Depois da tortura, Centro de Reflexão Cristã foi espaço de «aprofundamento teológico» e libertação para Luiza Sarsfield de Cabral
Lisboa, 17 abr 2021 (Ecclesia) – Luiza Sarsfield de Cabral afirmou que a democracia “é frágil” e necessita de “vigilância”, mas reconheceu que havendo “coisas a criticar e a melhorar”, será no quadro democrático que as soluções “devem ser encontradas”.
“Os mais novos não conheceram a ditadura; tiveram a sorte de nascer em democracia, e por mais sorte que tenhamos, mesmo achando que há coisas a criticar e a melhorar, tudo tem de ser resolvido no quadro da democracia”, indicou a professora no encontro «Conversas entre sócios» do Centro de Reflexão Cristã (CRC) quer aconteceu esta sexta-feira.
“Se não houver vigilância e cuidado corremos o perigo de resvalar para outros regimes. É precioso dizer aos novos que é necessário lutar pela liberdade, não ceder a vontades que possam existir de voltar a uma ditadura”, acrescentou.
O encontro «Conversas entre sócios» pretende assinalar os 45 anos do CRC e a sua última edição colocou em destaque o testemunho de detenção por parte da PIDE de Luiza Sarsfield de Cabral, em novembro de 1973, que a levou a vários meses de prisão em Caxias.
Tendo nascido no Porto, Luiza Sarsfield de Cabral estudou em Lisboa na Faculdade de Letras, e começou a participar nas greves estudantis de 1962, tendo posteriormente participado em grupos onde conhecer Nuno Teotónio Pereira e a mulher Natália Duarte da Silva.
“Eu tinha uma casa e o Nuno pediu-me para guardar alguns documentos em arquivo; tratava-se de um quarto, com entrada independente, e durante dois anos não houve problemas. Havia cuidados em casa mas também na rua. Não podia ir a uma manifestação, por exemplo. Eu e o Nuno combinámos uma história fictícia que eu teria de repetir, se houvesse algum problema”, recorda.
Numa tarde, estava em casa a preparar umas aulas de alemão e bateram à porta.
“Fui abrir e encontrei homens altos. A porta do quarto independente estava aberta, e eu pensei – já está, não há nada a fazer”, traz à memória.
Nessa tarde, Luiza Sarsfield de Cabral é levada para Caxias, onde permanece até março de 1974, onde é submetida a tortura do sono, a diversos interrogatórios, e passa desde o isolamento, “sem nada – pedi uma Bíblia e não me deram”, até à partilha da cela com Maria da Conceição Moita, Fátima Pereira Bastos e a Maria José Campos.
“Nos interrogatórios, havia quem fizesse de polícia bom, a dizer-me para confessar acenando com a libertação próxima, e um polícia mau que gritava e ameaçava. Tudo estava preparado nas salas para termos alucinações, havia aquecimento fortíssimo, a sala estava a escaldar – lembro-me de ter ficado cheia de borbulhas naquele calor. As noites eram custosas. O amanhecer era difícil”, recorda.
A partilha da cela foi um momento de grande alegria e Luiza Sarsfield de Cabral reconhece que a tortura das suas companheiras foi mais violenta.
“Comparada com a minha que foi pequena, a Conceição Moita teve 12 dias de tortura de sono, mas com espancamento e imensas barbaridades. Ela teve uma serenidade fantástica, tal como aconteceu agora com o seu desaparecimento”, indica.
Em março de 1974, saiu sob caução.
“Sai com muitas saudades delas. Estava tão ligada que me custava que elas tivessem ficado. Sai, tive de pagar e ia ser julgada. Fui para o Porto, para casa do meu irmão e a PIDE começou a mandar-me recados a dizer que andava a falar demais”, explica.
No regresso à vida profissional, Luiza Sarsfield de Cabral foi considerada “pedagogicamente inconveniente”, mas depois veio o 25 de abril, “a alegria”, e o julgamento que iria ter, já não se realizou.
Depois do 25 de abril, o CRC, da qual é fundadora, tornou-se para Luiza Sarsfield de Cabral, um espaço de desenvolvimento católico, perseguindo o objetivo de “estudo da teologia, com vista ao aprofundamento da evangelização cristã e ao serviço da libertação do povo português”, conforme indicam os estatutos.
LS