Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
O que nos define? Uma meta? Uma identidade? Um pouco de ambos? Uns pensam que uma coisa é o que somos ou pensamos ser, e outra aquilo que queremos ser. Eu diria que somos definimos por ambos. A meta, identifica-nos.
Neste mês de Outubro saiu um livro de James Clear, criador da Habits Academy, intitulado Atomic Habits, que estou a ler com muito interesse porque me identifico com a importância que os hábitos podem ter na nossa vida. Por exemplo, a 1 de janeiro de 2018 tinha 91kg, e hoje, depois de ter criado determinados hábitos tenho 75kg. Não foi o resultado de qualquer dieta especial, ou de um plano bem definido de exercício físico, mas apenas o acumular de pequenos hábitos que me levaram diariamente a mudar o meu comportamento. James Clear associa esta mudança de comportamento a três camadas, como numa cebola.
A camada exterior consiste em mudar o resultado. Por exemplo, eu queria perder peso. A camada intermédia é mudar o processo, ou seja adquirir novos hábitos e sistemas que me ajudam a chegar onde quero ir. E a camada interior é mudar a identidade, significando isso mudar ou aprofundar a um nível diferente aquilo que acredito. Os resultados são os propósitos que conseguimos atingir, os processos é o que fazemos para atingir esse propósitos, e a identidade é o que acreditamos no mais íntimo de nós mesmos. Criar hábitos que perdurem depende da direcção que tomamos neste “Círculo da Mudança de Comportamento”. Ou criamos hábitos baseados nos resultados, ou criamos hábitos baseados na identidade.
Por exemplo, se estivesse a criar hábitos para perder peso baseado nos resultados, ao oferecerem-me um doce diria – “Não obrigado. Estou a tentar emagrecer.” Nesta resposta reconheço a necessidade de emagrecer e, por isso, estou a tentar ser aquilo que não sou (ainda). Mas se estiver a criar hábitos baseados na identidade diria – “Não obrigado. Eu não como doces.” A diferença é ligeira e incrivelmente pequena, mas a segunda resposta sinaliza uma pessoa que mudou de identidade. Isto é, não desgosta de doces, mas, simplesmente, não os come porque acredita que faz parte da sua identidade um consumo muito reduzido de doces que sabemos estar na origem da obesidade na maior parte das pessoas. Há quem pense que somos o que fazemos, mas a realidade é, precisamente, a contrária: fazemos aquilo que somos.
Um outro exemplo. Imaginemos alguém que sonha ser escritor. Na direcção do resultado à identidade diria – ”Eu quero escrever livros para ser escritor.” – enquanto que assumindo a direcção da identidade ao resultado diria –”Eu sou um escritor e, por isso, escrevo livros.” Escusado será dizer que em todos os cursos de iniciação à escrita de livros, a direcção da identidade é que leva realmente alguém a ser escritor, pois, ou acredita que o é no seu íntimo, ou vive no querer ser adiando sempre o ser.
Recentemente, estive nas XXX Jornadas da Pastoral Familiar e ao escutar o Pde. Duarte da Cunha a falar de felicidade no contexto do “Sim” do Deus-Amor à família, pensei no “Círculo da Mudança de Comportamento.” Por um lado, o Pde. Duarte convidava cada um de nós a “querer ser feliz,” o que seria fazer da felicidade uma meta, um resultado. Por outro lado, sempre me identifiquei com um dos significados de ser cristão que apontou também, ou seja, “ser feliz.” Porém, uma felicidade não ausente de dor. Muito pelo contrário, é um mistério de dor e amor que se manifesta em sorrisos autênticos e genuínos, apesar das adversidades.
O modo de chegar à felicidade que perdura no tempo é semelhante ao modo de criar hábitos que perduram no tempo, mas… com uma nuance: somos o que queremos ser. Ou seja, é como um “já, mas não ainda” onde o resultado e a identidade se tornam num só. Queremos ser o que somos, e somos os que queremos ser, sem divisão, ou separação. Neste sentido, ser feliz começa por afirmar “sou feliz.” Mas há alguém que seja feliz sem querer ser feliz? Não faz sentido. A lógica do amor une resultado e identidade. Quando o que somos se une ao que queremos ser revela algo de especialmente evolutivo sobre o percurso de cada um de nós ao longo da vida: não importa tanto o ser quanto o tornar-se. Afinal, talvez estejamos sempre em mudança.