Rui Ferreira, Arquidiocese de Braga
1 – A Arquidiocese de Braga é, por estes dias, uma Igreja em expectativa. Com o pedido de renúncia de D. Jorge Ortiga, apresentado em março de 2019, aquando do seu 75.º aniversário, temos consciência da mudança que se perspetiva e que ocorre após duas décadas de intensa ação pastoral. Esta expectativa ficou bem explícita pelo próprio D. Jorge Ortiga na mais recente nota pastoral dirigida ao clero, na qual, apelando à “responsabilidade espiritual e eclesial”, sublinha o desejo de “um pastor para os dias de hoje” que atenda “às necessidades concretas deste povo do Minho”[1]. Este artigo não pretende fazer a, sempre aliciante, discussão de eventuais candidatos ao lugar, até porque tal decisão está dependente unicamente da Santa Sé. Obviamente que, a título pessoal, há quatro bispos que me parecem ter o perfil mais oportuno. No entanto, a nossa pretensão é compreender o contexto que o novo Arcebispo Primaz vai encontrar.
2 – Nas duas décadas de prelazia de D. Jorge Ortiga a Arquidiocese de Braga experimentou um período de enorme progresso pastoral. O facto de ser liderada por um pastor que, não apenas é proveniente do território arquidiocesano – facto raro na história bracarense – mas que deteve um peculiar papel de proximidade e perceção do seu múnus, primeiro como Vigário para o Clero, mas especialmente na coordenação do 40.º sínodo diocesano, já como Bispo Auxiliar. Quando assumiu o sólio arquiepiscopal conhecia a sua diocese como ninguém, facto que lhe permitiu um desempenho singular na missão que lhe foi confiada. Mas, que diocese é esta?
3 – O novo Arcebispo Primaz vai encontrar, além de infraestruturas atualizadas, uma diocese devidamente organizada nos diversos setores da pastoral, aprovisionada de organizações internas que facilitam a participação de todos, sacerdotes e leigos, no quotidiano eclesial, e na vanguarda em dimensões tão relevantes como a formação e a comunicação social. Trata-se de uma arquidiocese espartilhada em mais de meio milhar de paróquias, contando quase um milhão de habitantes e que conta com um peso histórico, onde é imperativo um contínuo processo de atualização da tradição e da religiosidade.
4 – Consciente, não apenas da quebra nas vocações sacerdotais, mas também nas dinâmicas que a sociedade vai imprimindo à Igreja, a Arquidiocese foi preparando o seu clero, especialmente a partir do seminário, para uma nova realidade[2]. Hoje já não se aplica a regra de um sacerdote por paróquia, mas foram sendo criadas unidades pastorais que permitem a formação de pequenas comunidades de sacerdotes que partilham entre si um conjunto alargado de paróquias e obras. Porém, além do espírito fraterno que provoca no presbitério, este processo implica uma crescente partilha da missão com os leigos.
5 – Se analisarmos a missão de D. Jorge Ortiga percebemos uma progressiva abertura da Igreja aos leigos, dando seguimento à renovação implementada pelo Concílio Vaticano II que, no pressuposto de uma vocação universal à santidade, considera os leigos “como parte ativa na vida e ação da Igreja”[3]. Hoje a Arquidiocese de Braga, apesar de deter ainda o maior presbitério em Portugal, apresenta-se desclericalizada nas suas estruturas. A missão descentrou-se apenas da figura do sacerdote, e é partilhada com os leigos, na sua execução, mas também na sua génese. A ideia de que todos somos Igreja é uma realidade com especial evidência no território bracarense. Contudo, não se basta em simples e sucessivos atos de confiança, mas assenta em propostas de espiritualidade e formação contínua.
6 – Na nota de abertura daquele que será porventura o seu derradeiro ano pastoral, D. Jorge Ortiga volta a sublinhar a importância de uma Igreja nas periferias, renovando o insistente apelo para uma proximidade junto dos mais frágeis, nomeadamente dos doentes e dos que andam tristes, mas especialmente dos desempregados e de todos os que se vêm mais afetados pelas crises que afetam a sociedade. Nas periferias estão também as pessoas com limitações físicas, morais ou psicológicas, que são as vítimas preferenciais da discriminação da sociedade. Neste âmbito enquadra-se ainda a especial (e necessária) integração de homossexuais e recasados. Já foram sendo dados alguns passos, mas o futuro trará certamente maiores desafios. Porque a Igreja de Jesus Cristo deve ser sempre a casa de todos.
7 –É importante ainda referir o imprescindível papel da Igreja bracarense na Cultura[4], nomeadamente na divulgação e valorização do património em todo o seu território, mas com particular proeminência na cidade de Braga, da qual os Arcebispos foram “Senhores” até 1790. Além do relevante papel desempenhado pelas múltiplas instituições de solidariedade social, existe uma responsabilidade acrescida no património, onde se destacam os templos, verdadeiros empórios de arte e beleza, mas também dois museus. As dinâmicas religiosas, tão relevantes na fisionomia bracarense, são estimuladas pelos santuários do Sameiro e Bom Jesus e pelas solenidades da Semana Santa. Há ainda um centro cultural chamado Espaço Vita.
A Arquidiocese de Braga encontra-se, pois, num tempo de especial expectativa, no entanto, convém não esquecermos que D. Jorge Ortiga ainda está no pleno desempenho da sua missão como Arcebispo Primaz.
Rui Ferreira
[1] D. Jorge Ortiga, Nota Pastoral na abertura do ano 2020/2021
[2] https://correiodominho.pt/noticias/jorge-ortiga-no-futuro-vamos-ter-menos-lugares-de-culto/121985
[3] Concílio Vaticano II, “Decreto “Apostolicam Actuositatem” sobre o Apostolado dos leigos, 10.
[4] https://www.snpcultura.org/relacao_igreja_cultura_d_jorge_ortiga.html