Comunicado do Movimento de Trabalhadores Cristãos da Europa (MTCE)
A propósito do Dia da Europa – 9 de maio de 2020
Requiem por uma Europa que deve morrer, poema a uma Europa sonhada
- Nestes dias de Covid-19, estamos vendo como a sociedade, os povos e os trabalhadores se estão organizando em redes de solidariedade e de apoio mútuo. Estamos vendo o renascimento da acção comunitária e uma atenção especial às pessoas mais desprotegidas. Estamos vendo como se reconhece cada dia de trabalho corajoso dos profissionais de saúde, a centralidade das trabalhadoras domésticas e das trabalhadoras que cuidam dos enfermos e dependentes, o heroísmo de tantas e tantos santos quotidianos, como gosta de afirmar o papa Francisco, apesar de todas as dificuldades e apesar de que o vírus do individualismo estar entranhado em nós desde sempre, e mais ainda por parte deste capitalismo predador e fratricida que nos conduziu à beira do precipício.
- Por isso, se este tecido humano se esta refazendo a partir do pequeno, com muitas gotas de amor, humildade e generosidade, aspiramos a ver estas dinâmicas nas instâncias que nos governam e também nas empresas onde trabalhamos. Assim, dói-nos ver como na Europa e nas instituições comunitárias os governos dos Estados membros reproduzem em interesse próprio umas dinâmicas que já se deram, sem ir mais longe, na crise financeira de 2008, e que devem ser superadas neste momento tão grave.
- A Organização Internacional do Trabalho (OIT) alerta-nos para a chegada de uma onda de desemprego no mundo e na Europa em particular (um mínimo de 12-15 milhões de trabalhos perdidos) como não havia acontecido desde há décadas. Vimos, além disso, de uma situação de debilidade com Estados de bem-estar que desinvestiram na sua acção social e nos serviços públicos (fruto das políticas de austeridade) e um mercado laboral fortemente precarizado. É o momento de fazer política pelo bem comum e para isso, como indica o Papa Francisco, é necessário aplicar medidas que superem o paradigma tecnocrático dominante em vigor.
- Os Estados devem garantir a máxima ocupação em condições dignas e, para aqueles que não possam conseguir um emprego, proporcionar rendimentos vitais suficientes, como já está a pedir o Papa. Também é o momento para exigir aos grandes atores do sector privado empresarial – que na história recente beneficiaram do resgate público, como, por exemplo o sector bancário – um compromisso económico e ético e uma distribuição mais equitativa do excedente que criam nesta reconstrução.
- Os nossos governantes e nós que os elegemos devemos aprender com o que está a acontecer: Há que fortalecer os sistemas públicos de saúde e da protecção social; aplicar políticas de regulação para proteger os trabalhadores; reconstruir o tecido produtivo e industrial de proximidade que proporcione condições laborais dignas e minimize o prejuízo ao meio ambiente e que os cidadãos paguem um preço justo por estes produtos eticamente produzidos.
- Ninguém duvida que, depende de como a Europa enfrente a reconstrução económica e social depois da pandemia, a sua existência terá sentido (porque cumpre uma função) ou se desmoronará. Serão necessárias políticas de financiamento comum, preferentemente mutualizada, para sustentar o gasto público que se irá gerar. Este é também o momento da solidariedade, da cooperação mútua e da acção conjunta e consensualizada, A crise sanitária pôs em evidência a nossa interdependência, e o facto de os países chamados ricos viverem uma experiência de pobreza e enfermidade que os aproxima dos países mais empobrecidos abre uma oportunidade para escutar mais claramente o chamamento a mudar pessoalmente e colectivamente. É o momento para afastar, de uma vez por todas, o populismo, o erguer de fronteiras, a fabricação e tráfico de armas, a marginalização do diferente e a rejeição do imigrante. É o momento de deixar de ser credores de países pobres que já pagaram sobejamente as suas dívidas.
- O tempo da Páscoa deu-nos a ocasião de nos convertermos e de construir entre todos. E em diálogo, um modelo produtivo socialmente mais inclusivo, baixo em carbono e ambientalmente mais sustentável, em linha com as medidas que contempla o Acordo Verde Europeu. “Agora, mais do que nunca, são as pessoas, as comunidades, os povos os que devem estar no centro, unidos para curar, cuidar e partilhar” (da carta que o Papa Francisco dirigiu aos movimentos populares no passado Domingo da Ressurreição).
- Por tudo o que anteriormente foi referido, o MTCE reafirma-se nas suas opções cristãs vividas no seio do mundo operário e na sua aposta a favor das classes populares e trabalhadoras. O MTCE quer colocar todo o seu esforço para que a Europa, a nossa Europa, seja fiel a si mesma e queira que todos os seus filhos vivam com plenitude a sua condição humana e a sua dignidade de filhas e filhos de Deus. Uma Europa com o coração aberto a todos os ventos de justiça, um coração misericordioso para proteger os seus filhos mais débeis e para acolher os pobres que batem às nossas portas.