Homilia do Arcebispo de Braga na Missa Vespertina da Ceia do Senhor

Viver Cristo e a vida com entusiasmo

Há momentos na vida em que sentimos uma satisfação interior quando lemos algum texto. Encontramos, por vezes, confirmação daquilo que deu um sentido novo à nossa vida, nos marcou e deu origem a experiências novas, como se de uma autêntica conversão se tratasse.

Tive este sentimento quando li o quarto capítulo da Exortação Apostólica Cristo Vive, onde o Papa fala do grande anúncio a todos os jovens. Regressei à minha juventude e interiorizei o que revolucionou o meu ser de padre jovem. O Santo Padre diz que quer anunciar “o mais importante, o principal, aquilo que nunca se deveria calar” (C.V. 111). São três verdades fundamentais para os jovens e para todas as pessoas de boa vontade.

Este horizonte integra e explica o que a liturgia de hoje nos recomenda. Celebramos o amor de Deus e aceitamos o mandato de o semear no coração da sociedade. Só o amor retira todas as pedras que muitos colocam no caminho. Ele é o Salvador. Recordamos, por fim, que a Eucaristia, sacramento do amor pela entrega de Cristo, é semente de um mundo novo com espaço para todos.

Quais são, então, as três verdades que o Papa recorda e que devemos trazer para a nossa vida, jovens ou adultos? Deus é amor, Cristo salva, Ele vive e suscita a vida.

  1. Em primeiro lugar, num mundo de ódios e conflitos, interesses e indiferentismos, a tarde de Quinta-feira santa conduz-nos a descobrir o Deus-amor. Nem sempre o anúncio que fazemos apresenta um Deus que deseja o bem, a estima e a consideração. Outrora, e ainda hoje, apresentávamos um Deus terrível, distante, vingativo, sempre pronto a castigar. Mas, Deus “não quer ter em conta os teus erros e, em qualquer circunstância, ajudar-te-á a aprender qualquer coisa inclusive com as tuas quedas” (n. 115).

O amor de Deus “não esmaga, não marginaliza, não humilha. É um amor de todos os dias, que cura e que levanta. É um amor que sabe mais de subidas do que de quedas, de reconciliação que de proibição, de dar uma nova oportunidade do que condenar, de futuro que de passado” (n. 116). Não se incomoda que lhe sejam apresentadas interrogações e preocupações.

No meio de tantas hipocrisias e mentiras, promessas e compromissos sociais, ilusões e fantasias, encontraremos a esperança quando descobrirmos a singularidade de Deus e a apresentarmos, como compromisso social, ao mundo. Deus deseja apenas o nosso bem. Acreditar em Deus-amor é sempre possível e descobrir esse amor nas coisas do dia-a-dia é a missão que nos une. A vida, quando encarada nesta perspectiva, vence as nuvens negras, elimina o sofrimento e descobre as alegrias serenas, acredita naquilo que é positivo e coloca de lado as visões pessimistas e alarmistas. O amor vence tudo (Omnia vincit amor). Como temos necessidade de descobrir Deus-amor em tudo o que a vida nos proporciona!

  1. A outra grande verdade a redescobrir, e que marcou a minha vida, é a certeza de que Cristo é o Salvador. “Cristo salva-te”, diz o Papa. A vida em Cristo – ontem, hoje e sempre – é este saber que Ele está ao lado de todos para dar a vida por amor. Jesus passou a vida a fazer o bem. No respeito pela liberdade, não deixa ninguém sozinho, marginalizado. Acompanha-a a todos no caminho sinuoso e repleto de enigmas para revelar os segredos de uma amizade autêntica. Gastou a sua vida fazendo-se próximo dos necessitados, a última ceia foi a dádiva por excelência e a cruz foi o sinal eloquente do Seu envolvimento com os males da sociedade. “Os seus braços abertos na cruz são o sinal mais precioso de um amigo capaz de chegar ao extremo (n. 118). Com a Sua entrega total, continua, ainda hoje, a salvar e a resgatar. O Seu amor é maior que todas as nossas contradições, do que todas as nossas fragilidades, do que todas as nossas mesquinhices (n. 120).

