25 de Abril/50 anos: Sem condições sociais e económicas, a paz «é uma trégua» – Marcelo Rebelo de Sousa

Exposição e colóquio evocam o envolvimento dos católicos na oposição à ditadura, da vigília na Igreja de São Domingos à vigília na Capela do Rato, que o presidente da República quer homenagear com a «Ordem da Liberdade»

Foto Agência ECCLESIA/PR

Lisboa, 08 dez 2022 (Ecclesia) – O presidente da República Portuguesa afirmou hoje que deseja assinalar o contributo dos cristãos na conquista da democracia e da liberdade, sublinhando que a paz sem condições socioeconómicas justas “é uma trégua”.

“Não há paz onde há fome, onde há insjustiça social”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa no Colóquio ‘A Paz é Possível: afirmação impossível?’, que decorreu na Igreja de São Domingos, em Lisboa.

O colóquio seguiu-se à inauguração da exposição ‘A paz é possível. A Vigília da Capela do Rato e a contestação à Guerra Colonial’, que assinala os 50 anos da iniciativa de um grupo de cristãos, como sinal de oposição à ditadura.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, onde não existirem “condições sociais e económicas que contribuam para a paz, nunca mais haverá paz”.

Referindo-se à paz na Ucrânia, o presidente da República afirmou que o fim da guerra neste país passa por “construir a paz em muitos outros sítios e num contexto global”.

“É preciso qualificar a paz, trazê-la para o terreno”, sustentou, acrescentando que não gosta de “amar a paz em abstrato”.

Eu não sei se gosto muito da ideia de amar a paz em abstrato, basta amar os outros. A nossa realização passa pelos outros e tem de ser com os outros. Se cada pessoa se realiza com os outros, está a construir a paz”.

O colóquio contou com a participação a intervenção da ministra da Defesa, Helena Carreiras, e do professor universitário Luís Moita, que participou na vigília da Igreja de São Domingos, a 31 de dezembro de 1968, e na vigília da Capela do Rato, quatro anos depois, assim como do padre António Janela, que fazia parte da equipa sacerdotal da Capela do Rato, em 1972.

Para a ministra da defesa, “a Paz tem de ser possível e ter de ser desejava, mas a verdadeira pergunta é de que paz estamos a falar?”.

“É preciso qualificar a paz. Falar da paz com adjetivos”, sublinhou, acrescentando que tem de ser “resultado e condição de liberdade e de dignidade”.

O padre António Janela recordou a sua participação na vigília da Capela do Rato e acentuou a evolução do conceito de paz, que, com o Papa Paulo VI, deixou de ser um debate sobre a ausência da guerra e passou a ser uma condição assente na verdade, na justiça, na liberdade e na solidariedade, como indica na encíclica “Pacem in Terris” (1963).

“Não há paz se falha uma dessas colunas”, realçou o sacerdote, que viveu os acontecimentos da Capela do Rato, há 50 anos, indicando também a urgência de uma “educação para a paz”.

No final do colóquio, promovido pela Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, o presidente da República disse que, como houve o reconhecimento pelo envolvimento dos militares na conquista da liberdade, “era justo que houvesse um sinal em relação ao contributo cristão nesse processo”.

“Ando com a ideia de ter um gesto simbólico em relação à Comunidade do Rato”, anunciou Marcelo Rebelo de Sousa, acrescentando que  a “Ordem da Liberdade” pode significar a gratidão pelo “papel mais próximo” da comunidade no processo que levou ao regime democrático.

Da Vigília de São Domingos à Vigília da Capela do Rato

Foto Agência ECCLESIA/PR

Na noite de 31 de dezembro de 1968 para 1 de janeiro de 1969, cerca de 150 católicos permaneceram em vgília na Igreja de São Domingos, em Lisboa, para assinalar o Dia Mundial da Paz – que o Papa Paulo VI tinha proposto ser celebrado no primeiro dia de cada ano, numa mensagem divulgada no dia 8 de dezembro de 1967, faz hoje 55 anos –  e em oposição à ditadura e à guerra colonial.

No colóquio promovido pela Unidade de Missão para celebrar os 50 anos do 25 de Abril, Luís Moita disse que, com a vigília na Igreja de São Domingos, se iniciou um “movimento criador”, a partir de 150 pessoas que nela participaram, rejeitando a atitude da Igreja e dos cristãos que “estavam passivos, inertes, perante a barbaridade de uma guerra em três teatros africanos”.

“Nessa noite, acreditem, aconteceu o que foi literalmente um movimento fundador da mobilização dos cristãos em grande relevo para lutar a favor da paz e contra política anticolonial”, afirmou o investigador universitário.

Quatro anos mais tarde, “surge de novo a necessidade” sentida por cristãos para realizar “mais um ato que significasse um passo em frente na luta dos cristãos pela paz e contra a guerra colonial e escolheu-se a Capela do Rato”.

Luís Moita recordou que esta “tinha uma comunidade sacerdotal exemplar”, onde estava o padre António Janela e com “o padre Alberto Neto à cabeça”, e uma “comunidade recetiva, cheia de vitalidade”.

Entre a Igreja de São Domingos e a Capela do Rato, o grupo de cristãos que lutava pela paz e pelo fim da guerra colonial adotou “uma nova radicalidade”, expressa no propósito de ocupar de novo um lugar sagrado, mas por três dias, podendo chegar à comunidade que se reunia nas Eucaristias de sábado, domingo e depois no dia 1 de janeiro, com “uma forma de luta”, a que chamaram “greve da fome ou pelo menos jejum”.

O professor universitário valorizou também o movimento estudantil, que teria colocado a possibilidade de “uma deserção coletiva das fileiras do exército”.

Na vigília da Igreja de São Domingos, foi apresentado por Francisco Fanhais o texto “Vemos, ouvimos e lemos”, que Sophia de Mello Breyner escrever para a ocasião, cantado depois em “muitos atos de culto”.

O presidente da República disse na sua intervenção que a vigília na Igreja de São Domingos assinalou o fim do salazarismo e a vigília da Capela do Rato o fim marcelismo.

“A vigília vai ocorrer num momento em que o regime esta morto, sem ter percebido que estava morto”, indicou Marcelo Rebelo de Sousa.

PR

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Agência ECCLESIA

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