Voluntariado misionário e laico: riscos e benefícios

Cooperação, desenvolvimento e missões em análise numa altura que aumentam projectos além fronteiras 20 anos desde o início do voluntariado missionário, cerca de 3000 jovens leigos comprometeram-se, até hoje, em projectos de missão. Projectos de curta e de longa duração que ligados a congregações religiosas, dão voz ao compromisso português. Estas são ajudas, em especial, nos dos países lusófonos, ao desenvolvimento nas áreas da educação e da saúde, sobretudo promoção e desenvolvimento local, investindo na formação de líderes e animadores locais, mas também em áreas pastorais. A evangelização é a marca diferenciadora entre o voluntariado missionário e outras experiências de voluntariado. Este é expresso no trabalho feito no terreno, mas é também o factor que “impele os jovens a ir”, explica ao programa Ecclesia, Ana Patrícia Fonseca, da Plataforma do Voluntariado Missionário da Fundação Evangelização e Culturas (FEC). O trabalho missionário exprime a vontade de “trabalhar em nome de Deus, enviados por uma congregação religiosa, expressando uma forma de estar e ser no terreno”. Os voluntários “são o rosto da congregação que integram”. No voluntariado laico “o desejo de fazer voluntariado é a grande motivação”, expressa Inês Saraiva Azevedo, que integrou um projecto missionário na Equipa d’África e responsável por um trabalho de investigação sobre as experiências de voluntariado. Os últimos números da Plataforma das ONGD (Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento), indicam que, em 2002, cerca de 200 voluntários tinham partido. Reconhecendo que a maioria dos projectos que existem são de voluntariado missionário, Inês Azevedo explica que têm nascido mais grupos de voluntariado laicos para colmatar essa falta. “Independentemente de não se sentir um chamamento, como é o caso dos voluntário missionários, os outros também querem marcar a diferença”. O trabalho de investigação conduzido por Inês Azevedo tinha como objectivo procurar riscos e virtudes no trabalho de voluntariado e cooperação. As motivações, nos dois tipos de voluntariado, são muito diversas. “Desejo de fazer voluntariado, contribuir para marcar a diferença, viver uma experiência diferente, o desejo de ir a África fazer uma aventura”, foram alguns dos motivos recolhidos na investigação, mas com uma grande ênfase no desejo de “fazer voluntariado”. O objectivo do voluntário é transformar alguma coisa, mas a mudança começa nele. Ana Patrícia Fonseca sublinha que se constata que “quando o voluntário regressa, vem diferente”. O trabalho que desenvolve em Portugal, depois do regresso, é um trabalho “muito motivado para a sensibilização da população em geral, para as questões do desenvolvimento e da cooperação”. Esta mudança é registada tanto por voluntários missionários como por outros. Este facto é visível no impacto na vida pessoal e até na vontade de mudar o seu rumo profissional, aponta Inês Azevedo. “As Nações Unidas registam o impacto que o voluntariado para a cooperação tem no desenvolvimento, pois é a partir da mudança da perspectiva que se tem do mundo, que se irá conseguir mudá-lo”, recorda a investigadora. A investigação versou também sobre o impacto que a cooperação tem no desenvolvimento e transformação social. Aqui é necessário distinguir os projectos de curta e longa duração. “Os de longa duração têm um impacto maior na vida dos locais, especialmente se forem realizados numa base de continuidade”, indica a investigadora. Nos projectos de curta duração, os próprios voluntários “sentem que não mudam a realidade local como desejariam”. Nestes casos, a mudança é mais pessoal. Ana Patrícia Fonseca alerta para o facto de muitos projectos de curta duração cumprirem os objectivos. “Alguns pretendem apenas dar formação numa determinada área, num curto espaço de tempo e cumpre igualmente o seu objectivo”. A colaboradora da FEC sublinha que importa auscultar a realidade local e responder com projectos que visem as necessidades locais, sendo de curta ou longa duração. Inês Azevedo indica que nem todos os grupos fazem relatórios no fim dos projectos, “facto mais sentido nos projectos de curta duração”. Segundo a FEC a lacuna na avaliação prende-se com a falta de financiamento que os grupos têm. “Investe-se muito na formação e na preparação do projecto e fica-se sem formas de fazer a avaliação”. Chamando a atenção para o impacto negativo, Inês Azevedo aponta ser “muito bonito embarcar em projectos de curta duração, mas que na prática, têm mais impactos negativos que positivos”. Os projectos de longa duração manifestam maior continuidade, apesar de mudança entre os voluntários que vão em missão por um a dois anos. A maioria dos voluntários que parte, integra projectos de congregações religiosas que trabalham no terreno, sendo a própria congregação a base de continuidade quando há troca de voluntários. Nos projectos de voluntariado laico, as estruturas do terreno exercem funções similares às congregações religiosas, no âmbito da continuidade – ONG, “muitas vezes com missionários também, e outras instituições no terreno”, explica Inês Azevedo. Capitalização no regresso Ana Patrícia Fonseca exprime uma lacuna na “capitalização da experiência do voluntário quando este regressa para a sua paróquia”. Uma visão partilhada por Inês Azevedo, que estende esta falta ao próprio país. “Não aproveitamos o cidadão que parte, que é uma mais-valia para todos. É preciso uma estratégia para reintegrar o voluntário que parte, mesmo profissionalmente”, sublinha a investigadora. Licenças de vencimento para experiências de voluntariado “são difíceis de obter”. Inês Azevedo lembra que foi prometido, dentro da visão estratégica governativa para a cooperação, legislação “e continuamos à espera. Isto também para que o voluntário perceba que tem direitos e deveres, e que há um lado profissional no ser voluntário”. A investigadora indica haver um potencial “enorme que precisa de respostas”. Ana Patrícia Fonseca explica que os voluntários que partem vão por “sua conta e risco, agregados à congregação religiosa”. Não são poucos o casos de voluntários adultos que abandonam a sua actividade e estabilidade profissional para fazer um projecto de missão e quando regressam, “voltam à estaca zero”. Riscos e virtudes As conclusões da investigação apontam o risco pessoal do voluntário na reintegração do país e também o risco da dependência local sobre o trabalho desenvolvido. É por isso “necessário fazer uma correcta avaliação do projecto para que a vontade de partir não seja maior do que a necessidade de ajuda local”. Sobre as “virtudes” encontradas na investigação, Inês Azevedo sublinha a “importância do papel que o voluntário tem quando volta”. A tolerância, as novas perspectivas do mundo e a vontade de continuar a trabalhar na área social são mais-valias partilhadas tanto pelo voluntariado laico como o missionário. Após a experiência de voluntariado missionário “muitas interrogações surgiram”, mas Inês Azevedo afirma-se “muito comovida com toda a motivação que está por detrás de cada voluntário que o impele a partir”.

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