25 de Abril: Jornalismo e meios de comunicação «desempenham um grande papel» na construção da memória – Nélson Ribeiro

Diretor da Faculdade de Ciências Humanas da UCP olha para o contributo da comunicação social na «Revolução dos Cravos« e recorda «caso da Rádio Renascença»

Foto: Agência ECCLESIA/OC

Lisboa, 23 abr 2024 (Ecclesia) – O diretor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa (UCP) afirmou que o jornalismo e os meios de comunicação “desempenham um grande papel” na construção da memória, no âmbito da Revolução do 25 de Abril de 1974.

“O jornalismo, e os meios de comunicação de uma forma mais geral, não só o jornalismo e os jornalistas, têm um papel muito importante na construção e na reconstrução da nossa memória coletiva, e, aliás, o acontecimento do 25 de Abril será um exemplo. Diria que a maioria da sociedade portuguesa, basta ter menos de 55 anos, não terá memória dos acontecimentos do 25 de Abril, mas, na verdade, todos temos memórias”, referiu Nélson Ribeiro.

O professor destaca, em entrevista à Agência ECCLESIA, que todos têm uma ideia do que foi o 25 de Abril e dos dias posteriores à Revolução e que, muitas vezes, isso “são memórias mediadas”.

“Quando nós formamos futuros jornalistas e profissionais de comunicação, é muito importante que eles tenham consciência também deste papel que estão a ter, ou seja, eles não estão apenas a relatar o presente, mas ao relatarem o presente também estão a ajudar a fixar aquilo que vão ser as memórias que nós vamos ficar em relação ao passado, e isso é muito importante”, desenvolveu.

O diretor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa assinala que há 50 anos vivia-se um período de censura que “era muita limitadora da comunicação que as pessoas podiam ter acesso”, o que contrasta com a atualidade, em que “a informação está presente em todo lado”.

“Temos acesso a tudo, não deixa de ser também, ou de haver aqui também alguma ilusão para a qual eu julgo que é importante nós alertarmos cada vez mais, sobretudo num momento em que nós temos muitas vezes acesso e estamos a consumir a informação que nos chega, sobretudo através das redes sociais. E não nos podemos esquecer que as redes sociais têm a operar algoritmos cada vez mais poderosos que estão a selecionar a informação por nós”, adverte.

O entrevistado alerta para o perigo que se apresenta à democracia de os algoritmos, no mundo digital, estarem a selecionar informação que reforça aquilo que cada um pensa.

“Isto é bastante perigoso do ponto de vista democrático, porque nós passamos a estar menos expostos àquilo que as pessoas que não pensam como nós [partilham]”, afirmou Nélson Ribeiro, ressaltando que é importante que a democracia seja feita “de diálogo”.

O jornalismo tem, de facto, esse papel central de nos confrontar com visões do mundo, visões da realidade, que são diversas e que estão em discussão permanente, e nós ao fugirmos para as redes sociais, para não sermos confrontados com essa pluralidade de opiniões, obviamente isso contribui muito para uma certa polarização, que é aquilo que nós também vemos que está a acontecer em muitos países, e em Portugal também”.

Em entrevista, o professor Nélson Ribeiro salienta ainda o papel que a Rádio Renascença teve na Revolução de Abril, “que acabou por ser central a vários níveis”.

“Transmitiu aquela que foi a última senha para o 25 de Abril, que era uma senha, aliás, bastante complexa, que incluía alguns poemas, algumas mensagens, mas onde estava aquilo que ficou mais conhecido, porque lá está, é o que ficou retido na memória, a transmissão da Grândola Vila Morena”, recorda, referindo que isso só foi possível porque a rádio “na fase final do regime, tinha, de facto, contacto com muitos setores, na altura chamados progressistas, que já não se reviam propriamente naquilo que era o regime político do Estado Novo”.

“No pós-data de 25 de Abril, a Renascença acabaria também por ser uma espécie de símbolo daquilo que foi um debate e uma luta que se travou na sociedade portuguesa entre as forças que pretendiam a instauração de um regime democrático em Portugal, versus as forças de extrema-esquerda que pretendiam que Portugal se transformasse num regime mais na orla da União Soviética”, lembra.

O diretor da Faculdade de Ciências Humanas da UCP evoca a ocupação dos estúdios da Rádio Renascença em 1975, quando “a emissão passou a ser controlada por um pequeno grupo de trabalhadores”.

No dia 18 de junho de 1975, sindicatos dos setores da informação e das telecomunicações convocaram uma manifestação de apoio aos trabalhadores ocupantes, contestando o papel da igreja neste período revolucionário e defendendo que a Rádio Renascença fosse restituída à Igreja Católica.

“A seguir ao 25 de novembro [de 1975], em que a Rádio Renascença é depois devolvida à Igreja Católica, a Renascença vai ter um papel singular, porque passa a ser o único meio de comunicação não impresso, ou seja, além dos jornais, é o único meio de comunicação que não é controlado pelo Estado”, refere.

O professor universitário explica que a Renascença se estabeleceu como “a única voz” que tinha “alguma independência em relação ao poder político” e que “isso foi muito importante para trazer uma outra visão dos acontecimentos e da realidade”.

A entrevista com Nélson Ribeiro esteve hoje em destaque no Programa ECCLESIA, transmitido na RTP2.

LS/LJ/OC

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