Quinta Feira Santa – 18 de Abril de 2019 – Missa Vespertina da Ceia do Senhor
Irmãos e irmãs
Esta celebração da Missa vespertina da Ceia do Senhor, introduz-nos no mistério pascal da morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Palavra de Deus recorda-nos como a celebração da Páscoa está associada à intervenção de Deus na história, atualizando o seu efeito.
A celebração da Eucaristia, Ceia Pascal, pede intimidade
A primeira leitura, do Livro do Êxodo (Ex 12,1-8.11-14), contém a indicação de como Páscoa de Israel deveria ser celebrada. Serve-nos esta Palavra para entendermos o contexto da Ceia de Jesus com os seus Apóstolos, na véspera do dia em que daria a sua vida pela humanidade.
A Páscoa fazia memória da libertação do Egito operada por Deus, através de Moisés, e era celebrada em família com referências à tradição da vida pastoril.
A tradição da ceia surge associada à vida. Os pastores saiam de manhã cedo com os seus rebanhos e só voltavam ao fim do dia, portanto, a refeição em família era a ceia.
O cordeiro pascal e o sangue do cordeiro, com o qual os hebreus pintavam as casas para o mal não entrar na família, apontam para Cristo, o verdadeiro Cordeiro de Deus que, entregue por amor, tira os pecados do mundo e é recebido como alimento de vida eterna.
Jesus teve a experiência da ceia pascal, com Maria e José, a sua família de Nazaré da Galileia. Agora Ele celebra a Ceia com a sua nova Família, os seus discípulos, e dá-lhe um novo significado e dinamismo. Recordemos o início do Evangelho desta Missa que nos dá uma síntese do que é a Páscoa que os cristãos celebram: “Sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13,1).
Portanto, a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor que celebramos, exprimem a passagem de Jesus para o Pai e, ao mesmo tempo, o Amor máximo pela sua nova família: “amou-os até ao fim”. Tudo isto numa grande intimidade com Aquele que se entrega ao Pai e a nós.
Somos a nova família de Jesus. Portanto, a celebração da Ceia de Jesus, a Eucaristia, ainda que aconteça no espaço de uma igreja grande ou de um santuário, deve ter sempre a marca da intimidade familiar com o Senhor.
A Igreja é a Nova Jerusalém onde se celebra a Ceia de Jesus, a Eucaristia
Os judeus celebravam a Páscoa na cidade de Jerusalém. Ofereciam o cordeiro no templo em sacrifício e depois iam para casa celebrar a Páscoa em família. Agora, para nós cristãos, a cidade onde é celebrada a Ceia já não é a cidade de Jerusalém, mas a Igreja que designamos por ‘nova Jerusalém’. Jerusalém, significa a cidade da paz.
É isso mesmo que a Igreja, Povo do Senhor, é chamada a ser no mundo: a ‘cidade’ onde é celebrada a Eucaristia, a Páscoa da Nova e eterna Aliança, onde o mal é vencido e reinará a Paz.
Acontecem situações especiais ou extraordinárias, em que a Eucaristia é celebrada num acampamento, em viagem num navio ou ainda numa pequena capela no alto de uma serra, será sempre o sacramento celebrado na Fé da Igreja. Será, portanto, o memorial da paixão, morte e ressurreição de Cristo, que a Igreja tem o mandato de celebrar e terá a marca da intimidade e a referência ao mandato de Cristo aos seus discípulos.
A Igreja renova-se na Páscoa e é sustentada e fortalecida pelo seu Senhor, que é ao mesmo tempo o seu Cordeiro Pascal e o seu Bom Pastor. A existência da Igreja católica (universal) com a celebração da Eucaristia, é um sinal profético para o mundo. A Eucaristia é uma celebração da Paz – deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Nutrida da Eucaristia, a comunidade cristã é chamada a cultivar relações fraternas e a construir a paz no mundo.
A Igreja é um Povo Sacerdotal
Na segunda Leitura (1Cor 11,23-26), São Paulo indica aos coríntios e a nós, quais eram as palavras que a comunidade cristã devia usar para celebrar bem a Eucaristia, como um memorial da Páscoa do Senhor. Trata-se de uma reunião que exige especiais cuidados de preparação e, assim, ser defendida para corresponder à sua origem e à dimensão sacerdotal da comunidade cristã. A dimensão sacerdotal assume-se na consagração; somos um povo consagrado ao Senhor, pertencemos-lhe e Ele alimenta-nos.
Hoje é dia de reconhecermos o ministério sacerdotal de Cristo e de rezarmos pelas vocações sacerdotais, pelos Padres que temos e por aqueles a quem Senhor quer chamar para servir o seu Povo. Só há um ministério sacerdotal, portanto, é sempre Cristo a presidir.
Esta verdade da Fé da Igreja, supõe uma concentração cuidada por parte dos sacerdotes: é sempre por Cristo, com Cristo e em Cristo que exercem o ministério e se oferecem a Deus juntamente com toda a Assembleia celebrante.
A Igreja celebra o mandamento novo do Amor
Ao narrar a Ceia de Jesus com os seus discípulos, o Apóstolo São João oferece-nos no seu Evangelho (Jo 13,1-15) uma atitude que os outros evangelistas omitiram. “Jesus (…) sabendo que saíra de Deus e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou o manto e tomou uma toalha que pôs à cintura. Depois, deitou água numa bacia, e começou a lavar os pés aos discípulos”.
É um gesto que não se enquadra numa celebração da Ceia, por isso Jesus respondeu a Pedro: “O que estou a fazer, não o podes entender agora, mas compreendê-lo-ás mais tarde”.
Entendemos agora, é um gesto que revela e sintetiza a vida de Jesus e o próprio sentido da ceia. Na ceia, Jesus diz: “fazei isto em memória de mim” e o lava pés tem a conclusão “Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também”.
Portanto, as nossas celebrações da Eucaristia devem ter o seu prolongamento em dedicação e serviço em favor dos irmãos. Pelo exemplo dado por Jesus, fica valorizado o serviço mais humilde que seja necessário fazer. Por isso a Igreja convida-nos neste dia a realizar o Rito do Lava pés que faremos de seguida.
As mesmas mãos que consagram e acolhem Cristo na Eucaristia, devem estar disponíveis para a caridade concreta, no serviço humilde dos irmãos, a começar pelos mais pobres.
Num tempo de tantos sinais contrários ao amor, em ambiente familiar e social, que a liturgia destes dias do tríduo pascal, nos renove na consagração como filhos de Deus e na capacidade de testemunhar a beleza e a grandeza do seu Amor.
Unamo-nos a Jesus, Deus feito pobre para nos enriquecer com a sua graça. Seremos assim, na afirmação do Papa Francisco, uma Igreja pobre de meios, mas rica de Amor, o Amor concreto de Jesus.
+ José Traquina
Bispo de Santarém