Homilia do Bispo de Coimbra na Vigília Pascal

Caríssimos irmãos e irmãs!

Bendito seja Deus por esta noite santa que nos oferece! Hoje experimentamos com profundidade a alegria de sermos salvos pelo Senhor Jesus Cristo morto e ressuscitado. Sentimo-nos felizes por Ele ser o Senhor da nossa vida e por nos dar esperança renovada para continuarmos o caminho da fé, na Igreja e no testemunho do mistério que nos envolve.

Na celebração do batismo dos eleitos acompanharemos os irmãos a quem o Senhor chamou pelo nome e sobre os quais derrama a abundância dos Seus dons. Acolhemo-los na Igreja, comunidade de filhos e manifestamos a alegria de receber novos irmãos nesta família de Deus, que sente o apelo a viver em comunhão de caridade.

Pela renovação das promessas do nosso próprio batismo tornamos atual a graça de seguir Cristo e refazemos o desejo de sepultar o homem velho e permitir que nos ressuscite para a vida nova. Sentimos que o batismo não é um momento encerrado no passado da nossa existência, mas um sacramento dinâmico, que se pode tornar realidade permanente. Recordamos que não fomos simplesmente homens e mulheres batizados, mas que somos homens e mulheres que atualizam continuamente o batismo, enquanto sacramento determinante da totalidade da nossa vida.

Nesta Páscoa do Senhor, convido-vos, caríssimos irmãos e irmãs, a redescobrirmos a beleza do dom que recebemos pelo batismo. Estamos no tempo da indiferença de muitos em relação à fé, no tempo da oposição de outros em relação aos valores da tradição cristã, no tempo das perseguições aos cristãos por parte de alguns marcados pelos fundamentalismos ideológicos, religiosos ou culturais, no tempo da afirmação das novas faces do materialismo, no tempo dos sincretismos religiosos e espirituais, no tempo dos relativismos em que tudo parece ter exatamente o mesmo valor, no tempo do individualismo em que cada um se sente capaz de eleger isoladamente o que acredita, o que faz, os valores éticos que assume, como se fosse o único critério da verdade.

Precisamos de redescobrir a beleza do dom que recebemos porque tudo isto tem também repercussões em nós, cristãos e dentro da Igreja a que temos a graça de pertencer pelo batismo na água e no Espírito. Sem um novo ardor da fé e sem um amor apaixonado por Cristo, facilmente nos deixamos enredar pela indiferença e nos deixamos sucumbir diante das adversidades.

A Igreja tem um lugar menos relevante na sociedade e no caminho de grande parte da humanidade, particularmente no Ocidente, não tanto porque tenha ficado para trás na história, como é voz corrente, mas sobretudo porque foi perdendo o ardor da fé no Senhor Vivo no meio de nós, porque os cristãos se acomodaram à cultura dominante, porque arrumou o Evangelho na prateleira dos esquecidos e desnecessários.

Pedir o batismo quando a fé cristã era maioritária e quase universal entre nós era pôr-se do lado da maioria, porventura dominante e poderosa tanto a nível social, como ético ou cultural.

Desejar viver o batismo numa sociedade secularizada e batida por outros ventos é uma atitude verdadeiramente evangélica, pois o Senhor convidou-nos sempre a ser fermento que leveda a massa, sal que dá sabor ao que é insípido, grão de trigo que morre para dar vida, luz no candelabro que alumia todos os que estão na escuridão desta casa comum.

Viver o batismo, hoje, é assumir a vocação cristã de seguir Cristo Vivo, de levar a cruz com Ele e com os irmãos, de ser testemunha autêntica do amor de Deus no mundo, ou seja, é assumir a vocação de ser mártir da fé, de acordo com o sentido etimológico deste termo.

Os cristãos não são heróis nem pessoas dotadas de poderes especiais para mudar o mundo. Também não são um grupo de iluminados que conheça tudo, tenha certezas sobre tudo e encontre facilmente soluções para tudo. Assumem-se, porém, como homens e mulheres que, com humildade, querem acolher o dom de Deus, que desejam caminhar no conhecimento da verdade, que aceitam o Evangelho de Jesus como caminho nas suas decisões, que trabalham para deixar uma marca de caridade e fraternidade no mundo, que procuram viver na alegria e na esperança alicerçadas na morte e na ressurreição do Senhor.

Viver o batismo e ser cristão não é uma condenação à infelicidade, nem a uma vida carregada de dores e cruzes. Quando se descobre o amor de Deus derramado em nossos corações, encontra-se a Luz para ser feliz e a motivação para levar a própria cruz e ajudar a levar a cruz dos outros.

O Cristo vivo proclamado pela Páscoa é essa Luz, o encontro com Ele na fé e no batismo constitui a possibilidade do acesso à Sua iluminação, a prática da vida cristã na Igreja fornece o alimento indispensável para este caminho na Luz, o testemunho da alegria de acreditar no meio do mundo alarga os raios dessa Luz e permite a muitos outros o acesso à sua claridade.

Caríssimos irmão e irmã, cujo nome foi inscrito no livro dos eleitos e dos santos, considera uma graça sem igual teres sido escolhido pelo Senhor para fazer parte do Seu Corpo e entrar na intimidade do Seu coração por meio dos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia.

Irmão e irmã, alegra-te pelo dom de seres, hoje, acolhido na condição de filho de Deus e irmão de Jesus Cristo; louva o Senhor por Ele vir ao teu encontro a fim de iluminar a tua vida com o Seu Espírito Santo; agradece-Lhe por te tornar participante do banquete da Eucaristia; estremece de comoção por Ele se ter entregue à morte por ti.

Irmão e irmã, a Igreja que, hoje, te acolhe como seu membro de pleno direito, convida-te a seres um membro fiel, apóstolo do Evangelho, pedra viva deste templo santo de Deus, na comunhão e no amor.

Contigo louvamos o Senhor e, com o coração em festa, acompanhamos-te nesta passagem pelas águas da Vida, nesta tua feliz e santa Páscoa. Ámen.

Coimbra, 20 de abril de 2019
D. Virgílio do Nascimento Antunes, Bispo de Coimbra

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