Nota da Obra Nacional da Pastoral do Turismo para o início da Época Balnear de 2019

Pastoral do Turismo e Missão

1. Introdução

Por vontade expressa do Santo Padre, o próximo mês de Outubro será vivido como «Mês Missionário Extraordinário»[1], celebrando-se, assim, o centenário da Carta Apostólica Maximum Illud, do Papa Bento XV[2], mas igualmente com o objetivo de «despertar em medida maior a consciência da missio ad gentes e retomar com novo impulso a transformação missionária da vida e da pastoral»[3], na hora presente da vida eclesial.

Como resposta à iniciativa do Papa, quis a Conferência Episcopal Portuguesa realizar um «Ano Missionário»[4], que estamos a viver, e que se prolongará precisamente até ao próximo mês de Outubro. De entre os princípios definidos pela Igreja Portuguesa, para este Ano Missionário, recolhidos do pensamento do Papa Francisco, destacamos a necessidade de «passar de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária»; bem como o convite a que a Igreja não fique entre si, sem correr riscos, mas tenha a coragem de ser uma Igreja viva, acolhedora, dos excluídos e dos estrangeiros»[5]. Convidando-nos, ainda, a que «como discípulos missionários», entremos «decididamente com todas as forças nos processos constantes de renovação missionária, pois, hoje, cada terra e cada dimensão humana são terra de missão à espera do anúncio do Evangelho»[6].

A Pastoral do Turismo coloca-se precisamente nesta perspetiva, em comunhão com o sentir e o agir da Igreja: seja no dinamismo da renovação pastoral, que não apenas de conservação, mas de renovada resposta missionária aos novos desafios colocados à Igreja; seja especificamente no acolhimento dos estrangeiros; seja, ainda, na consciência de que a atividade turística constitui uma dimensão humana em que urge anunciar o Evangelho.

 

1. Mês Missionário Extraordinário e Ano Missionário

De entre os múltiplos aspetos sublinhados pelo Papa Francisco, especialmente na sua mensagem para o Dia Mundial das Missões, do presente ano, sobressaem, para nós, alguns elementos que urge considerar, em três perspetivas complementares: a missão da Igreja, a dignidade de filhos de Deus e um verdadeiro encontro de culturas.

Desde logo, como afirma o Papa, todos somos chamados à missão, como dever que advém do «dom gratuito do batismo»[7]. O que significa que a missão não incumbe apenas a alguns ou a algumas estruturas eclesiais, mas que é constitutivo da identidade batismal de todos, como, de resto, o considera o próprio Catecismo da Igreja Católica, quando afirma que, pelo batismo, todos somos «tornados participantes na missão»[8] da Igreja. Depois, na consciência de que cabe a toda a Comunidade Eclesial, na diversidade de ministérios e de carismas, estar permanentemente em missão no mundo, fazendo-nos ver este mesmo mundo «com os olhos e o coração de Deus»[9]. Numa atitude de gratuidade e de universalidade, porquanto todos «recebemos gratuitamente o dom da vida divina e gratuitamente o partilhamos, sem excluir ninguém»[10]. Bem como, ainda, numa permanente saída missionária[11], que não é um distanciamento geográfico, mas sim a abertura de novos horizontes de presença e de acolhimento, em diálogo profundo com o mundo a que somos enviados, em permanente mutação e a exigir de nós autêntica conversão missionária[12].

