Voluntariado: Rodrigo, Joana e Pedro dedicam duas noites por mês a distribuir ceias aos sem-abrigo, estabelecendo relação de proximidade

Agência ECCLESIA acompanhou volta de uma equipa voluntária de rua da Comunidade Vida e Paz por Lisboa

Lisboa, 14 dez 2024 (Ecclesia) – Rodrigo Machado, Joana Matias e Pedro Ferreira são voluntários das Equipas Voluntárias de Rua da Comunidade Vida e Paz (CVP), que durante a noite levam ceias a pessoas em situação de sem-abrigo, com o objetivo de se aproximarem delas.

“A entrega da refeição para a comunidade serve como um álibi para entrarmos em contacto e para conseguirmos aproximar-nos das pessoas que estão na rua em situação de sem-abrigo e também daquelas que, mesmo que tenham um teto, são efetivamente carenciadas”, explica a jovem voluntária, de 23 anos, à Agência Ecclesia.

Em mais uma noite das 365 que a Comunidade Vida e Paz distribui ceias, juntam-se Rodrigo e Joana, que antes das 20h já se encontram na sede da instituição para iniciar a Volta C.

Este é um dos quatro percursos percorridos pela cidade de Lisboa, que se inicia na zona de Alvalade, passa por Xabregas, e percorre a zona do rio Tejo, desde a Expo até um bocadinho antes do Terreiro do Paço.

Depois de carregarem a carrinha com 140 refeições, chega Pedro Ferreira, e às 20h16 estão reunidas as condições para se fazerem à estrada e irem ao encontro das pessoas em situação de sem-abrigo.

“A nossa refeição consiste em duas sandes que vêm num saco. Temos dois tipos de sandes, que nós chamamos de normais, que vêm sempre ou com presunto, com fiambre e queijo e manteiga. E depois temos, devido ao aumento da imigração e da etnia muçulmana, também nos foi pedido que fizéssemos as ceias vegetarianas, que só têm manteiga e outros produtos vegetarianos”, refere Joana Matias.

As equipas tentam sempre ter em atenção as restrições alimentares, respeitando a religião, sublinha Rodrigo Machado, coordenador da Volta C: “Nem sempre é possível agradar a todos, mas tentamos fazer o nosso melhor para que isso aconteça”

Voluntário na Comunidade Vida e Paz há oito anos, Pedro Ferreira, de 59 anos, nota um aumento de jovens e migrantes nas ruas da capital portuguesa, assinalando que esta é a principal diferença em que repara desde que iniciou o voluntariado na instituição.

Quanto ao número de sem-abrigo, Rodrigo Machado salienta que este vai variando, destacando que no final de 2023 e no início deste ano houve um aumento e que agora se regista um decréscimo.

“O mais difícil é ver as pessoas esquecidas da sua própria integridade humana, de estarem esquecidas elas e nós todos, que somos a sociedade, também nos esquecemos no dia-a-dia, nas nossas vidas normais, de que estas pessoas existem”, afirma Pedro Ferreira.

Além de entregarem as ceias, os voluntários da Comunidade Vida e Paz procuram estabelecer uma conversa com as pessoas em situação de sem-abrigo, enfrentando por vezes desafios a esse nível.

“Tentamos sempre também falar um bocadinho com as pessoas que vamos encontrando. Umas noites as pessoas estão mais recetivas a falar, noutras querem estar mais no seu canto e estão menos recetivas”, salienta Rodrigo Machado, de 23 anos.

Nas visitas que fazem aos sem-abrigo, os voluntários fazem também a sinalização de casos, para que depois as equipas técnicas providenciem uma resposta personalizada e integrada para cada uma das pessoas.

“Isto fundamentalmente é não só auxiliarmos e darmos as ceias que nós temos disponíveis, mas mais importante do que isso é darmos o nosso apoio, o nosso carinho, a nossa presença, a nossa disponibilidade para conseguirmos fazer essa sinalização que depois passamos a outras equipas com essa experiência para depois fazer um outro trabalho que é de recolha e de tratamento dessas mesmas pessoas”, esclarece Pedro Ferreira.

Durante o percurso, Joana Matias faz a entrega de bilhetes para a 36ª Festa de Natal da Comunidade Vida e Paz, que se realiza de 20 a 22 de dezembro, na Cantina Velha da Cidade Universitária, e que tem como convidadas pessoas em situação de sem-abrigo.

“A partir do início do mês de dezembro, todas as voltas de rua, que saem à rua todos os dias da semana, levam consigo convites onde nós fazemos o apontamento do nome da pessoa, a data de nascimento, o local onde a encontramos. Todos os convites têm um número para que nós possamos fazer o tracking de quem é que vem, quantas pessoas é que são esperadas”, indica a jovem.

Esta vai ser a terceira vez que Joana Matias integra a equipa de voluntários da Festa de Natal da CVP, que proporciona às pessoas sem-abrigo diversos serviços, como espetáculos; entrega de vestuário e calçado; balneário; cabeleireiro; Instituto dos Registos e do Notariado; Instituto do Emprego e Formação Profissional; Saúde-rastreios, consultas de medicina dentária, vacinação; apoio jurídico e refeições.

Foto: Agência ECCLESIA/LJ

A gare do Oriente é um dos pontos de paragem da Volta C e é aquele onde mais pessoas em situação de sem-abrigo vão buscar ceias à carrinha da Comunidade Vida e Paz.

Melissa Flores, de 31 anos, é um dos casos: vive na rua há 15 anos e enfrenta o problema de adição de drogas.
Apesar de já ter estado em albergues e quartos, volta sempre à rua: “Tem sido muito complicado, só que não baixo os braços e tenho a fé em Deus”.

“O Natal eu já não vivo, nem Ano Novo. Normalmente, quando chega o dia 24, 25, ninguém me vê, que eu deito-me. Porque era uma época que eu gostava. Só que, infelizmente, não há família, não há nada”, refere.

As equipas voluntárias de rua da CVP são compostas por cerca de 600 voluntários e distribuem, diariamente, uma pequena ceia a aproximadamente 500 pessoas, com a missão de criar uma relação de confiança com as pessoas em situação de sem-abrigo que desperte o desejo da mudança.

A Comunidade Vida e Paz, organização sem fins lucrativos fundada em 1989, apoia pessoas em situação de sem-abrigo e vulnerabilidade social através de respostas como o Centro de Intervenção de Primeira Linha, Comunidades Terapêuticas e de Inserção e da Unidade de Apoio à Reinserção.

A volta desta equipa voluntária de rua por Lisboa vai estar em destaque no programa 70×7, transmitido no próximo domingo, na RTP2, pelas 07h35, dedicado ao trabalho desta instituição.

LJ/OC

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