Constituída como território diocesano autónomo em 1545, as comunidades cristãs que habitaram os confins da diocese de Lisboa e da diocese de Coimbra construíram lugares de culto para os quais procuraram os cuidados da arte, legando ao património artístico nacional edifícios de eleição que merecem essa demorada visita que proporcione a experiência que a Igreja tanto tem recomendado para os dias de descanso: a contemplação estética na senda da chamada ‘via pulchritudinis’ (via da beleza).
Este caminho pode fazer-se quer a partir dos lugares de maior monumentalidade (Mosteiro da Batalha, Catedral de Leiria, Santuário do Senhor dos Milagres, Santuário de Fátima) quer nos lugares menos frequentados pelos turistas e que, não obstante, são clarividente espelho do que o génio humano soube fazer de melhor em cada época.
Encontram-se neste último caso, por exemplo, o Santuário de Nossa Senhora da Encarnação, porventura mais conhecido, mas também igrejas menos conhecidas como são a da Paróquia de Santa Eufémia ou a Igreja não paroquial da Golpilheira, exemplos de arquitetura contemporânea que se mostram igualmente denunciadores dessa atitude de busca do belo, de acordo com os cânones de cada época.
Construído a partir de um milagre atribuído à Virgem Maria sob o título de Nossa Senhora da Encarnação, a igreja do santuário leiriense coroa um promontório, o que veio a ficar ainda mais assinalado pelo escadório construído no século XVIII, configurando a ambiência de sacromonte tão típica dos santuários da Idade Moderna. Passada a galilé que se mostra bem típica dos lugares de peregrinação, a igreja mostra no seu interior várias peças que merecem detença: a azulejaria de padrão do século XVII, as pinturas do ciclo da vida da Virgem, a alegoria pictórica à Imaculada Conceição, no arco triunfal, a retabulária do século XIX e a imagem de Nossa Senhora da Encarnação, uma das mais belas peças da escultura devocional neoclássica que o património nacional conhece.
Entre os bons exemplares de arquitetura do século XX na Diocese de Leiria-Fátima, encontra-se a Igreja de Santa Eufémia, construção datada de 1968 e assinada por João Mota Lima. Exemplo acabado do que são as preocupações do II Concílio do Vaticano e, bem assim, da teoria que na época os arquitetos tomavam sobre a materialidade dos edifícios, a igreja apresenta-se na honestidade dos materiais (tijoleiras, cimentos, madeiras) e reveladora dos primeiros ensaios relativos a uma nova espacialidade no que respeita à arte de celebrar. Mostra também este templo o cuidado em agregar ao projeto a excelência do traço escultórico (na fachada da igreja e no batistério) e pictórico (na tapeçaria da Última Ceia do presbitério) de Joaquim Correia.
Espaço transfigurado pelos cuidados da arte é ainda a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, da comunidade cristã da Golpilheira (Paróquia da Batalha). Sendo uma igreja dos finais da década de 50, incaracterística do ponto de vista artístico, viu o seu espaço interior profundamente remodelado através do projeto de Humberto Dias e Pedro Gândara. Os vãos do templo beneficiaram de um amplo programa iconográfico em torno do orago da igreja — Nossa Senhora de Fátima — e da relação da mensagem de Fátima com o Calvário de Cristo, o que resultou na transfiguração do espaço através dos vitrais assinados por Sílvia Patrício (execução do Atelier Vitrais Portugal), entre 2020 e 2021. Estes planos de luz e de cor merecem uma viagem ao pequeno lugar da Golpilheira, porquanto farão com que o viajante se eleve nessa trajetória rumo à beleza sempre antiga e sempre nova, no dizer de Santo Agostinho, um dos padroeiros da diocese de Leiria-Fátima.
Marco Daniel Duarte
Diretor do Departamento do Património Cultural da Diocese de Leiria-Fátima
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