Mas o fim último da missão é sempre a comunicação da graça da filiação divina, dom que Deus nos oferece e que a Igreja deve servir. Uma filiação que nos faz participantes da vida divina, nos permite reconhecer a nossa verdadeira dignidade e nos leva a reconhecer o valor intrínseco de cada vida humana.[13]

Por fim, se estas realidades se vivem e partilham em vivências pessoais e comunitárias de proximidade geográfica e cultural, nunca podem olvidar um mundo em comunicação global e, consequentemente, a necessitar de abertura a novas culturas, etnias e demais religiões. Não será demais inferir este convite da afirmação do Papa Francisco, na sua referência à Maximum Illud, do Papa Bento XV: «A abertura da cultura e da comunidade à novidade salvífica de Jesus Cristo requer a superação de toda a indevida introversão étnica e eclesial. Também hoje, a Igreja continua a necessitar de homens e mulheres que, em virtude do batismo, respondam generosamente à chamada a sair da sua própria casa, da sua família, da sua pátria, da sua própria língua, da sua Igreja Local». Se Bento XV promovia, assim, a missionação própria de uma centúria pretérita, ilumina igualmente o presente, quando a saída não será já algo de estranho, num mundo moderno que se encontra em permanente mobilidade.

 

2. Pastoral do Turismo na Missão da Igreja

A Pastoral do Turismo define-se, na sua identidade e missão, precisamente pela sua ação evangelizadora. Tal pode aferir-se dos seus objetivos fundamentais, de onde sobressai a finalidade de «iluminar a realidade humana do turismo com a Palavra de Deus»[14]. Para aí nos remetem os documentos da Igreja, particularmente as Orientações para a Pastoral do Turismo, ao afirmar: «o turismo pode ser considerado, sem dúvida, como um desses novos areópagos da evangelização, um dos vastos campos da civilização contemporânea e da cultura, da política e da economia, em que o cristão é chamado a viver a sua fé e a sua vocação missionária»[15].

E esta mesma identidade e missão são afirmadas, de uma forma bem explícita, pelo Senhor Arcebispo Primaz de Braga, em conferência proferida em Aparecida, no Brasil: «não me é muito difícil delinear a missão e a identidade da Pastoral do Turismo. Como missão, integra-se na vida da comunidade eclesial em atitude de anúncio de Deus», devendo «levar à conversão a Jesus Cristo efetuada pela alegria do Evangelho»[16]. Deixando-nos, já ali, um convite à conversão missionária: «A Igreja tem de regressar à rua para, como Cristo, percorrer os caminhos dos homens, deixando aí o odor do Evangelho, ou seja, o amor testemunhado»[17].

Mas se toda a ação pastoral no âmbito da solicitude para com a atividade turística é envolvida por este desígnio evangelizador, devemos tomar, nestas breves páginas, a relação estreita com os convites formulados pelo Santo Padre e pela Conferência Episcopal Portuguesa para o Dia Mundial das Missões e para o Ano Missionário, respetivamente.

Em primeiro lugar, a Pastoral do Turismo não pode reduzir-se a uma estrutura ou conjunto de estruturas – nacional ou diocesanas -, nem tão pouco a um conjunto de atividades avulsas propostas pela Igreja às comunidades cristãs e a quem nos visita. A Pastoral do Turismo, como toda a ação pastoral da Igreja, deve permear a vida das pessoas que trabalham nesta área da atividade humana, para que aí vivam o seu apostolado cristão. Isto é, enquanto dever de cada batizado de testemunhar o Evangelho no comum da sua vida, exige-se-nos que formemos os cristãos para o seu compromisso laical também no seio do turismo. Este será sempre um desígnio maior para a Pastoral do Turismo, sem desprimor para as demais atividades celebrativas, culturais ou de animação, que esta deve desenvolver.

Depois, devemos ajudar as comunidades cristãs a alargar o seu olhar, a sair de si, das suas estruturas, e a acolher quem nos visita, em sincera gratuidade e universalidade, sem excluir ninguém. No fundo, somos chamados a viver aquela solicitude, a que nos convida o Papa Francisco, de olharmos com os olhos e o coração de Deus aqueles que vêm até nós, seja no encontro interpessoal, seja na celebração ou vivência comunitária. Nunca nos detendo nos espaços habituais, mas indo ao encontro dos turistas onde estes se encontram, como autêntica Igreja em saída.

