Mães na sociedade hodierna

A associação do dia da Mãe ao mês de Maio surge nos como inevitável, não só mas também, devido à ampla e tentacular matraca publicitária. Viajar só, em percursos mais ou menos longos, em transportes públicos, permite nos observar e reflectir sobre molduras familiares dignas de reparo. Estou no comboio alfa pendular. Aqui, ouve se uma grávida a lamentar se, longamente, pelo facto de se sentir deformada, por ter perdido linhas esbeltas e a possibilidade de vestir jeans provocadores. Vai maldizendo o seu estado de graça, por ser um empecilho ao seu desenvolvimento académico profissional, por um sem número de razões que não passam de um arrazoado absurdo de enunciados ilógicos e egoístas. Além, uma mãe viaja, desesperada e exasperada, com uma filha de uns cinco anos e um bebé de escassos meses. Denuncia falta de paciência e uma exaustão depressiva face às solicitações da mais velha, que dificilmente angaria atenção e desvelos em relação ao bebé, que tosse imparavelmente. Está farta e amaldiçoa, muito provavelmente, em segredo, a cruz da maternidade. Eu viajo só e sinto, naturalmente, saudades do meu filho. Aproveito, num intervalo do trabalho que tenho em mãos, para reflectir sobre a questão da distância física entre pais e filhos e nas suas implicações em situações de longas ausências motivadas, por exemplo, por razões profissionais. Penso nas consequências várias, quando não nefastas, em termos de estruturação da personalidade dos pequenos, obrigados a gerir as saudades dos pais. Anoto a necessidade de acompanhamento afectivo ou reforço do mesmo, por parte de outros familiares/educadores. Mas também não posso obliterar a questão da distância afectiva que constato, decorrente do cansaço geral que corrói relações, minando a paciência, virtude em vias de extinção. Com efeito, num mundo dominado por workshops a propósito de tudo e de nada, estranho não ter notícias de momentos formativos dedicados a agilizar e desenvolver a nossa capacidade de sermos pacientes connosco, com os outros, com os nossos filhos, com a nossa família. De repente, evoco um fenómeno que li, por acaso, num periódico microfilmado do século XIX (A Revolução de Setembro, de 30 de Maio de 1889, nº14.026). A acreditar no jornal em questão, tinha morrido uma senhora (que aparece identificada no texto), em Viana do Castelo, que vivera vinte anos com um feto de sete meses na ilharga esquerda, facto que ficou atestado com a sua autópsia. Neste momento, não considero relevante a veracidade da notícia. Ocorre-me somente que a situação daquela mulher não é muito diferente da de tantas mães que evidentemente não têm os filhos dentro delas, mas dentro dos seus limites físicos, coabitando com eles num mesmo espaço supostamente afectivo. E ainda assim agem como se eles não estivessem lá, exluindo-os do seu amor, da sua paciência, da sua atenção. Claro que esta situação traz igualmente a lume, nos antípodas, o caso das mães que enclausuram os filhos cultivando ligações de dependência, não lhes permitindo crescer, emanciparem-se como pessoas capazes de sobreviverem nestes tempos hostis. Entretanto, aquela mãe com os dois filhos sossegou, por breves instantes, ao vê-los dormirem momentaneamente. A menina ficou sem a história e foram-lhe adiadas todas as solicitações, tendo sido protelado o carinho para outro momento igualmente complicado em termos de gestão do tempo familiar. Não é fácil ser mãe nestes dias céleres, frios, stressantes, profissionais, crivados de crises. Não é fácil ser mãe quando eles adoecem, quando precisam da disponibilidade de que não dispomos. Continuo a reafirmar convictamente que ser mãe é uma benção, um privilégio, mas também uma proeza heróica, um acto de coragem e de força faraónica, uma postura de amor incondicional e a actualização de uma paciência ilimitada. Daí, a minha veemente admiração pelas mães que o são de facto. Acredito que terão alento nos momentos difíceis e dolorosos, que os ultrapassarão, tal como superaram (e superarão) as dores do parto e do pós-parto, as noites de intensa vigília sem direito a repouso, os choros intermináveis de cólicas e patologias diversas, as birras dos pequenos e os confrontos dos que ainda não são adultos, etc. Para elas (e incluo-me nelas), os meus parabéns pelo que são, pelo que lutam, pelos filhos que têm, pela família que unem e consolidam. Bem hajam! Helena Guimarães Departamento Arquidiocesano da Pastoral Familiar de Braga

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Agência ECCLESIA

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