Perante esta maravilha do amor de Deus, faz cada vez mais sentido o apelo que o Santo Padre lançou aos jovens e, porque não dizê-lo, a todos nós: “Jovens amados pelo Senhor, quanto valeis vós, se fostes redimidos pelo sangue precioso de Cristo! Jovens queridos, vós “não tendes preço! Não sois peças de leilão! Por favor, não vos deixeis comprar, não vos deixeis seduzir, não vos deixeis escravizar pelas colonizações ideológicas que nos metem ideias na cabeça e, no fim, tornamo-nos escravos, dependentes, fracassados na vida. Vós não tendes preço; deveis repeti-lo continuamente: eu não estou em leilão, não tenho preço. Sou livre, sou livre! Enamorai-vos desta liberdade, aquela que Jesus oferece” (n. 122). Hoje, na eloquência do lava-pés, teremos de permitir que entre dentro de nós a certeza de que ninguém nos ama como Jesus.

Como tantas vezes ouvimos, não podemos considerar-nos seguidores de uma ideologia e simples cúmplices de um conjunto de actividades a realizar por gosto ou paixão. Somos discípulos de Cristo, que está vivo, ou seja, não é mera recordação do passado. É alguém que nos salvou há dois mil anos, que vive, liberta-nos, transforma-nos, cura-nos e consola-nos.

  1. Como vivente, quer entrar na nossa vida para a plenificar, para a encher de luz e da sua presença. Não é alguém que está ao nosso lado, como os vizinhos ou amigos. A Sua vida tem de estar na nossa vida. Não como vidas paralelas mas como realidades convergentes numa unidade que não destrói a nossa personalidade mas que lhe inculca o mesmo sentido e motivação. É ele a agir através da nossa liberdade. Como consequência, “agarrados a Ele, vivemos e atravessamos todas as formas de morte e de violência que nos espreitam no caminho” (n. 127).

Ele quer-nos vivos, detentores de uma vida com sentido e significado, permanentemente abertos aos desafios que a história nos coloca. Não podemos ficar inertes, adormecidos, expectadores.

Temos a responsabilidade de o fazer presente em toda a Humanidade. Quando nasceu era um simples galileu. Identificou-se com todos os homens, de todas as épocas e circunstâncias. Por isso, Ele que está no rico e no pobre, no empresário ou no trabalhador, no médico ou no doente, no português ou no cidadão de qualquer parte do mundo, no estudante e no professor, no membro da minha comunidade ou no seguidor de qualquer religião. Ele é o Homem e tudo o que deixo de fazer à pessoa concreta é a Ele que deixo de o fazer. E tudo o que faço, a pequenos ou grandes, é a Ele que o faço.

Quis lavar os pés a doze universitários. Jovens que procuram estruturas e projectos de vida que podem ser interpretados egosticamente ou como sentido de responsabilidade social. O Papa não quer que os jovens sejam a geração do futuro, mas que sejam a geração capaz de delinear processos, com competência e abertura aos novos desafios lançados por esta sociedade pós-moderna, onde a paixão de Cristo por um mundo mais humano adquire protagonistas para mudanças que importa empreender. O mundo necessita de uma nova cultura capaz de nos oferecer um mundo melhor. Não uma cultura que junte saberes isoladamente mas uma cultura do encontro, de pessoas e conhecimentos, numa interdisciplinaridade capaz de oferecer bem estar a toda a Humanidade. O amor de Cristo torna o mundo uma pequena aldeia e a complexidade dos problemas exige muita competência e vanguardismo intelectual.

Perante as realidades que celebramos – da instituição da Eucaristia, da cerimónia do lava-pés, do mandato de anunciar e viver o amor – pergunto se não seremos capazes de dar ao cristianismo aquela força revolucionária que sempre teve e se é o cristianismo que não tem valor ou se são os cristãos que não se comprometem com o seu radicalismo inovador e construtor de um mundo novo.

Acreditar em Deus amor, saber que Cristo corre por mim para me salvar e permitir que Ele viva nos cristãos e por intermédio daquilo que fazem pelos outros, é um itinerário que continuará a fazer história se assim o quisermos.

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

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