremos por todas as situações e pessoas para quem o Natal não será momento de alegria, tal a tragédia que tomou conta das suas vidas sofridas.

Cristo nasceu há dois mil anos para trazer ao mundo a justiça, a paz, o amor e a alegria, os grandes valores do Reino de Deus. Como estamos mais de dois mil anos depois? Longe do objetivo! Mas não é tempo de atirar a toalha ao chão. Vamos continuar a lutar por um mundo mais humano, mais fraterno e mais cristão. Estão nas nossas mãos as ferramentas necessárias para esta construção.

Cristo vai nascer e essa será sempre uma excelente notícia. A Paz e o Amor que irradiam do Presépio de Belém vão ajudar a mudar a história. Mais uma vez e como sempre. Abramos o coração.

Desejo que haja mais Natal este Natal, com lugar cativo para o Menino Deus que nasce.

 

 

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Agência ECCLESIA

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