50 anos do Vaticano II e a unidade entre os cristãos

Fernando Soares, bispo da Igreja Lusitana

O Concílio Vaticano II, iniciado há 50 anos, foi uma porta aberta por onde entrou a frescura do vento transformador do Espírito. Dada a grande influência que na altura a Igreja Católica Romana tinha nas sociedades ocidentais europeias, o Concílio trouxe uma nova visão e ação da Igreja católica perante os desafios de uma sociedade ainda traumatizada por todo o sofrimento das primeira e segunda grandes guerras. Também, e em particular com o seu Decreto “O Ecumenismo”, criou um entusiasmo inebriante que aqueceu o coração de todos os que naquele tempo, católicos e demais, anelavam por uma unidade visível entre as Igrejas Cristãs.

Antes do Concílio já o Movimento Ecuménico florescia entre as Igrejas Ortodoxas, Anglicanas e Protestantes através da ação do Conselho Mundial das Igrejas. Porém, com o Concílio, a Igreja Católica Romana acordou para a participação ativa na ambiência ecuménica, reconhecendo que “a palavra de Deus escrita, a vida da graça, a fé, a esperança e caridade e outros dons interiores do Espírito Santo e elementos visíveis” podiam existir noutras “Igrejas e Comunidades separadas”. Mesmo afirmando a “plenitude da graça e verdade confiada à Igreja católica”, o Concílio fez despontar os alvores de uma nova era no concerto da cristandade ao considerar que aquelas Igrejas e Comunidades “de forma alguma estão despojadas de sentido e significação no mistério da salvação”, e ainda, “que tudo o que a graça do Espírito Santo realiza nos irmãos separados pode também contribuir para a nossa edificação” . Isto elevou os níveis da esperança nos meios ecuménicos e permitiu supor uma nova era nas relações intereclesiais e, talvez, o começo de uma caminhada de participação da própria Igreja católica no Conselho Mundial de Igrejas. O efeito desta expectativa de progresso ecuménico só se fez sentir em Portugal anos mais tarde, no início de 70, a que não foram alheias a ambiência ditatorial daquele tempo e a guerra colonial.

Entretanto, nas décadas que se seguiram ao fim do Concílio, anos 70 e 80, o deslumbramento entusiasmante dos primeiros tempos deu lugar à natural moderação da realidade. As novas visões anunciadas pelo Concílio trouxeram mudanças que nem sempre foram objeto da necessária reflexão, o que teve por consequência algum fechamento ao fluxo do Espírito e o desacelerar do efeito transformador de muitas posturas conciliares. Para isso também contribuiu a evolução das sociedades dos países democráticos europeus que, a partir da década de sessenta até aos anos noventa, cresceram de modo fulgurante no modo de estar do chamado ‘estado social’, alimentando um distanciamento da religião e, em particular, das perspetivas cristãs das gerações anteriores. As Igrejas, todas as Igrejas, passaram de esteios da coesão social dos seus países para a condição de meras instituições, lado a lado com tantas outras de diverso cariz, num contexto de convivência plural. Então, muito do que foi o impulso transformador de mentalidades do Vaticano II começou a ser ultrapassado por outras prioridades, o labor ecuménico firmou-se mais nos diálogos bilaterais sobre matérias teológicas e doutrinais que fundamentam diferenças e iniciou-se um novo modo de estar de convivência intereclesial chamado de ecumenismo espiritual.

Com a entrada do século XXI e as ocorrências políticas e económicas que desenharam a sua primeira década, em particular a guerra do Iraque, surgiu como emergência para as confissões cristãs o diálogo inter-religioso, perante os riscos para a paz no mundo dos fundamentalismos que estavam a querer emergir entre as três religiões monoteístas. E assim se começou a secundarizar o diálogo ecuménico. Em 2009, o Arcebispo de Cantuária, Dr. Rowan Williams, numa Conferência em Roma, por altura dum Simpósio para celebrar o centenário do nascimento do Cardeal Willebrands, referia que já se havia chegado a formulações teológicas importantes sobre a Missão e o Ministério da Igreja que, por si só, poderiam basear uma unidade entre as Igrejas cristãs históricas muito mais efetiva do que aquela que se vive. Na verdade, a ausência de avanços nas formulações teológicas tem permitido pensar que o ecumenismo se tem estiolado nas preocupações das Igrejas.

É uma situação que adormece os entusiasmos do Vaticano II. Contudo, por cá, os encontros e as celebrações ecuménicas, na abertura alegre e com a aceitação fraterna entre os fiéis das diversas Igrejas, vão-nos fazendo sonhar e aquecer a esperança. Como diria S. Paulo, vamos “em esperança, crendo, contra a esperança” (Rom. 4,18).

Fernando Soares, bispo da Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica (Comunhão Anglicana)

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