Paulo Rocha, Agência ECCLESIA
Votar é um ato livre, um direito e um dever, fundado no quadro normativo das democracias, por um lado, e, por outro, nas convicções pessoais de cada cidadão. Sinal expressivo da liberdade, o voto emerge nas sociedades contemporâneas com essa gestação, produtora por vezes de aparentes paradoxos quando negado um dos aspetos da “dupla paternidade”.
Sinal maior – e preocupante – do alheamento dos cidadãos da construção democrática está na abstenção, crescente de eleição para eleição, a traduzir sintomas de distanciamento entre eleitores e eleitos, a reivindicar a urgência da reconstrução da credibilidade do governo da “coisa pública”, tanto a nível local, como nacional ou continental.
Outro sinal, ainda mais relevante talvez, deveria emergir da ignorância das sociedades a respeito do papel determinante das instâncias internacionais quando em causa está a salvaguarda de um ambiente capaz de garantir a convivialidade entre povos e o diálogo entre nações. De facto, é alarmante a inconsequente atividade da ONU ou o desprezo com que indivíduos ou várias administrações públicas e privadas recebem diretivas globais sobre ecologia, alimentação, água, desenvolvimento, pobreza, armamento, indústrias, comunicações… Para estes e outros tantos setores há comissariados, observatórios, institutos, secretariados e muitos mais burocratas que apenas conseguem alimentar quadros intermédios e superiores capazes de gerar remunerações compensatórias das hipocrisias do momento, da apatia com que se enfrentam as incapacidades de operacionalizar qualquer tentativa de gerar o bem comum.
Com as inegáveis fragilidades em torno das estruturas democráticas, regressemos ao voto e à fundamentação pessoal em que deveria ser considerado. Se o voto assenta na consciência e nas convicções pessoais, como é possível decretá-lo, impor uma disciplina no momento de votar?
A disciplina de voto é uma forma de totalitarismo, coloca interesses partidários, sistémicos, do aparelho, acima da liberdade da pessoa e do mandato dado pela sociedade para construir para uma democracia sadia.
O contexto atual pode induzir leituras das considerações passadas. Claro que se aplicam também ao momento presente, mas são sobretudo apensas a decisões sobre direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos, nomeadamente no momento em que uns são chamados a legislar para todos.
Lamentar distanciamentos do voto por parte dos cidadãos e incluir a disciplina de voto num regime democrático faz pensar que a segunda é a causadora da primeira.
Paulo Rocha