Como nos demais âmbitos da ação pastoral da Igreja, é missão da Pastoral do Turismo ajudar a pessoa de cada turista ou visitante a reconhecer o amor de Deus, a acolhê-lo, a celebrá-lo e a estabelecer uma relação filial com o Senhor que o chama à comunhão Consigo. Aí se descobre amado, reconhece a sua dignidade e redescobre a dignidade dos demais, a quem chama irmãos. Muitos dos momentos de lazer, constitutivos da atividade turística, no meio da natureza, na praia, nas visitas a monumentos e demais atividades, são oportunidades singulares que propiciam este encontro e celebração. Desde logo pela disponibilidade interior, que os tempos de atividade laboral nem sempre proporcionam. Daí considerarmos que os tempos de turismo e de lazer, se bem vividos, possam constituir-se como autêntico tempo de graça.[18]

Vivemos hoje num mundo cada vez mais próximo – geograficamente, devido aos meios de deslocação; culturalmente, com os meios de comunicação ao nosso dispor; e mesmo espiritualmente, com a partilha da diversidade de vivências espirituais, próprias de algumas comunidades e culturas. Um dos riscos desta proximidade é a diluição cultural ou espiritual próprias diante de outras expressões culturais ou espirituais, eventualmente mais atrativas pelo seu exotismo. Ou, não raro, uma pretensa síntese, que nada mais é senão um sincretismo empobrecedor, onde se procuram traços específicos de várias culturas e espiritualidades que respondam apenas a desejos ou interesses culturais e espirituais individuais. Sem nunca abdicarmos dos valores centrais da nossa cultura e da nossa espiritualidade, a pastoral do turismo deverá promover o acolhimento e respeito por cada cultura, etnia ou religião, permitindo que todos se expressem segundo a sua identidade, celebrando, inclusive, a sua fé, mas sem nunca diluir o centro do seu anúncio: a pessoa de Jesus Cristo Vivo, o Ressuscitado! Nada impondo, mas dialogando. Na consciência de que um diálogo autêntico, em que cada um se expressa na sua identidade e acolhe a diversidade do outro, conduz ao verdadeiro encontro, à fraternidade e à paz. E o turismo tem esta capacidade: pelo diálogo autêntico, é capaz de construir, assim, a «civilização do amor e da paz»[19], como lhe chamou o Papa João Paulo II.

 

3. Propostas de ação pastoral

   Com o intuito de ajudar as comunidades cristãs a viverem este período do ano como verdadeira oportunidade missionária, quando verificamos uma maior presença turística ou de visitantes, em busca de descanso e de lazer, em muitas das nossas estâncias turísticas ou balneares, propomos algumas indicações pastorais, que não dispensam, de modo algum, a imensa criatividade a que a missão nos apela:

  1. Acolher cada turista ou visitante, na consciência de que nada substitui o encontro interpessoal e o testemunho da caridade vivido no encontro sincero com o outro. De igual modo, formar as comunidades cristãs para o acolhimento, seja no âmbito das suas atividades e espaços de ação, seja no compromisso de testemunhar a mesma caridade cristã, nos espaços de trabalho e de atividade turística.
  2. Complementarmente, redigir uma pequena mensagem de saudação e de acolhimento, a difundir, em pequeno flyer, nos espaços de informação ou de hospedagem dos turistas ou visitantes.
  3. Desenvolver catequeses, conferências, encontros informais, saraus musicais de mensagem cristã, ou outras atividades, a propor aos turistas e visitantes.
  4. Promover a venda, em espaços apropriados, de algumas publicações que possam ajudar os turistas e visitantes a redescobrir o amor benevolente de Deus e o sentido profundo da sua filiação divina. Igual empenho deve ser posto na divulgação de publicações que formem para o sentido do compromisso cristão.
  5. Celebrar convenientemente os mistérios da fé, especialmente a Eucaristia dominical ou ferial, de modo a que os visitantes possam deixar-se conduzir até ao Senhor que os chama e sacia.
  6. Proporcionar outros momentos de celebração sacramental, especialmente da reconciliação, para que os visitantes possam viver o encontro íntimo com o Pai Misericordioso (neste sentido, tomamos já como exemplo a Vigararia de Tavira, no Algarve).
  7. Proporcionar aos visitantes outras formas de celebração da fé, incluindo algumas expressões de piedade popular, convenientemente purificadas e valorizadas, de modo a permitirem o encontro pessoal de cada um com o Senhor da Vida e da História.
  8. Afixar os horários das celebrações e demais ações da comunidade cristã e, se possível, divulgá-los nos postos de turismo, hotéis e demais espaços convenientes de informação para os turistas e visitantes.
  9. Disponibilizar o património religioso, como meio privilegiado de evangelização, acompanhando, se possível, as visitas, para que este possa ser fruído em toda a sua riqueza cultural e espiritual. Fomentar a criação, onde possível, de roteiros temáticos ligados a algumas expressões da espiritualidade cristã.
  10. Proporcionar, em casas religiosas, o turismo espiritual, para que quem usufrui de tempo de descanso possa reencontrar-se com Deus, quando o desejar.
  11. Promover alguma ação de solidariedade, a favor dos mais desfavorecidos da comunidade, envolvendo os turistas e visitantes, permitindo viver, assim, o amor de Deus, no serviço aos mais pobres.
  12. Preparar os cristãos que trabalham na atividade turística, com encontros pontuais, para a importância do seu testemunho e do seu compromisso laical junto daqueles com quem se relacionam no âmbito do seu trabalho.
  13. Ajudar cada cristão a viver o seu testemunho de fé, quando se desloca para férias, em lazer ou turismo, na consciência de que todos e em toda a parte «são pregoeiros itinerantes de Cristo» (AA. 14), procedendo como tal.

 

Luso, 06 de julho de 2019

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho

 

[1] Papa Francisco – Carta do Papa Francisco por ocasião do Centenário da promulgação da Carta Apostólica «Maximum Illud». Vaticano, 22 de outubro de 2017.

[2] Ibidem

[3] Ibidem

[4] Conferência Episcopal Portuguesa – Todos, Tudo e Sempre em Missão. Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa para o Ano Missionário e o Mês Missionário Extraordinário. Fátima, 20 de maio de 2018, nº 1.

[5] Ibidem, nº 2.

[6] Ibidem, nº 5.

[7] Papa Francisco – Batizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no Mundo. Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o Dia Mundial das Missões de 2019. Vaticano, 9 de junho de 2019.

[8] Catecismo da Igreja Católica. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2013, p. 319, nº 1213.

[9] Papa Francisco – Batizados e enviadosOp. Cit.

[10] Ibidem.

[11] Cf. Ibidem.

[12] Cf. Ibidem.

[13] Cf. Ibidem.

[14] Obra Nacional da Pastoral do Turismo – Estatutos, Art. 4º, alínea a).

[15] Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes – Orientações para a Pastoral do Turismo. Edição da Obra Nacional da Pastoral do Turismo. Braga: Libreria Editrice Vaticana, 2015, p. 25, nº 18.

[16] D. Jorge Ortiga – Pastoral do Turismo: identidade e missão. Conferência no 2º Encontro Nacional da Pastoral do Turismo. Aparecida, São Paulo, 04 de novembro de 2015, pp. 7 – 8.

[17] Ibidem, p. 2

[18] Cf. Orientações para a Pastoral do Turismo. Op. Cit., nº 14, pp. 20 – 21.

[19] Papa João Paulo II – O Turismo, um instrumento ao serviço da paz e do diálogo entre as civilizações. Mensagem de Sua Santidade João Paulo II por ocasião do XXII Dia Mundial do Turismo. Vaticano, 9 de junho de 2001, nº 5.

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